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"Ajuste nas bolsas será saudável para a economia mundial"

Para Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências, atual turbulência no mercado financeiro é fruto da imprudência de alguns bancos, mas deve passar logo

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Não há motivos para pânico no mercado financeiro, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências. Em entrevista ao Portal EXAME, Maílson da Nóbrega explica por que acredita que a atual turbulência nas bolsas de todo o mundo é passageira e não deve gerar grandes perdas para o Brasil.

Estamos vivendo o princípio de uma forte crise no mercado financeiro mundial?

Não, creio que seja apenas uma turbulência passageira, que deve durar duas ou três semanas, até que se ajustem as posições e se efetivem as perdas. Tudo isso será saudável para a economia mundial, porque essa crise teve origem em excessos cometidos por instituições financeiras. Não é a primeira vez que isso acontece. Em situações em que há liquidez muito alta e os ganhos se acumulam, forma-se um ambiente propício para ações imprudentes do mercado. Só que há um limite e é aí que começa a correção.

Quer dizer que essa crise no mercado de crédito hipotecário nos Estados Unidos é fruto da imprudência dos bancos?

O sistema bancário como um todo não. Tudo indica que o sistema financeiro mundial é muito sólido. Houve imprudência de algumas instituições, como o Bear Sterns e o BNP Paribas. Seus administradores assumiram riscos excessivos, na expectativa de ganhos muito rápidos e elevados. Isso sempre tem um preço, e esse preço é o da perda tanto para as instituições quanto para quem nelas investiu.

Mas grandes bancos como o Bear Sterns e o BNP Paribas devem ter vislumbrado boas oportunidades no segmento subprime para efetivar esses investimentos. Onde foi que eles erraram?

Na maioria dos casos havia um pressuposto que era totalmente equivocado de que o preço dos imóveis continuaria subindo. Então, mesmo pessoas sem renda poderiam tomar o empréstimo porque, lá na frente, com a valorização do imóvel, elas venderiam esse imóvel, pagariam o empréstimo e tudo recomeçaria. Mas isso não aconteceu. Conclusão: os investidores começaram a querer resgatar seus investimentos. Porém, muitos desses fundos colocaram em seus contratos uma cláusula de bloqueio, que impede os investidores de resgatar os recursos antes de um determinado prazo. Há também uma cláusula que estabelece que, em certas situações, o fundo pode se recusar a resgatar os recursos. E é isso o que está acontecendo agora. O risco disso tudo é que se crie uma situação de pânico. Por isso os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa estão fornecendo recursos para as instituições financeiras. E me parece bastante razoável que, nesse momento, os fundos se recusem a resgatar os investimentos. Eles estão defendendo também os interesses dos cotistas.

Já teve início essa situação de pânico?

Não. Há pânicos localizados, dos investidores que aplicaram em papéis de alto risco e começaram a ver seu dinheiro virar pó. Nesse momento, há uma tendência de correr para limitar as perdas. Os próprios fundos que alavancaram excessivamente suas operações definiram um momento de vender os ativos para reduzir as perdas. Isso gera um processo de venda maciça, que produz queda dos ativos. Mas a lógica diz que isso tende a ser passageiro, porque os fundamentos da economia mundial continuam sólidos. A economia americana está crescendo, ainda que existam pressões inflacionárias localizadas; a Ásia, e não apenas a China, tem apresentado crescimento robusto; a Europa - em particular a Alemanha, Espanha e Reino Unido - também está crescendo. Além disso, não há na América Latina qualquer sinal de que a região possa passar por uma crise semelhante às que se verificou no passado. Todos esses países que participam desse sistema globalizado, com exceção da China, têm câmbio flutuante, que por si só já é um sistema de ajuste. Portanto, não há chances de acontecer hoje o que aconteceu anos atrás, quando houve a crise da Ásia. Nunca antes na história estivemos tão preparados para enfrentar uma turbulência.

Isso quer dizer que o Brasil está praticamente imune a uma crise?

Se a crise se materializar, o Brasil vai sofrer, todos vão sofrer, inclusive os países ricos. No passado, crises desse tipo provocavam interrupção do crescimento do país ou uma depressão profunda, com repercussões graves na renda, no emprego e na atividade econômica. Crises como as que atingiram o Brasil nos anos 80, o México em 1994, a Ásia em 1997, a Rússia em 1998, além da crise cambial brasileira em 1999, da crise do 11 de setembro e o calote argentino em 2001, tiveram grave efeito na economia brasileira, levando a alta na taxa de juros, forte desvalorização da moeda após 1999. Mas tudo indica que estamos longe de ver esse filme novamente. O Brasil tem hoje um nível de reservas internacionais que é maior que sua dívida externa de médio e longo prazo. A dívida interna está em processo de declínio, em relação ao PIB, com a vantagem de não existir mais dívida cambial interna. No passado, essas crises, ao produzir fortes desvalorizações cambiais, também ampliavam rapidamente a dívida interna.

