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Mulheres se unem para conquistar independência financeira

Kiersten Saunders começou seu próprio blog de finanças pessoais em 2015. Hoje, ela faz parte de um grupo de mulheres em rápido crescimento

A blogueira Kiersten Saunders: maioria das mulheres do grupo não recebe seis dígitos, não trabalha com tecnologia e nem quer abrir mão de um bom vinho ocasionalmente (Melissa Golden/The New York Times)

Marília Almeida

Publicado em 23 de junho de 2019 às 07h00.

Última atualização em 23 de junho de 2019 às 07h00.

Kiersten Saunders conheceu o movimento FIRE – acrônimo em inglês para "independência financeira, se aposente cedo" – da mesma maneira que a maioria das pessoas: lendo sobre ele on-line. Mas, também como a maioria das pessoas, não se identificou com sua filiação, majoritariamente branca, masculina e baseada no Vale do Silício.

"Quando comecei a ler os blogs do FIRE, tive uma espécie de choque cultural. Como cidadã americana negra, sabia que não seria capaz de replicar exatamente o que eles estavam fazendo", contou Saunders, de 34 anos, diretora de marketing em Atlanta.

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Os discípulos do FIRE têm uma reputação de millennials sobrecarregados de trabalho, normalmente com a palavra "software" na função que carregam, e guardam no mínimo 50 por cento do salário de seis dígitos para poderem abandonar a vida no escritório quando chegarem aos 30 anos.

Embora a rígida austeridade não seja algo novo, o conceito recentemente adquiriu esse nome atraente e uma legião de seguidores nos fóruns do Reddit e em blogs populares de finanças pessoais, como o Mr. Money Mustache (Sr. Bigode de Dinheiro) e o Early Retirement Dude (O Aposentado Precoce), ambos escritos por homens brancos.

Muitos adeptos do movimento se tornam competitivos e postam relatórios de gastos mensais on-line à medida que correm para alcançar a meta FIRE – a quantidade de ativos que, teoricamente, vai gerar renda suficiente por meio de dividendos e juros para sustentá-los pelo resto da vida.

O pilar central do movimento é: com coragem, inteligência financeira e disposição suficientes para comer arroz e feijão, "qualquer um" pode fazer isso. Entretanto, isso simplesmente não é verdade.

"Muitos blogs do FIRE, apesar de bem-intencionados, podem ser cegos ao resto do mundo. Eles têm esses planos para economizar e ficam dizendo: 'Vivemos à base de Soylent [um shake nutritivo] e burritos congelados, e é assim que conseguimos economizar 50 por cento do salário.' Tudo bem, 'mas e todas as outras coisas que a vida às vezes demanda? Cadê o orçamento para cuidar da sogra?'", argumenta Saunders.

Frustrados com a falta de diversidade do universo FIRE, Saunders e o marido, Julien, começaram seu próprio blog de finanças pessoais em 2015, Rich & Regular (Ricos & Normais). Hoje, ela faz parte de um grupo de mulheres em rápido crescimento que está tecendo sua própria comunidade FIRE.

Embora muitas relatem seus progressos na internet, a maioria o faz de forma anônima, pois elas têm receio de arriscar futuros empregos ou perspectivas de salário (ou uma demissão do tipo menos desejado) se divulgarem planos para encurtar a vida útil de sua carreira. Assim como Saunders, elas normalmente são as provedoras principais da família. Mas, diferentemente do arquétipo do FIRE, a maioria não recebe seis dígitos, não trabalha com tecnologia nem quer abrir mão de um bom vinho ocasionalmente.

"Nas discussões do FIRE existe essa lógica de você ter de eliminar tudo que não seja essencial, mas o essencial para um homem branco é muito diferente do essencial para mim", disse Saunders, que planeja atingir sua meta FIRE (que ela calcula usando a regra dos quatro por cento, uma tática popular em que os aposentados não usam mais de quatro por cento do total acumulado por ano) em 2021.

"Cuidar desse cabelo afro e da minha pele tem custo. Você não precisa eliminar esses cuidados para se manter na trajetória FIRE – talvez leve mais tempo, mas não é uma competição", acrescentou.

Se as mulheres do FIRE têm uma matriarca, esta é Tanja Hester, de 39 anos, que se aposentou do trabalho como consultora política aos 38.

