O vinho "Verde"
Cresce a procura pelos vinhos orgânicos, feitos sem adição de substâncias químicas -- e que, dizem os admiradores, não dão dor de cabeça no dia seguinte
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h14.
O que uma garrafa de Romanée-Conti pode ter em comum com aqueles saquinhos estufados de rúcula que ficam à venda nos balcões refrigerados dos supermercados? Nada, responderá, com razão, quem pensar apenas em preço e sabor. Mas os consumidores que só comem frutas e verduras que nunca tiveram contato com substâncias químicas podem ficar felizes ao saber que um dos melhores vinhos do mundo é tão orgânico quanto as folhas de alface, chicória e acelga que eles adoram devorar. O Romanée-Conti é o mais célebre representante de um tipo de bebida que vem causando frisson entre os ecochatos: o vinho orgânico. Trata-se de uma classificação pouco utilizada até poucos anos atrás, mas que começou a ganhar força com a onda natureba que vem invadindo os mercados do mundo inteiro. A procura é tão grande que já surgiram na Europa lojas especializadas na comercialização dos vinhos ecochatos.
Os vinhos naturais entraram na moda nos últimos anos, principalmente na França. Atualmente, são consumidos cerca de 160 milhões de litros da bebida, o que representa 5% do total de 3,2 bilhões de litros vendidos por ano. Há cinco anos, a participação dos orgânicos não chegava a 2% do consumo total. "A divulgação dos produtos orgânicos como um todo e a conscientização das pessoas, que se preocupam mais com a saúde e com a preservação da natureza, foram decisivas para elevar o consumo de vinhos orgânicos", diz Jean Pierre Amoreau, dono do Château Le Puy, que desde 1610 produz vinhos naturais. É da vinícola de Amoreau que sai o Barthélemy, um dos melhores vinhos naturais da França na opinião de especialistas. "É um vinho sem nenhuma adição de sulfito", diz o consultor francês Jacques Trefois, um dos maiores especialistas no assunto. O sulfito, aliás, é uma espécie de satanás dos vinhos para um ecoenófilo. Segundo os críticos, essa substância, utilizada para ajudar a conservar o vinho, é a culpada pelas dores de cabeça que aparecem na manhã seguinte a uma noite de degustação de taças e mais taças de vinhos comuns. "Vinhos naturais não dão dor de cabeça. A ressaca é culpa do sulfito", diz o cantor Ed Motta, assumidamente radical na defesa dos vinhos naturais. "Hoje em dia só bebo vinhos orgânicos da Borgonha."
Mais sabor
A predileção de Ed Motta pelos naturais nada tem a ver com o cuidado com o corpo. O cantor é um dos entusiastas que tentam reproduzir no Brasil o sucesso que os vinhos orgânicos fazem na França. Ele é responsável, junto com o executivo Marcos Mikulis, pela nova carta de vinhos do Hotel Emiliano, de São Paulo. Parte dela terá vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais. "Os clientes começam a procurar produtos desse tipo e queremos mostrar o que há de melhor entre os vinhos", diz Mikulis. Também o restaurante paulistano D.O.M., do premiado chef Alex Atala, começa a trabalhar com vinhos naturais. "É uma tendência. Os vinhos naturais são melhores que seus pares não-orgânicos", diz Celso La Pastina, dono da World Wine, maior importadora de vinhos orgânicos do país. Por ter uma produtividade reduzida e um processo de fabricação quase artesanal, os vinhos orgânicos são mais caros do que seus similares não-orgânicos -- chegam a custar o dobro de um vinho de qualidade equivalente. Muitas vezes, toda uma colheita é perdida porque pragas que não foram combatidas com agrotóxicos degustaram as uvas antes de elas virarem vinho.
Os fãs do produto dizem que vale a pena. "São vinhos feitos por gente preocupada não só com dinheiro mas também em espalhar um estilo de vida mais saudável", diz Ed Motta. A classificação de orgânico, no entanto, não garante qualidade ao vinho. "Há orgânicos maravilhosos e outros que são intragáveis", diz Veronique Raskin, fundadora da Organic Wine, uma das primeiras lojas de vinho orgânico da Califórnia. "O problema é que quem prova um orgânico de má qualidade acha que todos os vinhos do tipo são ruins."
A classificação orgânica entre os vinhos é um pouco mais complexa que a usada entre verduras, frutas e legumes. Há três divisões: orgânicos simples, biodinâmicos e naturais. Os primeiros são vinhos que usam apenas uvas cultivadas sem nenhum agrotóxico, mas que podem ter substâncias químicas adicionadas durante o processo de produção da bebida (como o odiado sulfito). Os biodinâmicos são uma espécie de "orgânicos esotéricos". Além de não utilizar química no plantio das uvas, os produtores respeitam o calendário lunar e fazem preparos com ervas, água da chuva e até chá de pêlos de rabo de cavalo e raspas de chifres de boi para borrifar nas parreiras. Mas, durante o processo de fabricação, a adição de compostos químicos também é permitida. Já os naturais são os xiitas, os mais radicais -- e os mais desejados entre os ecoenófilos. O cultivo das uvas é feito com base nos preceitos orgânicos ou biodinâmicos. A grande diferença está no processo de fabricação. "Nada pode ser acrescentado. É um vinho totalmente natural que reflete toda a sua origem", diz o consultor Trefois.
Tem até chifre de boi |
Não basta ser livre de agrotóxicos para o vinho agradar aos enonaturistas mais radicais |
Orgânicos Feitos com uvas cultivadas de forma totalmente natural, sem inseticidas, pesticidas nem agrotóxicos. Mas permitem a adição de substâncias químicas para conservação ou correção de sabor |
Biodinâmicos O cultivo das uvas também é totalmente livre de produtos químicos. Os produtores respeitam o calendário lunar e utilizam poções à base de ervas, água da chuva e até raspas de chifre de boi para borrifar nas parreiras |
Naturais São os melhores. Podem usar uvas produzidas de forma orgânica ou biodinâmica, mas os produtores não acrescentam nenhuma substância (química ou não) durante e depois do processo de fermentação |
Claro, a ausência completa de conservante traz reflexos negativos (por exemplo, as lesmas que acompanham as folhas de alface orgânica). A maioria dos vinhos naturais não pode ser guardada por muito tempo, tampouco suporta ser deslocada por grandes distâncias. Qualquer variação de temperatura pode provocar uma nova fermentação -- e, nesse caso, o melhor que se consegue é um vinagre para temperar a rúcula orgânica.