Cartão de crédito consignado cobra metade dos juros
Modalidade inovadora de plástico inclui taxas que variam de 3% a 5% ao mês; no cartão tradicional, os juros médios superam 10%
Da Redação
Publicado em 23 de fevereiro de 2011 às 06h00.
São Paulo - Martelada aos quatros ventos, a percepção de que os cartões de crédito cobram os juros mais altos do mercado parece incontestável. Afinal, não há como negar que quem opta pelo parcelamento da fatura e entra no famoso crédito rotativo arca com taxas que penalizam o bolso. Os juros médios são de 10,69% ao mês, ou 238,3% ao ano. Há, entretanto, uma modalidade que alia a praticidade do plástico com percentuais bem mais amigáveis. São os cartões de crédito consignado. Majoritariamente ofertados por meio de convênios com o setor público, eles descontam o pagamento mínimo diretamente no salário dos usuários.
Na prática, o consumidor nunca fica inadimplente. Como o risco de não receber pelo crédito é nulo, as administradoras cobram menos daqueles que não quitam a fatura na íntegra. Esta taxa varia de 3% a 5% nos consignados - ou menos da metade da média dos cartões comuns. Quem liquida todas as pendências, por outro lado, não amarga qualquer acréscimo sobre a dívida, como já acontece com os cartões tradicionais.
Fábio Belisário, diretor executivo do BMG, aponta que o benefício evita que o consumidor se perca na bola de neve alimentada pelas temidas taxas do rotativo. "Como os juros são mais baixos, é possível liquidar parte da dívida apenas com o pagamento do mínimo. Se fizer isso com os demais cartões, o consumidor acabará quitando sempre os juros da administradora, e nunca o principal da conta", diz. Ser mais barato é de longe o maior apelo do produto. E o BMG pretende aproveitar-se dele para dobrar sua base de mais de um milhãos de cartões emitidos.
A favor da meta, pesam os demais atrativos do produto. Os cartões consignados não cobram anuidade, não exigem que o cliente seja correntista e tampouco dependem de análises cadastrais que atestem o bom nome na praça. "No norte ou nordeste, onde 75% das pessoas que recebem pensão não têm conta corrente, ter acesso ao cartão garante a possibilidade de entrar em um supermercado e dividir a conta em três ou quatro vezes", afirma Luiz Octavio da Costa, diretor superintendente do banco Cruzeiro do Sul, outro a integrar o enxuto time dos que ofertam o plástico no mercado.
Se o prazo entre a data da compra e o recebimento da fatura orbita em torno de 35 dias nos cartões convencionais, nos consignados essa janela se estende por até 50 dias. Isso acontece porque as administradoras têm que lançar os valores para desconto em folha de pagamento. Como a tarefa demanda um tempo extra, as compras feitas perto do vencimento da conta são jogadas para o mês seguinte.
As vantagens são patentes, mas o acesso ao produto não é para qualquer um. "O consignado pressupõe uma estabilidade no emprego que é garantida no serviço público. Em uma empresa privada a rotatividade é maior e, por isso, crescem também os juros", afirma Frederico Penido, diretor do banco Bonsucesso. A instituição oferece o cartão para trabalhadores da iniciativa privada. Mas a maioria absoluta dos contratos são fechados no setor público. Até agora, já foram firmados convênios em estados como Rio de Janeiro e Bahia, além de prefeituras como Goiânia, Belo Horizonte e Belém.
O BMG estuda o mercado privado para avaliar uma entrada mais agressiva neste segmento a partir do segundo semestre. Hoje, apenas 2% dos cartões emitidos pelo banco são voltados para as empresas. O restante fica com os servidores públicos e pensionistas do INSS.
Além disso, poucas são as instituições que oferecem o cartão consignado no seu portfólio de serviços. "Você tem que se ajustar muito à realidade do órgão nessa linha de crédito e os bancos pequenos e médios têm mais flexibilidade nessa adaptação", afirma Penido, do Bonsucesso. Ele completa que o cartão exige a montagem de uma plataforma operacional específica, que demora de dois a três anos para finalmente dar lucro. "Nós já passamos desta fase, então o nosso grande desafio é ganhar escala”, completa.
Para o consumidor, portanto, não basta querer colocar o cartão de crédito consignado na carteira. É preciso ter vínculo com algum órgão que tenha firmado convênio com uma instituição financeira. Se este for o caso, é sim um bom negócio trocar os juros exorbitantes de um cartão comum por um plástico mais econômico. Para o professor de economia da Fipecafi Sílvio Paixão, contudo, esse atrativo nunca deve ser encarado como um incentivo ao consumo.
“Qualquer endividamento deve estar por trás de um problema de curto prazo. Encher a sacola e fazer o pagamento mínimo não deixa de ser uma bomba relógio, especialmente no caso dos aposentados”, argumenta. Para ele, esse indivíduo terá mais dificuldades em ampliar ou gerar renda e, por isso, pode se atolar em uma espiral de dívidas.
Com o apelo de juros menores, o consumidor também pode se sentir menos pressionado a pagar a conta na íntegra. No banco Cruzeiro do Sul, onde o cartão consignado foi lançado em 2005, apenas 28% dos clientes adotam esta prática. Segundo os últimos dados da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), colhidos em outubro do ano passado, o percentual de pessoas que pagam toda a conta no mercado de cartões como um todo é mais de duas vezes maior, batendo em 67%
O professor Silvio Paixão lembra que liquidar a fatura mensalmente é a regra número um de quem usa o cartão de crédito. Do contrário, o instrumento não é aconselhado para ninguém. “Ao invés de matar o indivíduo com tiro de canhão, que seriam os juros do cartão normal, o cartão consignado o mataria com tiro de bazuca. Pode ser que ele venha a sobreviver, mas ainda assim haverá danos, especialmente se continuar usando o cartão”, emenda.