Ela escreveu um livro sobre a experiência, "Work Optional" (em tradução livre, Trabalho Opcional) e, em novembro, fundou a Cents Positive, um retiro para as mulheres do movimento FIRE em Denver. A reunião inaugural, a princípio, deveria receber 75 pessoas, mas a demanda foi tão alta que ela esticou para 85. (Algumas dezenas ainda tiveram de amargar a lista de espera.) Ela planeja organizar mais uma este ano, possivelmente duas, e expandir para o Canadá em 2020.

Embora nenhuma dessas mulheres tenha uma solução mágica para poupar, elas costumam ter hábitos similares. Dirigem carros velhos, evitam restaurantes e bares, recusam convites para eventos sociais, cozinham em casa, fazem compras em lojas econômicas (quando fazem) e instituem "semanas sem gastos" (exatamente o que parece ser). Divertem-se em casa ou fazendo atividades gratuitas, como caminhadas.

Elas também são rápidas em apontar o óbvio: um grande salário faz toda a diferença, mesmo quando o trabalho não é o ideal.

Dawn Holley, de 39 anos, autora do blog Stepping Stones to FI (O Caminho das Pedras Até a Independência Financeira), gasta até três horas por dia para ir e voltar do trabalho na Área da Baía de San Francisco, onde atua como técnica em diagnóstico por imagem – pois lá o salário é maior do que perto de sua casa.

Muito diferente da vida de dona de casa que costumava levar antes de ficar viúva, onze anos atrás. "Conheço a sensação de insegurança financeira e nunca mais, nunca, quero estar naquela posição de novo. Uma das minhas motivações para atingir minha meta FIRE é ter mais tempo para ajudar outras mulheres, especialmente mães solteiras, a fazer o mesmo", declarou.

Outras blogueiras do FIRE tiveram de se submeter a sacrifícios ainda maiores. Quando "Ms. FAF", que escreve de forma anônima o blog Frugal Asian Finance (Finanças Asiáticas Austeras), teve o primeiro filho, ela e o marido ainda estavam na faculdade e não conseguiam arcar com as despesas de cuidar de uma criança.

Assim, enviaram o bebê para a casa dos sogros dela, na China, por um ano. Hoje, ela trabalha como analista de pesquisa em uma organização não governamental e tem dois filhos que moram com ela em Washington. "Eu me considero parte do movimento FIRE, mas a aposentadoria precoce não é meu objetivo primordial. Estou mais interessada em ficar livre das preocupações financeiras", relatou.

Nascida no Vietnã, ela precisa enviar dinheiro para os pais e cuidar deles quando envelhecerem. Consequentemente, sua meta FIRE é mais alta do que seria se ela e o marido estivessem economizando apenas para si mesmos. Segundo contou, eles ainda não fecharam uma quantia exata, mas provavelmente serão cerca de dois milhões de dólares (quase oito milhões de reais). Até agora, já juntaram 400.000 dólares (um milhão e meio de reais).

A Ms. FAF não é a única mulher no ambiente FIRE que não planeja parar de trabalhar apenas por ter a possibilidade. Pelo contrário, muitas apenas querem ter a flexibilidade de poder fazer o que quiserem, independentemente do salário.

Para Jess Fickett, editora do Colorado, a aposentadoria ideal é tão cheia de atividades como a vida atual. Ela e Lauren Torres, ambas com 32 anos, escrevem o blog Bitches Get Riches (Meninas, Fiquem Ricas), em que Fickett usa o pseudônimo "Piggy" e Torres, "Kitty". "Não vou ficar sentada o dia inteiro. Quero ser voluntária e começar um negócio", esclareceu Fickett.

A possibilidade de poder fazer o que se quer, complementou, é o verdadeiro propósito da independência financeira.

"Acredito que a essência verdadeira do movimento FIRE seja maximizar estrategicamente o tempo limitado que temos neste planeta para podermos fazer aquilo que realmente faça sentido para nós. Você não precisa ser uma pessoa podre de rica do Vale do Silício para analisar friamente a maneira como gasta dinheiro e garantir que as suas práticas estejam alinhadas com o tipo de vida que deseja viver", concluiu.

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