Situação fiscal é confortável, mas reformas são necessárias, diz Mansueto
Em entrevista a EXAME, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, faz um balanço de 2019 e afirma que, sem atacar a baixa produtividade, o Brasil não cresce
André Jankavski
Publicado em 23 de dezembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 23 de dezembro de 2019 às 06h14.
São Paulo – O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, está otimista. Ele não esperava que a trajetória de dívida brasileira se estabilizasse ainda em 2019. Mais do que isso, segundo o secretário, já é possível pensar em um superávit primário em 2023, mesmo sem contar privatizações e concessões e nem desembolsos maiores do BNDES ao Tesouro.
Porém, para que os ganhos sejam, de fato, sustentáveis, as reformas precisam continuar. Para Almeida, o caminho para um crescimento médio de 2,5% ao ano está pavimentado até o fim do governo do presidente Jair Bolsonaro. Não só por méritos da atual gestão, mas por causa da alta ociosidade em que as empresas se encontram atualmente.
"Não podemos nos enganar que o serviço já está feito. É mais fácil crescer nos próximos três do que nos próximos dez anos por causa da alta ociosidade", diz o secretário.
Entre os temas mais importantes para Almeida estão a reforma tributária, além de uma aceleração da abertura comercial. Só assim o Brasil poderá almejar bons resultados no longo prazo.
"Essa agenda de abertura comercial precisa andar. Até mesmo para melhorar a qualidade do que é produzido aqui. Quando a economia é mais integrada, ela pode usar insumos do que há de melhor no mundo", afirma o secretário. Confira, a seguir, a sua entrevista.
Como o senhor avalia a situação da dívida pública em 2019?
O atual cenário de dívida é espetacular. Há quatro meses, discutíamos que a dívida iria terminar esse ano em 81% do PIB. Agora o cenário é que a dívida vai ficar praticamente estável, em menos de 78%. Estamos conseguindo antecipar as previsões para o resultado primário. É um marco. Podemos ter superávit já em 2023.
Mas o que precisa acontecer para que esse cenário seja confirmado?
Há algumas hipóteses: a partir de 2021, a economia precisa crescer 2,5% ao ano. Mas, para consolidarmos esse crescimento, precisamos da agenda de reformas. Além disso, está embutido uma taxa de juros que, quando voltar a subir, não passará de 6,5% ao ano. Assim, consolidaremos um cenário de juro baixo.
A trajetória desse superávit em 2023 leva em conta privatizações?
Não. A agenda de privatizações andando, existirão mais efeitos positivos. Afinal, as concessões e privatizações reduzem a dívida. E também não leva em conta do BNDES para o Tesouro Nacional, além daqueles que foram negociados. O que está negociado com o BNDES é que ele precisará pagar 24 bilhões de reais ao ano. Se ele pagar mais, como foi feito em 2019, em que o banco pagou 123 bilhões de reais, melhora a trajetória fiscal.
É possível imaginar que o Brasil terá esse crescimento médio de 2,5% nos próximos anos?
Esse crescimento para os próximos anos está partindo de uma ociosidade muito grande da economia. Ou seja, dá para crescer 2,5% sem problemas. Porém, a partir de um certo ponto, o cenário se inverte e será necessário atacar a baixa produtividade. Por isso, a agenda de reformas para os próximos anos é fundamental para o crescimento.
Quais são as reformas mais urgentes?
Nós sabemos que uma coisa que atrapalha o Brasil é a carga tributária, que é alta e complexa. Hoje, temos uma boa vontade do Congresso em avançar nesse tipo de debate. Por isso, é necessário conseguir alguma melhoria do sistema tributário nos próximos anos. Segundo: o Brasil ainda tem uma economia muito fechada. É um problema longo na história do país. Essa agenda de abertura comercial, de maior integração com o resto do mundo, precisa andar. Até mesmo para melhorar a qualidade do que é produzido aqui. Quando a economia é mais integrada, ela pode usar insumos do que há de melhor no mundo.
Também precisamos diminuir a rigidez do orçamento, que não é uma luta fácil. Assim como a reforma tributária precisa andar. Outras também estão postas: redução de burocracia, governo digital e segurança jurídica. Tudo isso precisa avançar. O dever de casa mostra que há muita coisa para fazer.
É possível dizer que a situação fiscal, hoje, é confortável?
Viemos de um cenário que de 2013 até 2018 passamos de uma situação fiscal confortável para uma situação crítica. A dívida pública cresceu 25 pontos do PIB, uma média de 5 pontos percentuais por ano. Tivemos um ano com inflação de mais de 10%, que foi 2015. Ainda teve a Lava Jato. Mas, agora, tudo o que afetou o Brasil nos últimos cinco anos, está ficando para trás. Finalmente, conseguimos enxergar um cenário em que a dívida se estabiliza. Apesar de não termos um resultado primário positivo, temos um cenário muito melhor do que tínhamos há seis meses. Mas a questão é: ou continuamos a agenda de reformas, todos esses resultados vão embora rapidinho. Não podemos nos enganar que o serviço já está feito. É mais fácil crescer nos próximos três anos do que nos próximos dez por causa da alta ociosidade.
Mas os estados ainda estão com a situação fiscal complicada.
A situação dos estados já esteve pior. Neste ano, eles não estão aumentando o endividamento – o período crítico foi entre 2011 e 2014. Agora, eles só podem aumentar a dívida se o governo permitir. Os estados não podem se financiar sem a garantia da União. Muitos estão se mostrando ajustes grandes. Há diversos, por exemplo, que estão encaminhando reforma da Previdência em suas Assembleias. Mesmo os estados que não estão buscando soluções, estão sendo forçados a ajustar as contas porque a União não está repassando mais verbas. Ainda há um problema grande para ser resolvido, mas o pior ficou para trás.
Quando o senhor acredita que o Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF) será aprovado?
O PEF está praticamente pronto, não foi criada a Comissão Especial, mas vamos fechar o relatório em breve para votar assim que o Congresso voltar de recesso. Está sendo um bom diálogo entre o governo e a Câmara. A ideia é puxar direto para Plenário. Vamos aproveitar em fevereiro na Câmara e no Congresso.
Como o senhor avalia o ano de 2019?
Estamos terminando o ano em uma situação muito melhor do que esperávamos. O início de um governo já costuma ser difícil, mas ainda teve a questão da criação do ministério da Economia. Como absorveu várias pastas, também levou tempo para organizar tudo. O governo também não tinha uma base política forte. O cenário dado por especialistas era que, por causa dessa fragilidade da base, iríamos aprovar uma reforma da Previdência fraca. Não foi o que aconteceu. A partir de um certo momento, o Congresso abraçou as propostas econômicas. No fim, aprovamos uma reforma muito robusta, algo impossível há dois anos. Terminamos o ano em uma situação muito melhor do que esperávamos.
Como as eleições de 2020 podem influenciar negativamente os planos do Ministério da Economia?
Até junho, teremos um tempo para aprovar muita coisa. Depois, eventualmente, o número de sessões no Congresso deve diminuir. Essa agenda de reformas no Brasil, é altamente popular. Ela traz crescimento e queda na taxa de desemprego. Estamos com uma taxa de juros histórica – e vai influenciar para o consumidor trocar de casa ou de carro. No passado, se tentou fazer isso de forma arbitrária e voluntarista. Estamos entrando em outro período, muito positivo para a economia.