"Bolsa não é para pessoas físicas", diz especialista
Pequenos investidores teriam poucas chances de ganhar dinheiro com ações devido à composição do índice Bovespa
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2013 às 10h03.
São Paulo – O que segue abaixo é o depoimento de um especialista em finanças que já serviu de fonte de informação para centenas de reportagens sobre a bolsa. Sob a condição de não ter seu nome publicado, ele fez uma análise bastante sincera sobre a chance de as pessoas físicas ganharem dinheiro no mercado acionário e os motivos para a fuga de 38.000 investidores da bolsa nos últimos 12 meses - tema da reportagem de capa da edição de EXAME que está nas bancas. Seguem abaixo os principais trechos da conversa:
“A bolsa não é para pessoas físicas. A maioria dos pequenos investidores não tem tempo nem conhecimentos técnicos para selecionar as melhores ações e montar uma carteira vencedora com o gerenciamento de risco adequado. Quem não acompanha o mercado acaba fazendo um investimento passivo em ações, colocando dinheiro em um fundo que segue um índice como o Ibovespa. Isso não seria nenhum problema se a bolsa não permitisse que tantas empresas com problemas de governança fizessem parte do principal termômetro do pregão paulista.
Pegue o caso da Petrobras, que responde por 13% do índice. A empresa fez a capitalização no ano passado, em uma operação que foi bastante interessante para o governo, mas gerou prejuízo para os acionistas minoritários. O mercado ainda não esqueceu a forma como o controlador da empresa conduziu todo o processo, principalmente em relação ao preço estabelecido para a compra dos direitos de explorar 5 bilhões de barris de petróleo no pré-sal.
O problema é que em cinco anos o governo terá o direito de rever o valor já pago pela estatal, dependendo do resultado que a Petrobras tiver na exploração desses barris. É lógico que os resultados podem ser muito bons, mas outro dia eu conversei com i gestor de um fundo de investimentos e adivinhe qual é seu maior temor em relação à empresa? Que o governo se aproveite para novamente drenar os recursos da Petrobras. É isso que hoje afasta investidores de todo o mundo das ações da estatal.
Outro exemplo é o das companhias do bilionário Eike Batista, que hoje têm um peso somado de 8% do Ibovespa. A MMX, a LLX e a OGX são pré-operacionais e ainda não geram receitas relevantes [nota de EXAME.com: na verdade, a MMX já é operacional, mas ainda deve fazer pesados investimentos pela frente]. Não sei avaliar se essas companhias vão ser bem-sucedidas ou não. O problema é que, quando uma empresa entra no Ibovespa, muitos fundos de pensão e outros vão ter de colocar essas ações na carteira porque, por estatuto, seguem o indicador. Não acho que pessoas que estão poupando para se aposentar deveriam necessariamente correr esse risco.
Os problemas de governança das empresas do índice vão além. Temos também a Hypermarcas. Em poucos meses, as ações da empresa despencaram de 29 para 9 reais. Quando estavam no pico, muitos analistas recomendavam a compra dos papéis com a justificativa de que a empresa estava colocando em prática uma estratégia bem-sucedida de aquisições. Hoje em dia, fica claro que ninguém sabia exatamente o que essa empresa comprou.
A decisão da BM&FBovespa de privilegiar a liquidez na hora de decidir quais papéis farão ou não parte do principal índice de ações brasileiro também permitiu que a Brasil Ecodiesel entrasse no Ibovespa. Essa companhia chegou ao mercado com a promessa de se tornar líder em biodiesel no Brasil. Poucos anos depois, a empresa mudou de nome para Vanguarda e nem produz mais combustíveis renováveis. Virou uma empresa de agronegócio. O investidor que comprou o papel na oferta pública por 12 reais hoje tem uma ação que vale centavos.
Temos ainda as empresas do grupo Oi, que está no meio de um processo de reestruturação societária bastante criticado pelos minoritários.
Não vejo problemas de governança em Vale e nas siderúrgicas, mas as expectativas do mercado para essas empresas, que respondem por 21% do Ibovespa, não são muito boas. Os investidores acreditam que o preço do minério de ferro deverá recuar nos próximos anos. Então não tem como o Ibovespa se valorizar muito num cenário como esse.
O que sobra então dentro do índice? As ações dos grandes bancos e algumas outras exceções. Não sei se somente esses papéis conseguiriam levar o índice como um todo para cima num cenário como o atual.
Eu acho que a BM&FBovespa deveria fixar critérios que fossem bem além da liquidez ao avaliar a composição da carteira do Ibovespa. Deveria ser algo parecido com o índice Dow Jones, em que as empresas da carteira são escolhidas a dedo. Ou então um índice mais amplo, como o S&P 500, que engloba as 500 maiores empresas com ações negociadas em Nova York.
Pessoalmente eu acredito que há empresas baratas na bolsa e que comprar ações aos pouquinhos em momentos de fortes quedas pode ser bastante lucrativo. Da mesma forma que a bolsa está em uma maré de baixa hoje, certamente virão tempos melhores em um algum momento no futuro. O problema é que, do jeito que as coisas estão hoje, não sei se as pessoas físicas conseguirão pôr em prática uma estratégia que lhes permitirá colher lucros quando a recuperação vier.”
