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Companhias aéreas dificultam a defesa dos direitos dos passageiros

Empresas estão adicionando cláusulas que exigem que os passageiros resolvam disputas em arbitragem privada

Medidas impedem que viajantes iniciem ações coletivas ou ingressem nelas (Chang W. Lee/The New York Times)

Marília Almeida

Publicado em 20 de julho de 2020 às 12h21.

Última atualização em 20 de julho de 2020 às 14h35.

Agora que as viagens aéreas vão voltando ao normal e as reservas de voos começam a aumentar, muita gente começa a notar novos termos legais nas letras miúdas dos contratos ao comprar passagens de avião.

Mais e mais empresas estão adicionando cláusulas que exigem que os passageiros resolvam disputas com a companhia aérea em arbitragem privada, e não em tribunal, e os impedem de iniciar ações coletivas ou de ingressar nelas.

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No início de abril, a American Airlines atualizou seu contrato de transporte, um documento padrão do setor que descreve as responsabilidades legais de um portador de passagens e de uma companhia aérea, com uma renúncia de ação coletiva. A British Airways fez o mesmo no fim de maio, adicionando além disso um acordo de arbitragem vinculante nos termos e nas condições do Executive Club, seu programa de fidelidade, para residentes dos Estados Unidos e do Canadá. A British Airways notificou os membros por e-mail.

"O que a companhia aérea está dizendo é: se você tiver um problema conosco, a única maneira de resolvê-lo é em particular. Esse tipo de acordo geralmente é uma tentativa de evitar que as pessoas tenham uma maneira eficaz de desafiar uma empresa em um caso que possa ser uma violação legal", disse Deborah Hensler, professora da Faculdade de Direito da Universidade Stanford.

Chegada da pandemia

O momento não parece coincidência. Companhias aéreas de todos os tamanhos estão sendo processadas por reter bilhões de dólares de passageiros cujos voos foram cancelados por causa da Covid-19. A American Airlines foi citada em uma ação coletiva em abril; outra semelhante foi movida contra a British Airways no início de maio. Também em abril, ações coletivas separadas, mas semelhantes, foram apresentadas contra as companhias aéreas de baixo custo Frontier Airlines e Spirit Airlines, ambas com cláusulas de "nenhuma ação coletiva" em seus contratos antes que o coronavírus fosse declarado uma pandemia.

Esses processos têm mais de 100 membros e pedem mais de US$ 5 milhões em reivindicações combinadas. Todos alegam que as companhias aéreas estão violando seus próprios contratos de transporte – o que geralmente garante o direito do passageiro a um reembolso em dinheiro quando o voo é cancelado – ou se esquivando de uma política do Departamento de Transportes que exige que as empresas concedam reembolso quando os voos para os, a partir dos ou dentro dos Estados Unidos são cancelados. Ou as duas coisas.

Em um comunicado, um porta-voz da American Airlines declarou que a nova renúncia de ação coletiva visa "garantir que os clientes tenham um caminho para resolver disputas conosco, inclusive entrando com uma ação individual. Continuamos comprometidos a resolver os problemas de cada cliente quando surgem".

A British Airways e a Frontier Airlines se recusaram a comentar seus acordos atualizados. Os e-mails da Spirit Airlines ficaram sem resposta.

"Essa questão surgiu com a pandemia – nunca houve esse tipo de cancelamento em massa de voos antes. Suspeitamos – mas não sabemos ao certo – que as mudanças no acordo do Executive Club foram em resposta ao nosso processo de tentar limitar possíveis reivindicações", disse John Albanese, advogado da empresa Berger Montague, que moveu um processo contra a British Airways junto com a empresa Girard Sharp.

Em setembro passado, Stephen Ide, o principal queixoso no processo da British Airways, pagou cerca de US$ 700 por um voo de ida e volta Boston-Londres, que estava programado para o fim de março. A viagem, que levaria Ide e sua esposa à Escócia, era para comemorar seu 35º aniversário de casamento.

Então a pandemia do coronavírus chegou e os trabalhos de Ide como jornalista freelancer e motorista da Lyft pararam. O voo para Londres foi cancelado; quando ele telefonou para a companhia aérea para solicitar um reembolso, não conseguiu completar as ligações. Por fim, acabou aceitando o único alívio financeiro que encontrou on-line: um voucher.

Ide continuou a ligar para a companhia aérea na esperança de ter seu voucher convertido em um reembolso. Quando finalmente conseguiu falar com um agente, foi-lhe dito que isso não seria possível.

