Economia

Como a meta explica o Brasil, segundo três economistas

O que está por trás desta revisão? Os economistas Celso Toledo, Monica de Bolle e Sergio Vale explicam

SERGIO VALE, MONICA DE BOLLE, CELSO TOLEDO: a revisão da meta reafirma a histórica falta de compromisso com o corte de gastos  /

SERGIO VALE, MONICA DE BOLLE, CELSO TOLEDO: a revisão da meta reafirma a histórica falta de compromisso com o corte de gastos /

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Letícia Toledo

Publicado em 15 de agosto de 2017 às 20h04.

Última atualização em 15 de agosto de 2017 às 20h35.

Depois de uma novela que se estendeu por quase um mês o governo finalmente anunciou a esperada revisão da meta fiscal para este e para o próximo ano, nesta terça-feira. Para 2017, a meta foi revista de um déficit de 139 bilhões de reais para um déficit de 159 bilhões de reais. Para 2018, o déficit aumentou de 129 bilhões de reais também para 159 bilhões de reais.

O anúncio criou uma situação inusitada. Nesta terça-feira, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou um projeto que torna crime de responsabilidade mudar a meta no segundo semestre – justamente o que o governo fará. O texto ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Senado e pela Câmara e não teria validade para as mudanças a ser anunciadas.

Mesmo à espera do anúncio da revisão da meta, o mercado financeiro permaneceu calmo e o Ibovespa teve alta de 0,1% nesta terça-feira. No mês o índice subiu 3,6%. A revisão da meta, afinal, era realmente inevitável? Já estava precificada? EXAME ouviu três economistas que acompanham de perto as contas do governo sobre o que está por trás desta revisão, e o que ela diz sobre a fragilidade das contas públicas. Suas visões estão a seguir.

Celso Toledo, economista da LCA Consultores

O Brasil vive a fantasia de que aprovar uma lei é resolver o problema. Isso vale para esse projeto que quer criminalizar revisões da meta no segundo semestre. E vale para lei do Teto de Gastos, já aprovada. Se não mudar comportamentos, não adianta. É preciso dar ao governo instrumentos para cumprir as metas. O orçamento tem despesas obrigatórias e outras quase obrigatórias que, na prática, chegam a 1,2 trilhão de reais por ano. Entram aí gastos com salários, previdência, mas também saúde e educação. Sobram 70 bilhões de reais em despesas discricionárias. É muito pouca margem de manobra. Essas despesas chegaram a um nível que fica impossível comprimir mais — sob o risco, como aconteceu, de faltar papel para imprimir passaportes. E não há a menor mudança de comportamento.

O governo anterior fez pior, ao sacrificar receitas com isenções de impostos, mas muitos desses gastos vêm de longa data, não começam no governo Dilma. Essa bomba vai explodir. Eu venho afirmando que um dos primeiros atos do próximo governo eleito, no início de 2019, vai ser revogar a lei do teto. E o mais surpreendente é que, mesmo com todas essas dificuldades, há no ar uma sensação de que está tudo bem. O governo tem tido dificuldade de aprovar questões mais simples, como a TLP (taxa de longo de prazo). É um cenário bastante preocupante.

Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington

A revisão da meta fiscal do país mostra uma continuidade das práticas do governo Dilma Rousseff. As razões que levaram à revisão das metas foram as mesmas de 2015: uma frustração das receitas e um aumento de gastos para manter a base no Congresso coesa. No governo Dilma houve uma frustração nas receitas por conta da recessão; no governo Temer, a frustração se deu por conta de uma receita superestimada com os ganhos extraordinários. Isso revela que nenhuma equipe econômica do mundo é capaz de se sobressair diante de um governo que não tem responsabilidade com as metas.

A revisão da meta mostra que o quadro fiscal do país continua piorando e que até mesmo o déficit de 159 bilhões de reais pode ser frustrado. O problema é que daqui por diante o governo terá de fazer cada vez mais concessões e gastar mais para se manter. Diante desse cenário, e com a proximidade das eleições, a reforma da Previdência ficará só para 2019.

Ao mesmo tempo chama a atenção a calmaria no mercado financeiro. De um lado há a sensação que, apesar de tudo, houve uma mudança de rumo. No governo Dilma a situação estava tão desordenada que era nítido que estávamos indo para o buraco, enquanto que o governo Temer conseguiu afastar isso por um tempo. O mercado tem esperança de que o novo presidente seguirá a mesma agenda de reformas. O problema é que não há fundamentação nenhuma para isso. O quadro fiscal continua piorando, mais devagar do que no governo Dilma, mas ainda piora.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados

A frustração da meta foi desencadeada pela crise política iniciada em maio. O cenário conturbado mostrou que a arrecadação prevista seria impossível, enquanto as despesas cresceram mais por conta do jogo político. Juntando esses dois eventos é natural uma revisão da meta. O real problema da revisão é que ela traz novas preocupações sobre a viabilidade do teto de gastos, que foi aprovado no fim do ano passado. O cenário político atual já mostrou que será impossível a aprovação de uma reforma da Previdência. Com isso, os gastos da Previdência continuarão a crescer nos próximos anos, enquanto o teto de gastos vai ser mais rígido.

O que a revisão da meta sinaliza é que a equipe econômica enfraqueceu, perdeu forças diante do Congresso após a denúncia contra o governo Temer. A política se impôs à economia. Isso revela que o governo não consegue segurar o ímpeto dos gastos e cria uma preocupação com o cumprimento do teto nos próximos anos.

A regra do teto é o que está trazendo mais segurança para o mercado neste momento e é isso que tem mantido o ambiente mais calmo na bolsa. No governo Dilma, quando se revisou a meta, não havia teto de gastos. O teto criou um novo regime fiscal para o país e impede gastos desenfreados. O problema é se houver sinalização que a regra terá de ser revista.

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