Wall Street começa a desconfiar de Trump, o "pesadelo neoliberal"
Mercado não sabe se prefere quando Trump é coerente ou quando é contraditório, mas já está vendo que não pode projetar apenas vantagens
João Pedro Caleiro
Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 07h00.
Última atualização em 9 de fevereiro de 2017 às 07h00.
São Paulo - O governo de Donald Trump será bom para o mercado de ações e a economia americana? O comportamento de Wall Street desde a eleição parecia dizer que sim.
Mas o balanço de riscos passou a pender para o negativo, de acordo com um relatório lançado na semana passada pelo Goldman Sachs.
A parte da agenda Trump que Wall Street gosta - estímulo fiscal com cortes de impostos e programa de infraestrutura - parece ter ficado no mínimo para 2018, e isso se for aprovada.
As divergências sobre como substituir o Obamacare, reforma do sistema de saúde, mostram que a maioria republicana no Congresso e no Senado não significa consensos automáticos. Além disso, não é grande o suficiente para evitar todos os bloqueios democratas.
No começo da semana, o vice-presidente Mike Pence teve que dar um inédito voto de Minerva, sua prerrogativa constitucional, para desempatar a confirmação da Secretária de Educação.
Além disso, parte dos republicanos é contra tudo que implique em aumento do déficit, e as propostas para criar mais receita (como um imposto para importação) são polêmicas e aumentariam custos para consumidores.
O impacto econômico do viés anti-imigração também vai muito além das polêmicas do muro com o México ou do banimento dos cidadãos de alguns países muçulmanos.
"Restrições à imigração podem levar a um mercado de trabalho muito apertado e uma desaceleração na demanda final, e restrições ao comércio colocam riscos aos lucros corporativos e eventualmente ao crescimento se os parceiros comerciais retaliarem", diz o Goldman.
Um relatório do Deutsche Bank da semana passada aponta como provável que em breve a administração Trump decrete oficialmente que a China desvaloriza sua moeda para ganhar vantagem competitiva.
Nos últimos dias, o presidente fez a mesma acusação ao Japão enquanto seu principal conselheiro comercial, Peter Navarro, disse ao Financial Times algo similar sobre a Alemanha.
O risco é que esse discurso seja uma forma de preparar o terreno para novas tarifas comerciais, algo que o presidente tem muita autonomia para fazer.
A China sinaliza que iria responder da mesma forma e o resultado pode ser uma nova onda de protecionismo ao redor do mundo.
Nem todo mundo está assustado, como mostra uma nota do banco francês Société Générale assinada pelo economista Albert Edwards e publicada na semana passada:
"A administração Donald pode ser um pesadelo neoliberal, mas tirando parte da sua retórica mais controversa em relação à imigração, muito do que ele diz faz sentido total pra mim", diz ele.
A visão positiva está centrada no tema regulação, preocupação número um dos pequenos negócios americanos.
Os EUA vem caindo de forma consistente em vários itens do ranking de facilidade de fazer negócios do Banco Mundial; hoje, é mais fácil abrir uma empresa na França que nos EUA.
Trump assinou há alguns dias um decreto exigindo que duas regulações sejam eliminadas para cada nova regulação criada.
Ele também já mostrou que pretende diluir a Lei Dodd-Frank, que reformou o sistema financeiro depois da crise de 2008. Seria um presente para Wall Street, mas que não deve sair do papel tão cedo (e sem brigas).
Curiosidade: Trump passou a campanha acusando rivais de ligação com o Goldman Sachs, mas quando foi eleito encheu sua administração com ex-funcionários do banco.
Hoje, o mercado não sabe se prefere quando Trump é coerente ou quando é contraditório - mas já está vendo que não pode projetar apenas vantagens com ele.