"Não voo muito; minha esposa e eu realmente não temos dinheiro para viajar com frequência. O preço das passagens era bom. Mas, quando cancelaram o voo e tive de pedir reembolso de todos os outros aspectos de nossa viagem, foi frustrante que a British Airways não fizesse isso", afirmou Ide, de 60 anos, que mora em Norton, Massachusetts.

Canais limitados para soluções individuais

Assim como os contratos de telefonia celular, os das companhias aéreas são de adesão – também conhecidos como "pegar ou largar". Os passageiros não podem negociar individualmente os termos ou eliminar determinadas seções antes de comprar uma passagem de avião ou de se inscrever em um programa de pontos.

É extremamente difícil para os indivíduos processar companhias aéreas nos Estados Unidos, mesmo em tribunais de pequenas causas. Ações coletivas, que representam um grande número de pessoas com queixas semelhantes, estão entre as únicas ferramentas disponíveis aos consumidores para obter restituição financeira das companhias aéreas.

"A porta do tribunal não está bloqueada, mas as companhias aéreas estão isentas de leis estaduais e locais, que representam a grande maioria das leis de consumo. Portanto, mesmo que seu problema viole uma regulamentação, isso não lhe dá nenhum alívio individual. Isso significa apenas que a companhia aérea pode ser multada ou advertida", explicou Paul Hudson, presidente da FlyersRights.org, uma organização sem fins lucrativos de defesa do consumidor de companhias aéreas.

As penalidades viriam do Departamento de Federal Transportes, que tem uma Divisão de Proteção ao Consumidor de Aviação para acompanhar queixas oficiais contra companhias aéreas nacionais e estrangeiras. De acordo com um relatório de maio, 45 reclamações relacionadas a reembolsos foram apresentadas contra a British Airways entre janeiro e março; ela foi uma das nove (de cerca de 50) transportadoras internacionais com mais de 40 reclamações. As 163 reclamações da American Airlines fizeram dela a segunda companhia aérea doméstica com maior número de queixas na questão do reembolso (depois das 653 da United Airlines).

Algumas ações coletivas contra companhias aéreas foram bem-sucedidas. Em 2018, a British Airways fez um acordo em uma delas por causa de sobretaxas de combustível, finalmente devolvendo milhões de dólares e Avios – sua moeda de pontos – aos passageiros qualificados.

É muito cedo para dizer se as novas cláusulas da American Airlines e da British Airways, se contestadas, serão mantidas no tribunal e como influenciarão as ações coletivas existentes, que estão nos estágios iniciais de processos que podem durar anos. Mas Albanese afirmou que os tribunais geralmente relutam em aceitar renúncias de ações coletivas e disposições de arbitragem que foram adotadas em resposta a litígios pendentes.

'A fidelidade deveria ser recompensada'

Os passageiros frequentes que usam pontos divulgam uma teoria própria: a British Airways pode estar se preparando para mudar o valor do Avios e para uma retaliação. Programas de fidelidade mudam a cada dois anos, e as companhias aéreas podem fazer ajustes à vontade, incluindo quantos pontos são necessários para comprar uma passagem. A British Airways se recusou a comentar se essas medidas estão em andamento.

Embora a capacidade de ganhar e gastar pontos não seja um direito legal, Alex Miller, o fundador do Upgraded Points, um site de viagens, disse que os passageiros frequentes estão de olho no comportamento das companhias aéreas durante a pandemia.

"O e-mail foi mandado e é essencialmente uma perda de 100 por cento para o consumidor – isso coloca mais poder em suas mãos. Esses deveriam ser programas de fidelidade, e a fidelidade deveria ser recompensada", observou Miller a respeito do aviso enviado pela British Airways.

Ainda não se sabe se os novos termos vão afetar a decisão (ou não) de reservar um voo. Miller acredita que preços, rotas e horários continuarão a ser os aspectos mais importantes.

E como a British Airways anunciou suas cláusulas de ação coletiva e arbitragem cerca de duas semanas antes de anunciar a mudança que os membros do programa de fidelidade estavam realmente esperando – uma extensão do status de elite –, a notícia incomodou até mesmo os clientes mais fiéis.

Samir Kumar, de 42 anos, membro do Executive Club Gold, que mora em Menlo Park, na Califórnia, disse: "A Alaska Airlines e a Hyatt estenderam meu status de elite até 2022. A British Airways não disse uma palavra sobre o que faria, e então o primeiro e-mail que recebemos é sobre ação coletiva e arbitragem vinculante. É muito insensível, se você quer saber."

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