Saneamento, telecomunicações, rodovias, energia: Qual o panorama de investimentos em cada setor?
Estudo da consultoria InterB mostra uma "brecha" de R$ 200 bilhões para modernizar infraestrutura do Brasil. Veja o raio-x de cada setor
Editor de Macroeconomia
Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 07h01.
Última atualização em 18 de março de 2024 às 16h10.
A consultoria InterB divulga nesta terça-feira, 30, sua 23ª Carta de Infraestrutura. Nas suas contas, o investimento em infraestrutura em 2023 foi de 1,79% do PIB. Para este ano, a projeção é levemente maior, de 1,87% do PIB. Mas qual o peso de cada setor de infraestrutura nessa conta? E mais importante: quanto falta em cada um deles para que os investimentos estejam adequados com uma rede moderna e que dê conta dos desafios produtivos do país?
Leia mais:Faltam R$ 200 bilhões anuais em investimentos para modernizar a infraestrutura, mostra estudo
O estudo separou o total de investimentos em infraestrutura em quatro setores:
- Energia Elétrica
- Telecomunicações
- Saneamento
- Transportes (que foi subdividido em Rodovias, Portos, Hidrovias, Ferrovias, Aeroportos e Mobilidade Urbana)
No total, nas contas do economista Claudio Frischtak, presidente da InterB, o Brasil precisaria de investimentos na ordem de 4% do PIB todos os anos para chegar a um estrutural apropriado.
Rodovias
No setor de transportes, o grande destaque ficou para o modal rodoviário. Segundo a InterB, embora em 2023 as despesas de capital público tenham diminuído em termos reais, pela contração dos investimentos estaduais, tanto os investimentos federais quanto privados mais do que compensaram. No total, foram R$ 33,2 bilhões de investimentos públicos no ano passado.
Os recursos privados representaram 23,6% do investido em 2023. "Em 2024, projeta-se um aumento real dos investimentos em todas as instâncias, 3,85% de forma agregada", diz o documento.
"O que falta em rodovias? Tem que introduzir um novo padrão de concessão. Fizemos um trabalho para a CNI em que olhamos no detalhe as rodovias federais e qual volume de quilômetros das rodovias federais seriam suscetíveis a uma concessão em padrão diferente", diz Frischtak.
Segundo ele, algumas características das concessões afastam investidores, como alta quilometragem de trechos, o que tem levado a números cada vez menores de empresas disputando leilões, a exemplo da concessão do Paraná, no ano passado.
"É um dos estados mais atraentes em infraestrutura: tem renda per capita alta, economia forte além da maneira como a produção se distribui no território ser equilibrada. Em condições normais, teria de 5 a 6 contendores nesse leilão — e não um ou dois", afirma. "Isso tem a ver com os requisitos muito elevados que afastam investidores de tamanho médio."
Leia mais: Pedágio variável, contratos menores e acordos com indígenas: os planos do governo para as concessões
Em entrevista à EXAME no ano passado , o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, destrinchou a nova política pública sobre concessões de estradas que visam justamente adequar algumas das questões citadas no estudo da InterB.
Portos
No setor portuário, aponta a consultoria, houve uma expansão de 23% dos investimentos em termos reais em 2023. Neste ano, a projeção é de um aumento real de 9,54%.
"Tais despesas de capital têm sido impulsionadas pelos compromissos de investimento assumidos por terminais cujos contratos de arrendamento foram renovados; com a licitação de novas áreas no perímetro dos portos públicos, e o arrendamento de terminais subutilizados e com necessidade de modernização; e os gastos de capital que se dão ao abrigo do regime de autorização de instalações portuárias privadas, o que inclui os Terminais de Uso de Privado (TUPs) e as Estações de Transbordo de Carga (ETCs)", diz o documento.
Frischtak avalia que, nessa frente, a decisão do governo de abandonar as privatizações no setor limitam os investimentos. "A execução dos investimentos públicos nos portos é muito limitada", avalia. "Não faz sentido submeter os portos ao direito público. A grande vantagem da privatização é estar sujeito ao direito privado, o que facilita muito a gestão dos portos."
Hidrovias
Para a InterB, a elevação dos investimentos em 2023 vista no setor de hidrovias não deve se manter em 2024.
