Quando o consumidor paga pelo seguro sem saber
Companhias aéreas como a Gol e a TAM vendem seguro junto com a passagem sem que a maioria dos consumidores perceba
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
São Paulo - Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) condenou a venda dos seguros embutidos nas passagens aéreas. Na prática, o campo que marcava a adesão ao serviço já vinha selecionado e passava batido aos olhos dos consumidores mais incautos. Se muitos não se davam conta que estavam adquirindo uma apólice, outros confundiam a assistência viagem, como é chamada, com uma taxa obrigatória. Três empresas foram notificadas na época: Gol, Azul e TAM. Mas oito meses depois, a Gol e a TAM continuam ofertando o serviço da mesma forma, desta vez acompanhadas pela Webjet e Trip.
Para José Geraldo Tardin, presidente do Ibedec (Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo), não há dúvidas que a prática é ilegal. "Condicionar a compra de um produto a outro caracteriza venda casada, que é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor", diz. Como o indivíduo necessariamente tem que desmarcar a caixa no formulário de compra para sinalizar que não quer o serviço, Tardin afirma que a venda fere o princípio da transparência. "Você não pode partir da ideia que a pessoa vai querer o seguro", completa.
A Anac determinou que Gol e TAM suspendessem a venda pré-selecionada até este sábado, 25 de setembro. Caso o prazo seja descumprido, as alterações na malha aérea solicitadas pelas empresas não serão atendidas. Por ora, continua em aberto o processo que corre contra as duas companhias por indução ao erro. Se forem declaradas culpadas, Gol e TAM poderão ser multadas em até 20.000 reais. As empresas Webjet e Trip foram notificadas na última semana e podem sofrer sanções semelhantes caso não alterem seus sistemas de venda online. Tardin, do Ibedec, defende uma punição mais severa pelo fato de o artifício se enquadrar também como prática lesiva ao consumidor. Neste caso, a multa poderia chegar a 3 milhões de reais.
Valores
Independente da companhia, quanto maior for o tempo de estadia do passageiro no destino escolhido, mais caro se torna o seguro, já que ele não cobre apenas os incidentes do vôo, mas qualquer outro evento que resulte em morte ou invalidez nesse meio tempo. Seria o caso, por exemplo, de uma batida de carro a caminho do aeroporto. A cobertura vale a partir da 0h do dia da partida, se estendendo até às 24h da data de chegada. Os preços também variam em função do local visitado. De qualquer forma, esse valor tem um piso. Na Webjet e na Gol, por exemplo, o seguro mais barato custa 5 reais. Na TAM, esse valor é de 7,90. E na Trip, ele custa 14,90.
Embora o lucro com o serviço não seja divulgado pelas empresas, uma simples estimativa dá pistas do tamanho da bolada que pode ser embolsada com a oferta da apólice pré-selecionada. Em 2009, a Gol transportou 28,4 milhões de passageiros. De todos os bilhetes vendidos, 92,4% foram comprados pela internet. Supondo que metade destes consumidores tenham adquirido sem querer o seguro mais barato (em geral referente a bilhetes de ida e volta no mesmo dia), o gasto com a assistência viagem terá somado 65,6 milhões de reais.
Prática é ilegal; seguro não
Vale reforçar que a venda do seguro pelas companhias não é irregular. Além de indenizar acidentes, a assistência viagem cobre a hospedagem de um acompanhante em caso de hospitalização do passageiro, garantindo viagem de regresso para ambos. Auxílio em caso de perda de documentos e sorteio de prêmios em dinheiro são outros benefícios ofertados. "Mas o ideal é avaliar se você já não tem um seguro com o propósito de cobrir fatalidades, ponderando se vale a pena adquirir outro", acredita Maria Inês Dolci, diretora da ONG de defesa do consumidor Pro Teste.
Quem tiver seguro de vida, por exemplo, e adquirir o serviço na hora de comprar a passagem, ficará triplamente coberto. "Você não pode fazer duas vezes o seguro de um carro, porque se for roubado, só receberá uma vez. Mas sobre a vida humana, não há valor. Logo, não há limite para a contratação de seguro", afirma a diretora técnica de Vida e Previdência da SulAmérica, Carolina de Molla.
Neste caso, além da cobertura comprada anteriormente e daquela adquirida junto com o bilhete, o indivíduo vai contar com a indenização obrigatória da empresa aérea. É o que estabelece o Código Brasileiro de Aeronáutica, que prevê uma reparação de aproximadamente 40.000 reais para as vítimas de acidentes. O entendimento do Ministério Público, no entanto, é que esse número seja revisto para cima. Para o mesmo tipo de ocorrência, os seguros da Webjet , TAM e Trip oferecem uma cobertura de 30.000 reais. Na Gol, esse valor é de 75.000 reais.