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Por que o balanço das empresas deveria ser corrigido pela inflação

Para que servem as demonstrações financeiras das empresas? Pelos critérios legais, para expressar em valores reais o patrimônio de uma empresa e também servir de base para o cálculo dos impostos. Pois em plena temporada de questionamentos sobre a transparência de balanços, especialistas levantam dúvidas sobre a consistência das demonstrações financeiras brasileiras. A raiz do […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h33.

Para que servem as demonstrações financeiras das empresas? Pelos critérios legais, para expressar em valores reais o patrimônio de uma empresa e também servir de base para o cálculo dos impostos. Pois em plena temporada de questionamentos sobre a transparência de balanços, especialistas levantam dúvidas sobre a consistência das demonstrações financeiras brasileiras. A raiz do questionamento está em um tema que virou tabu: a correção dos balanços pela inflação, proibida por lei desde 1996.

O impacto da correção (ou de sua ausência) vem aparecendo nos balanços de empresas que têm o preciosismo de publicar duas demonstrações a oficial, para efeito de tributação, e outra com correção monetária, conforme sugestão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As comparações assustam. A Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), por exemplo, divulgou um prejuízo de 650,5 milhões de reais para o exercício do ano passado. Nas demonstrações corrigidas pela inflação, porém, exibe um lucro de 83,4 milhões de reais. A Copesul, Companhia Petroquímica do Sul, raspou no vermelho apresentando um pequeno lucro líquido de 299 mil reais no ano passado. Já na demonstração atualizada pela inflação, o lucro chega a 52,5 milhões de reais.

A Companhia Energética de São Paulo (Cesp) talvez seja a empresa que mais sentiu o peso dos números não corrigidos. Divulgou um prejuízo de 3,4 bilhões de reais no exercício de 2002. Pega pela maior crise que o setor elétrico brasileiro já sofreu, a Cesp de fato não está numa posição financeira confortável. Tanto que ninguém questionou o fato de esse prejuízo concorrer ao posto de maior do ano de 2002 e de ser um dos cinco maiores prejuízos entre as companhias brasileiras de capital aberto nos últimos 20 anos, segundo levantamento da consultoria Economática. Também ninguém questionou o fato de a empresa ter tido a nota rebaixada pela consultoria de risco Standard & Poor s no dia em que divulgou o balanço. Nas notas de rodapé, porém, a Cesp exibe outro resultado, a valores correntes, com um prejuízo 47,1% menor: 1,8 bilhão de reais.

O peso maior dessas distorções está na forte desvalorização do real no ano passado e na sua pressão sobre preços. Foi o impacto mais violente desde o lançamento da moeda. O IGP-M, por exemplo, bateu em 25,3%. Mas, entre 1995 e 2002, já acumula uma alta de 152,05%, fruto de outras elevações menores não registradas. O IPCA, utilizado pelo governo como parâmetro para balizar as metas de inflação, fechou o ano em 12,5%, e a taxa acumulada em oito anos já está em 100,66%. Essa variação não foi computada nos balanços. A correção é um instrumento técnico de transparência , diz Roberto Pasqualin, advogado de direito tributário e societário da firma Demarest & Almeida. Evita lucros e prejuízos fictícios.

É por essas e por outras que profissionais que lidam com a contabilidade olham com desconfiança redobrada para os balanços da temporada. Há temores de que o aumento da inflação no ano passado, somado aos resíduos não computados nos últimos anos, esteja distorcendo a real situação de um grande número de empresas. Estamos presenciando um desastre , afirma Ariovaldo dos Santos professor da FEA - USP. Não acredito em uma única linha do que está publicado. Santos é coordenador técnico da equipe responsável pelo monitoramento do ranking Melhores e Maiores, de EXAME, uma das poucas publicações que ajusta os resultados financeiros das empresas com base na inflação. E faz isso não apenas com inflação brasileira. Os valores em dólar também são corrigidos pela inflação americana.

Quando ignoramos a inflação, podemos ter vários tipos de distorções , diz Raquel Novais, especialista em direito tributário do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice. O exemplo da Cesp é clássico: sem a correção, empresas endividadas podem registrar um prejuízo maior. Empresas capitalizadas, ao contrário, tendem a exibir lucros espetaculares. Multinacionais com investimentos de capital próprio no Brasil sofrem duplamente: com a inflação e com a desvalorização cambial. Se o problema tem tamanha dimensão, por que as empresas nada fazem? É preciso analisar caso a caso, pois o resultado das demonstrações financeiras define o tamanho do bolo que vai para o fisco e também se o acionista ganha dividendos - e quanto ganha.

De certo nessa discussão só há um ponto: o tema é controverso. Existe uma corrente expressiva que não quer ouvir falar em inflação, nem em correção monetária. Pedro Ernesto Fabris, presidente do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo, está nessa lista. Não tem saudades dos tempos de ajustes: A correção monetária era o fantasma do contador. Sofríamos muito com aquele trabalho insano . Fabris não poupa críticas aos métodos usados para refletir o efeito da inflação nas demonstrações. Diz que a prática era um engodo: A correção maquiava os balanços com a criação de lucros inflacionados; ressuscitá-la seria um passo atrás . De acordo com Fabris, a correção dos balanços foi um fenômeno brasileiro. Nenhum país adotou essa prática.

O ministro da Fazenda Pedro Malan proibiu a correção das demonstrações financeiras por meio da lei 9.249/95, com a intenção declarada de sentenciar o fim da indexação nos balanços e, por tabela, golpear a cultura do reajuste a partir da inflação passada. A medida fazia parte do esforço para consolidar o real como moeda estável, mas gerou polêmica. Muitas empresas entraram na Justiça. A jurisprudência, porém, não acatou as queixas, e até os opositores mais ferrenhos silenciaram. O tema está dormente, mas atual , diz o advogado Ricardo Becker, sócio do escritório Pinheiro Neto. O problema é que mencionar indexação de balanço é levantar a discussão sobre a correção de todos os tipos de contratos.

Mesmo fora da pauta de discussões corporativas e envolvida em divergências técnicas, a correção monetária dos balanços e o tema da reindexação - vai passar por um teste político nos próximos meses. A volta da correção é tema de uma das emendas propostas para o projeto de lei que revê as regras das demonstrações financeiras. O projeto deu entrada na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados e está sob análise técnica da consultoria de orçamento. Em duas semanas, deve chegar às mãos do deputado Armando Monteiro (PMDB/PE), indicado como relator.

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