"As despesas de capital nesse setor são modestas e concentradas em esforços do Governo Federal e de algumas empresas privadas, em grande parte por conta da falta de uma legislação e regulação que promova segurança jurídica e induza a exploração desse modal por meio de concessões", diz o documento.
Nesse ano, a projeção é de R$ 450 milhões em investimentos.
Uma prioridade, aponta Frischtak, deve ser a aprovação do novo marco legal das hidrovias, chamado de "BR dos Rios".
"Porém sua prioridade em termos de política pública será medida tanto pela criação de uma Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação no Ministério de Portos e Aeroportos em 2024 como pelos projetos do PAC de melhoria da navegação estimados em R$ 4,2 bilhões", destaca a Carta de Infraestrutura.
Mobilidade urbana
Em outubro, os cidadãos vão às urnas para eleger prefeitos em mais de 5.500 municípios e um tema deve estrar entre as prioridades dos eleitores: a mobilidade urbana.
O investimento no setor, segundo a consultoria, cresceu 16,6% em 2023 em termos reais. Mas deve ter uma queda de 7,89% neste ano.
"Os gastos de capital no ano corrente deverão totalizar R$ 6,34 bilhões, com cerca de dois-terços de responsabilidade de estados e municípios, e restante do setor privado", diz o estudo.
Neste ano, devem começar as obras de construção da linha 2 do metrô de Belo Horizonte, com expectativa de entrega em 2027 — assim como o leilão do Trem Intercidades,em São Paulo, um projeto que prevê investimentos de R$ 13,5 bilhões, dentre outros.
"Lidar de forma efetiva com a crise de mobilidade nas regiões metropolitanas e cidades médias irá, contudo, requerer um esforço bem mais significativo: em contraposição à média (nominal) de R$ 6,12 bilhões de investimentos no triênio 2022-24, estima-se que somente para as 15 maiores regiões metropolitanas do país haja necessidade de investir cerca de R$ 14,75 bilhões nas próximas 2 décadas", diz a InterB.
Ferrovias
Segundo a consultoria, os investimentos em ferrovias vêm avançando gradativamente e devem atingir R$ 11,35 bilhões neste ano — 93,8% deles, privados.
Esses aportes fazem parte de compromissos assumidos por empresas que operam no setor, como Vale, MRS e Rumo Malha Paulista, e negociaram a renovação antecipada de seus contratos, além da extensão de 730 km da Ferronorte no Mato Grosso sob o regime de autorização, e do ramal de Pecém da Transnordestina.
"Ao mesmo tempo, a devolução de trechos ociosos deveria ser entendida como uma oportunidade para a entrada no setor de novos empreendedores, por meio de um regime de fast track, desburocratizado, e contando com o apoio técnico e de mercado das empresas que estão desistindo dos trilhos, e por um período de transição de 3-5 anos", diz o documento.Para Frischtak, há "uma agenda em aberto", que depende de novas deliberações do governo.
Aeroportos
Na frente de aeroportos, os investimentos devem crescer significativamente neste ano, saltando dos R$ 1,35 bilhões de 2023 para R$ 3,81 bilhões.
"Levará alguns anos, contudo, para um novo surto de investimentos em escala, dada a fragilidade de muitas empresas aéreas enquanto herança do choque pandêmico, a necessidade de racionalizar linhas e reduzir custos, em oposição à capacidade ociosa existente no sistema aeroportuário", aponta o documento.
Energia elétrica
O setor de energia elétrica terá, nas contas da InterB, um aumento dos investimentos em termos reais no triênio 2022 a 2024. "Esses investimentos são dominantemente privados, e de forma ainda mais acentuada com a privatização da Eletrobras em 2022 e da COPEL em 2023", destaca o estudo.
Em anos recentes, os investimentos no setor foram impulsionados pelas energias renováveis – de forma determinante pela geração eólica e solar – e pela demanda associada de escoamento de energia e logo de investimento em transmissão, assim como pela geração distribuída.
