O marketing financeiro e o espírito do varejo
A idéia dos bancos de reforçar os anúncios de linhas de créditos e serviços financeiros parte da percepção de que os clientes começam a comparar os preços entre os bancos
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
O ABN Amro mostra clientes tão incrédulos com as taxas de juros que se julgam vítimas de uma pegadinha. O Unibanco faz anúncios de página inteira nos principais jornais do país com ofertas de crédito e se prepara para lançar uma nova campanha nacional. O HSBC põe no ar uma das peças mais agressivas: a Mata Tarifas, onde um senhor de avental branco, munido de um eficiente spray, abate tarifas elevadas. As tradicionais campanhas publicitárias dos bancos - e suas cenas com pais sorrindo para seus filhos, casais confiantes na segurança do futuro ou mensagens bem humoradas sobre as vantagens do atendimento das instituições - agora são acompanhadas por anúncios ancorados em promoções de tarifas e taxas de juros.
Quem está atrás do balcão do banco garante: essas campanhas são sinais dos tempos e mostram o que vem por aí em matéria de concorrência. Os bancos não podem mais crescer fazendo aquisições , diz Rogério Estevão, diretor de produtos do Unibanco. Daqui para frente, o crescimento será pela sedução do cliente. Vamos tomar essa liderança jogando com as armas próprias do varejo.
A oferta de crédito de 20,4 bilhões de reais, para 14 linhas, estampadas nos jornais pelo Unibanco trabalha com spreads estreitos principalmente levando em conta que a Selic, taxa básica de juros embutida nos juros listados nas propagandas, está em 1,75% ao mês. Entre as ofertas está o Crédito Direto ao Consumidor (CDC) de automóveis, com taxas a partir de 1,99% ao mês, com um spread inferior a 0,25 ponto percentual. Fomos agressivos , diz Estevão. Fizemos uma revisão depois da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) e vamos repassar futuras quedas . Em no máximo duas semanas, o banco lança na mídia a publicidade da Conta sob Medida, novo produto que permitirá aos clientes reduzir e até zerar o pagamento de tarifas. Um dos alvos da novidade são as empresas. Em cinco anos, o Unibanco espera ampliar de 460 000 para 600 000 o número de clientes pessoas jurídicas e elevar de 10% para 14% a fatia de mercado no segmento de pequenas e médias empresas.
Cliente atento
A idéia dos bancos de reforçar os anúncios de linhas de créditos e serviços financeiros parte da percepção de que os clientes começam a comparar os preços entre os bancos. O público mudou: antes não prestava atenção às tarifas, mas agora faz comparações , diz Sylvia Cassettare, gerente de produtos do HSBC. Nossa proposta é atrair novos clientes sensíveis às diferenças de preços. O HSBC pretende investir 9,5 milhões de reais nos comerciais do Mata Tarifas e espera fechar o ano com 500 mil novos correntistas, além de tornar mais fiéis os 3,5 milhões de clientes. As ofertas levam ao extremo uma prática já adotada no setor: quanto mais o cliente usa os produtos do banco, menores as tarifas. A isenção pode chegar a 100%.
A cobrança pelos serviços bancários não era uma prática comum até a década de 90, quando o setor passou por uma grande reestruturação. Os serviços representavam em média 5% da receita total. Hoje, segundo a consultoria financeira Austin Asis, chegam a 15% do total e têm peso expressivo no fluxo financeiro. Em 1994, a relação entre receitas de serviços e despesas com pessoal ficava em 40%. Agora, é de 100% na maioria dos bancos e, em algumas instituições, chega a 150%. Ou seja: as tarifas cobrem a folha de pagamento e ainda rendem lucro.
Marketing
Diante desse quadro, será que podemos deduzir que a guerra de ofertas, tradicional em redes varejistas e lojas de departamento, chegou ao guichê dos bancos de varejo? Até podemos dizer que o caminho é esse , diz Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Asis. Mas as campanhas são mais uma estratégia de marketing para melhorar a arranhada imagem dos bancos que um efeito da concorrência. Rodrigues lembra que o lucro das instituições no momento de retração da economia brasileira atraiu críticas dos empresários do setor produtivo, do governo brasileiro, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e até do Tesouro Americano. De alguma forma, os bancos precisam mostrar que podem dar uma contribuição nesse momento , diz Rodrigues. Mas precisamos lembrar que não existe mágica: nenhuma instituição vai abrir mão de seus ganhos.
Os bancos tendem a reagir aos sinais concretos de recuperação econômica ou às medidas de impulso à atividade bancária: queda na taxa básica de juros, adoção do desconto em folha para o pagamento de empréstimos (medida em estudo que reduz o risco de inadimplência), queda no compulsório (parcela dos depósitos retida pelo Banco Central que tira dinheiro de circulação) e, principalmente, demanda pelos serviços e pelo crédito (fraca atualmente por conta da retração da produção, das vendas e do poder aquisitivo da população).
Pelos levantamentos da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o que foi feito até agora representa muito pouco para incentivar a reação da maioria das instituições. As taxas de juros bancários ainda permanecem estáveis, apesar da queda da Selic na última reunião do Copom. Algumas taxas realmente caíram, mas outras subiram e anularam o efeito das quedas , diz Miguel de Oliveira vice-presidente da Anefac. A entidade, que acompanha 30 instituições financeiras, afirma que os juros do cheque especial, por exemplo, podem chegar a 15,99% ao mês, ou 492,99% ao ano. Há financeiras cobrando juros de 30% ao mês, ou 2 200% ao ano por um empréstimo. Os clientes precisam ficar muito atentos às ofertas, diz Oliveira. As taxas para os reles mortais podem passar dos 10% ao mês, ainda que os anúncios ofereçam pequenos percentuais.