Mas em caso de uma forte crise no sistema financeiro mundial, não há o risco de que isso impacte a atividade econômica?

No Brasil, não. Nos Estados Unidos isso vai acontecer no setor de construção civil. A oferta de crédito para a construção civil vai diminuir, e isso significa redução da construção de novas residências. Aqui no Brasil não existe operação subprime. O crédito imobiliário ainda está na infância, e é muito associado à caderneta de poupança, com regras claras e rígidas. Além disso, todo o crédito do país representa 32% do Produto Interno Bruto (PIB), ante cerca de 100% ou mais nos países ricos que estão sofrendo esse impacto. O crédito imobiliário no Brasil gira em torno de 3% do PIB, enquanto nos Estados Unidos equivale a 80% do PIB. Mas dizer que essa crise não terá qualquer efeito no Brasil já é um pouco de exagero.

E quais seriam as conseqüências para o Brasil?

Algumas empresas que estão se preparando para abrir capital, por exemplo, vão ter de esperar. Não é o momento de fazer IPOs (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações). Muitas operações de private equity, que iam ser financiadas no mercado americano e europeu, vão dar uma pausa. Vai ficar difícil, por exemplo, concluir a operação de venda do ABN. Ninguém sabe ao certo qual é a extensão desse terremoto do subprime no sistema financeiro. Provavelmente, ainda há muita coisa escondida.

Esse volume tão alto de recursos que os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa estão liberando para o sistema financeiro pode indicar que o problema é bem maior do que se imagina?

Essa ação dos bancos centrais é um bom sinal. Mostra que eles estão preparados para evitar que um pânico produza um dano desnecessário no sistema financeiro. E é essa a mensagem que os gestores devem estar repassando para os investidores. Quem correr para tirar o dinheiro agora vai perder muito mais.

E o qual a lição que fica dessa situação?

Essa crise provavelmente vai gerar uma nova rodada de avanços na regulação dos fundos, para inibir essas ações imprudentes dos hedge funds.

Podemos esperar uma retomada da Bolsa nas próximas semanas?

Sim. A Bolsa deve terminar o ano entre 60.000 e 65.000 pontos. Isso só não deve acontecer se houver um pânico generalizado. O Brasil ainda é o mercado emergente mais barato na relação preço/lucro. Uma análise fria mostra que o Brasil tem uma economia estável, apesar de ter um governo muito incompetente. A América Latina é uma região muito promissora, com mercados em expansão, e o investidor já está aprendendo a distinguir os países populistas (Venezela, Equador, Nicaragua, Argentina) daqueles que contam com estabilidade política e bancos centrais racionais, como Brasil, México, Chile, Colômbia, Panamá, Costa Rica e República Dominicana. O Brasil é hoje o país com maiores alternativas para investimento, e o único no qual é possível formar uma carteira de ações investment grade, apesar de ainda não deter esse título. Quando essa nuvem se dissipar, desde que ela não se transforme num dilúvio, voltaremos a ter perspectivas positivas.

O que poderia causar esse pânico generalizado?

Não há uma razão para o pânico. Ele pode ser causado por qualquer coisa, basta surgir uma irracionalidade coletiva, em que todos corram para resgatar seus investimentos. Normalmente, ocorre a partir de um evento absolutamente imprevisível.

Passando a crise, é de se esperar que todos os investimentos estrangeiros que fugiram da Bolsa nas últimas semanas voltem com força ainda maior?

Com certeza, não tenho nenhuma dúvida disso. O Brasil tem tudo para se tornar o maior receptor de recursos estrangeiros nos próximos anos. Principalmente depois de 2010, porque vai se formar a expectativa de que o Brasil terá ganhos enormes para realizar em sua economia, que terá 16 anos de estabilidade, com câmbio flutuante, superávit primário e cumprimento de meta de inflação. E será pouco provável que elejamos um aventureiro em 2010.

Quem o senhor acredita que teria potencial para ganhar as próximas eleições presidenciais?

Alguém que tenha alguma experiência administrativa e penetração na opinião pública. Imagino que o próximo presidente da República será um governador de estado, como José Serra, Aécio Neves ou Sérgio Cabral. Com qualquer um deles, o ganho de gestão será gigantesco.

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