"Os investimentos em escala na geração assim como na transmissão levaram a um paradoxo: a rápida expansão da produção de energia renovável se apresenta como uma vantagem competitiva de primeira ordem para o país e se traduz em preços relativamente baixos no mercado livre; já os custos dos subsídios direcionados às diferentes fontes impõe um peso significativo nas tarifas do mercado regulado, no qual se encontra a maior parte dos consumidores. A precificação correta da energia e alocação eficiente de risco são essenciais para reduzir a má alocação de capital no setor", aponta o estudo.
Para a consultoria, os investimentos crescentes e o fato de aproximadamente 90% da carga do país ser suprida por renováveis "mascaram as distorções que caracterizam o setor, e os custos impostos ao conjunto da sociedade".
"Infelizmente, algumas iniciativas tanto do Executivo quanto do Legislativo vêm agravando o quadro, cuja solução demanda uma reforma que vá além dos interesses de segmentos individuais, mas que mire o interesse público", diz o estudo.
Na avaliação de Frischtak, o Brasil vive uma sobreoferta de energia elétrica. "Isso já está levando os desenvolvedores a questionar e suspender projetos. O número de 2024 se refere à inércia dos projetos já feitos. A minha impressão é que, em 2025, esse número vai cair", diz.
No segmento de transmissão de energia, o economista vê um case de sucesso regulatório dos últimos anos. "É um caso interessantíssimo e a demonstração mais cabal do que a previsibilidade regulatória pode fazer", afirma. "Todo mundo entende a regulação, e não se mexeu nisso. É um sucesso em todos os governos."
Telecomunicações
Para o presidente da InterB, de todos os setores, relativamente, o de telecomunicações foi o que mais avançou em termos de serviço de infraestrutura nos últimos anos. No ano passado, houve diminuição dos investimentos — uma retração nominal de R$ 4,62 bilhões —, que pode ser explicada em parte pelo processo de reestruturação setorial.
"A Oi, empresa que durante a década de 2010 teve participação relevante no capital despendido no setor, se fragilizou financeiramente em anos recentes, ocasionando a transferência de grande parte de seus ativos em 2022 para outras empresas, como Vivo, Tim e Claro. Se dedicando exclusivamente aos serviços de fibra ótica, atualmente a Oi investe substancialmente menos, não tendo sido compensada pelas outras grandes empresas do setor. Ao mesmo tempo, o ano que findou foi de transição por conta da introdução da tecnologia 5G, e suas implicações no plano de negócios das empresas e suas operações – ainda que o leilão tenha ocorrido em 2021, há um processo de gradativa introdução da nova tecnologia, e que se acelera no tempo", diz o estudo.
Para esse ano, a projeção da consultoria é de R$ 28 bilhões em novos investimentos em telecomunicações em resposta a uma retomada parcial dos investimentos para cumprir obrigações ligadas ao Leilão de 5G e pela expansão das pequenas provedoras regionais de fibra e sinal.
Saneamento básico
Na esteira do novo marco de saneamento básico, os investimentos no setor têm crescido nos últimos anos. Nas contas da InterB, devem totalizar mais de R$ 30 bilhões nesse ano. "O novo marco foi, está sendo e será um sucesso", afirma Frischtak.
Apesar desse sucesso, alerta o economista, a "brecha" entre os investimentos projetados e os necessários para a universalização é grande: R$ 20 bilhões.
"Universalizar os serviços até 2033 irá demandar um esforço significativamente maior de investimento, da ordem de R$ 50 bilhões por ano, em contraposição a R$ 30 bilhões projetados", diz o estudo da InterB.
Para o presidente da consultoria, o investimento privado precisa ser ampliado dos atuais R$ 8 bilhões para algo em torno de R$ 15 a R$ 20 bilhões — o que novamente depende de segurança jurídica e previsibilidade regulatória.
Um efeito não esperado do novo marco, destaca o levantamento, foi o impulso dado aos investimentos de algumas das maiores empresas estatais por causa do aumento da concorrência pelos operadores privados, cuja participação tende a se tornar mais relevante com o processo de privatização (no caso da Sabesp) e ampliação do universo de concessões e PPPs.
Para Frischtak, em que pese o aumento dos investimentos, caminha-se para uma situação de heterogeneidade desses aportes. A discrepância entre os investimentos em regiões como Sul e Sudeste para o Norte, Nordeste e partes do Centro-Oeste tem aumentado.