São Paulo – O que segue abaixo é o depoimento de um especialista em finanças que já serviu de fonte de informação para centenas de reportagens sobre a bolsa. Sob a condição de não ter seu nome publicado, ele fez uma análise bastante sincera sobre a chance de as pessoas físicas ganharem dinheiro no mercado acionário e os motivos para a fuga de 38.000 investidores da bolsa nos últimos 12 meses - tema da reportagem de capa da edição de EXAME que está nas bancas. Seguem abaixo os principais trechos da conversa:
“A bolsa não é para pessoas físicas. A maioria dos pequenos investidores não tem tempo nem conhecimentos técnicos para selecionar as melhores ações e montar uma carteira vencedora com o gerenciamento de risco adequado. Quem não acompanha o mercado acaba fazendo um investimento passivo em ações, colocando dinheiro em um fundo que segue um índice como o Ibovespa. Isso não seria nenhum problema se a bolsa não permitisse que tantas empresas com problemas de governança fizessem parte do principal termômetro do pregão paulista.
Pegue o caso da Petrobras, que responde por 13% do índice. A empresa fez a capitalização no ano passado, em uma operação que foi bastante interessante para o governo, mas gerou prejuízo para os acionistas minoritários. O mercado ainda não esqueceu a forma como o controlador da empresa conduziu todo o processo, principalmente em relação ao preço estabelecido para a compra dos direitos de explorar 5 bilhões de barris de petróleo no pré-sal.
O problema é que em cinco anos o governo terá o direito de rever o valor já pago pela estatal, dependendo do resultado que a Petrobras tiver na exploração desses barris. É lógico que os resultados podem ser muito bons, mas outro dia eu conversei com i gestor de um fundo de investimentos e adivinhe qual é seu maior temor em relação à empresa? Que o governo se aproveite para novamente drenar os recursos da Petrobras. É isso que hoje afasta investidores de todo o mundo das ações da estatal.
Outro exemplo é o das companhias do bilionário Eike Batista, que hoje têm um peso somado de 8% do Ibovespa. A MMX, a LLX e a OGX são pré-operacionais e ainda não geram receitas relevantes [nota de EXAME.com: na verdade, a MMX já é operacional, mas ainda deve fazer pesados investimentos pela frente]. Não sei avaliar se essas companhias vão ser bem-sucedidas ou não. O problema é que, quando uma empresa entra no Ibovespa, muitos fundos de pensão e outros vão ter de colocar essas ações na carteira porque, por estatuto, seguem o indicador. Não acho que pessoas que estão poupando para se aposentar deveriam necessariamente correr esse risco.
Os problemas de governança das empresas do índice vão além. Temos também a Hypermarcas. Em poucos meses, as ações da empresa despencaram de 29 para 9 reais. Quando estavam no pico, muitos analistas recomendavam a compra dos papéis com a justificativa de que a empresa estava colocando em prática uma estratégia bem-sucedida de aquisições. Hoje em dia, fica claro que ninguém sabia exatamente o que essa empresa comprou.
A decisão da BM&FBovespa de privilegiar a liquidez na hora de decidir quais papéis farão ou não parte do principal índice de ações brasileiro também permitiu que a Brasil Ecodiesel entrasse no Ibovespa. Essa companhia chegou ao mercado com a promessa de se tornar líder em biodiesel no Brasil. Poucos anos depois, a empresa mudou de nome para Vanguarda e nem produz mais combustíveis renováveis. Virou uma empresa de agronegócio. O investidor que comprou o papel na oferta pública por 12 reais hoje tem uma ação que vale centavos.
Temos ainda as empresas do grupo Oi, que está no meio de um processo de reestruturação societária bastante criticado pelos minoritários.
Não vejo problemas de governança em Vale e nas siderúrgicas, mas as expectativas do mercado para essas empresas, que respondem por 21% do Ibovespa, não são muito boas. Os investidores acreditam que o preço do minério de ferro deverá recuar nos próximos anos. Então não tem como o Ibovespa se valorizar muito num cenário como esse.
O que sobra então dentro do índice? As ações dos grandes bancos e algumas outras exceções. Não sei se somente esses papéis conseguiriam levar o índice como um todo para cima num cenário como o atual.
Eu acho que a BM&FBovespa deveria fixar critérios que fossem bem além da liquidez ao avaliar a composição da carteira do Ibovespa. Deveria ser algo parecido com o índice Dow Jones, em que as empresas da carteira são escolhidas a dedo. Ou então um índice mais amplo, como o S&P 500, que engloba as 500 maiores empresas com ações negociadas em Nova York.
Pessoalmente eu acredito que há empresas baratas na bolsa e que comprar ações aos pouquinhos em momentos de fortes quedas pode ser bastante lucrativo. Da mesma forma que a bolsa está em uma maré de baixa hoje, certamente virão tempos melhores em um algum momento no futuro. O problema é que, do jeito que as coisas estão hoje, não sei se as pessoas físicas conseguirão pôr em prática uma estratégia que lhes permitirá colher lucros quando a recuperação vier.”