Petróleo: leilão gera riscos para Fernando de Noronha, diz investidor
Para Fábio Alperovitch, da Fama, e Suely Araújo, do Observatório do Clima, leilão da ANP tem lacunas de informação geológica em área de grande biodiversidade
Rodrigo Caetano
Publicado em 29 de março de 2021 às 06h28.
Última atualização em 13 de abril de 2021 às 17h16.
No leilão da 17ª rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP) previsto para outubro deste ano, o governo ofertará 92 blocos para exploração de petróleo e gás nas bacias marítimas de Campos, Pelotas, Santos e Potiguar.
Queremos olhar especificamente para a bacia Potiguar, localizada na costa entre os estados do Ceará e Rio Grande do Norte, considerada nova fronteira para a extração dos hidrocarbonetos no Brasil.
Embora ainda não haja estudos que confirmem a disponibilidade do combustível fóssil no subsolo marinho da região, a ANP fala em evidências “por analogia”, considerando que o Rio Grande do Norte é produtor de petróleo, uma aposta que pode confirmar-se – ou não.
É pagar para ver.
As lacunas de informação geológica são apenas um dos riscos quando se trata de direcionar investimentos para regiões com externalidades ambientais que trazem altíssimo risco socioambiental, jurídico e de reputação para as empresas, como é o caso da bacia Potiguar.
Estamos falando de uma região de altíssima biodiversidade no Atlântico Sul, com centenas de espécies de alto valor comercial, muitas delas na beira da extinção.
Pois nesta região estão sendo oferecidas 14 áreas na zona de influência do arquipélago de Fernando de Noronha – um território protegido por lei com uma Área de Proteção Ambiental e um Parque Nacional Marinho, conhecido pelas paisagens estonteantes – e do Atol das Rocas, que abriga uma Reserva Biológica, um berçário de espécies que geram divisas à indústria pesqueira e às comunidades tradicionais do litoral.
Alertas
Os cientistas que estudam há anos as águas profundas daquela região alertam que alguns dos blocos oferecidos no certame da 17ª Rodada coincidem com, pelo menos, cinco formações recifais. Estas fazem parte de uma complexa cadeia de montanhas oceânicas submersas que afloram em determinados pontos, totalmente conectada à ilha de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas.
Um dos blocos, o de número 770, situa-se exatamente sobre o banco Sirius, uma montanha submersa com mais de dois mil metros de altura, circundada por distintas e muitas vezes desconhecidas formas de vida marinha.
Fato é que há pouca informação quanto às condições de exploração nessas áreas ou um quadro mais objetivo das potenciais externalidades negativas, para além dos riscos de danos a esses paraísos em alto mar.
Óleo no mar
Vamos imaginar o caso de acidente envolvendo petróleo na região. Ainda está viva na memória a tragédia que foi o derrame de óleo clandestino que emporcalhou as praias do Norte e Nordeste do país em 2019.
Mais trágica ainda foi a resposta do governo federal, que além de chegar tarde, não foi capaz de acionar o Plano Nacional de Contingência e mecanismos capazes de conter minimamente os danos que afetaram o ambiente, a economia e a vida das pessoas que dependem diretamente do mar. Não fosse a bravura de organizações da sociedade civil, pesquisadores e cidadãos comuns, o estrago teria sido ainda maior.
Após deixar um rastro tóxico por milhares de quilômetros, o óleo atingiu mangues e corais contaminando o meio ambiente por décadas, segundo os pesquisadores.
Não custa lembrar que, há pouco mais de uma década, a explosão da plataforma da britânica British Petroleum (BP) no Golfo do México provocou o vazamento de 750 milhões de litros de petróleo no mar. A mancha espalhou-se por 1,7 mil quilômetros de praias. O vazamento ficou conhecido como o maior desastre ambiental dos Estados Unidos e mudou a escala de acidentes na indústria de petróleo.
Outro risco a ser levado em conta é de ordem jurídica, pois a atividade petroleira em lugares ambientalmente sensíveis enfrentará uma série de processos e ações na crescente onda de litigância climática e ambiental.
Os blocos leiloados pela ANP na Foz do rio Amazonas, no Amapá, seguem envoltos em turbulentas águas no licenciamento ambiental pelo Ibama. A Total teve a licença negada pela autarquia no final de 2018, e não conseguiu reverter essa situação.
Assim como nas duas recentes – e frustradas – tentativas de abrir às petroleiras blocos próximos a Abrolhos, na Bahia, em 2019 e 2020, no caso do leilão de 2021, a ANP novamente desconsiderou parecer do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), contrário à liberação das áreas marinhas.
O parecer destaca que, devido à propagação por longas distâncias de ondas sísmicas, o deslocamento de algumas espécies marinhas, a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo e a história de invasão de espécies exóticas associadas às atividades de exploração de petróleo e gás, “torna-se temerária a inclusão dos blocos exploratórios da bacia Potiguar devido a sua proximidade à Reserva Biológica do Atol das Rocas e ao Parque Nacional Fernando de Noronha”.
Ainda segundo a nota, tanto as atividades exploratórias quanto um eventual acidente podem trazer danos irreparáveis à diversidade biológica desses ecossistemas.
O mercado sabe muito bem que o negócio é arriscado. E pode ser um fiasco, sobretudo em um ambiente político instável, com o governo derretendo empresas estatais de grande porte – incluindo a Petrobrás.
E não será por falta de aviso que o setor entrará em um negócio eivado de evidências dos riscos, sobretudo reputacionais.
Graças ao consumo de petróleo, o mundo encontra-se diante de uma das mais severas crises globais. E o aquecimento do Planeta se agrava a cada novo bloco de petróleo perfurado, ou antes, a cada vez que uma empresa decide comprar uma área para exploração – seja no Ártico ou no Atlântico.
E o custo desta aventura continuará a cair no colo das empresas do setor.
O mundo dos investimentos está em rápida transição. Há apenas alguns anos, questões ambientais, análises geológicas, emissões de carbono e outros fatores desta ordem sequer faziam parte das considerações dos investidores.
Empresas ambientalmente irresponsáveis já não passam pelos filtros de exclusão de investidores que orientam-se pela cartilha ESG (Ambiental, Social e Governança, em tradução livre). Este conceito fala dos pilares básicos da sustentabilidade e sintetiza critérios de conduta das empresas em áreas que investidores e consumidores agora passaram a levar em consideração na hora de decidir.
Contudo, é importante lembrar que estes parâmetros não são estanques. Qual o tamanho da indústria ESG daqui a uma década? Ou o que será considerado ambientalmente responsável daqui para frente? São questões que os interessados nas próximas rodadas da ANP têm a obrigação de refletir.
_________________________________-
* Fábio Alperovitch, CFA é sócio-fundador da FAMA Investimentos
Suely Araújo, doutora em ciência política, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, ex-Presidente do Ibama (2016-2018)