Jeffrey Sachs, professor de economia da Universidade Columbia, estima que a China já apresente uma recuperação da crise no segundo semestre desse ano, enquanto que EUA e Europa devem ter melhora mais lenta e gradual - sem ser sentida antes de 2010.
O senhor acredita que pior dessa crise já passou?
- Infelizmente há mais dor a ser sentida nos próximos meses. O desemprego continuará crescendo em muitas partes do mundo em 2009. Porém, há um pouco mais de esperança de que a economia mundial se estabilize em vez de mergulhar numa depressão, o que era uma forte possibilidade. Talvez estejamos começando a enxergar o fundo do poço. Mas estou certo de que teremos surpresas desagradáveis. A falta de transparência dos bancos nos impede de saber sua real situação.
Quais países se recuperarão primeiro?
- É possível que a China comece a se recuperar no segundo semestre. Já no caso dos Estados Unidos e da Europa, a recuperação será gradual e lenta, e não deve ser sentida até 2010. Estive na China em janeiro e encontrei várias autoridades. Com base no que vi, fiquei otimista e com a impressão de que eles estão trabalhando muito seriamente para evitar que o país entre realmente em crise. A situação da China é absolutamente crítica neste momento. Trata-se de um país tão importante na atualidade que, se a economia chinesa caísse em uma crise descontrolada, haveria consequências para o mundo todo. Mas acredito que o governo chinês está se movendo muito agressivamente para estimular o mercado doméstico na tentativa de compensar a queda das exportações.
Como o senhor avalia o desempenho da economia brasileira nessa crise?
- Não acompanho muito de perto, mas acredito que o Brasil tenha várias forças para enfrentá-la. O país conta com uma economia bastante diversificada, comercializa com muitos países e várias de suas indústrias deram saltos de produtividade nos últimos anos. Também acho que o setor bancário está em melhor forma que o dos Estados Unidos, por exemplo, mas essa é uma visão à distância.
Essa crise vai aumentar a pobreza?
- Os mais pobres estão sendo fortemente afetados. Na África, há pessoas sendo repatriadas por terem perdido o emprego no Oriente Médio ou na Europa, o que significa que países africanos estão recebendo desempregados e perdendo as remessas dos imigrantes. É um período duro. Espero que consigamos nos organizar internacionalmente para fortalecer programas de melhoria da educação, da infraestrutura e da agricultura de países mais pobres. Se prestarem atenção, as nações mais desenvolvidas podem gerar demanda para elas próprias. Se esses países financiassem projetos relevantes de energia, estradas e tecnologia da informação em países mais pobres, ajudariam a criar demanda para suas indústrias. Isso pode ser parte dos pacotes de estímulo.
Mas o senhor acha possível fazer isso agora?
- Certamente é possível. Geralmente, os pobres conseguem tão pouca ajuda do mundo rico, que mesmo uma pequena colaboração dos países de alta renda pode fazer uma enorme diferença para as nações pobres. Os pobres não precisam de muito para alcançar suas necessidades básicas, mas precisam de ajuda para atingi-las. E, geralmente, os países ricos ignoram isso. Se prestarem atenção, as nações mais desenvolvidas poderão gerar avanços mesmo durante a crise, e essa ajuda pode gerar demanda para elas próprias. Se esses países financiassem projetos relevantes de energia, estradas e tecnologia da informação em países mais pobres, ajudariam a criar demanda para suas indústrias. No final, esse caminho poderia funcionar como parte dos pacotes de estímulo.
Há algum presidente ou primeiro-ministro realmente aberto e disposto a levar adiante essa discussão?
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Geralmente essas propostas são originadas por organismos multilaterais e bancos de desenvolvimento. Os políticos têm sido menos conscientes dessas questões. E levar esse tipo de discussão para a tela/cena política não é fácil.
Essa crise pode mudar o equilíbrio de forças no mundo?
- O centro do problema está nos Estados Unidos e no Reino Unido. A crise não está apenas minando o modelo do capitalismo levado a cabo nos últimos 25 anos por esses países - eles também sairão dessa fase com grandes déficits, em razão dos empréstimos pesados que têm contraído. Isso não quer dizer que a sociedade americana entrará em colapso nem que o país irá enfraquecer. Mas o mundo está mudando rapidamente, e haverá um número maior de economias mais fortes e influentes.
O senhor enxerga alguma outra mudança relevante que essa crise pode criar?
- Outro país que vem ganhando importância no cenário mundial é a Índia. É parte da mesma história chinesa, pois os dois países têm conseguido crescer rapidamente, ganhando peso econômico, peso tecnológico, enfim, influência. O Brasil também pode atravessar a crise em uma melhor situação que os países europeus e os Estados Unidos. E o Brasil já é, indubitavelmente, uma liderança na América Latina e vem ganhando estatura mundial nos últimos anos, o que é muito bom. Mas o Brasil também terá de se mostrar resistente em uma crise como essa. Esse tipo de crise geralmente provoca muito dano ao Brasil, e esperamos que dessa vez ocorra o oposto.
O senhor acredita que o plano apresentado por Timothy Geithner vai funcionar?
- Espero que o plano não seja implementado da maneira que vem sendo discutido até agora. Avalio que o plano específico para o setor bancário é inadequado. É muito amistoso com os bancos e pouco amistoso com os contribuintes. Claro que espero a recuperação americana, mas os planos precisam ser justos e transparentes. O problema principal é que esse plano dá muito dinheiro para os bancos e os acionistas de bancos. O mais razoável seria que os bancos e seus acionistas perdessem dinheiro por causa dos investimentos ruins que fizeram, em vez de serem resgatados pelos contribuintes.
Como avalia o encontro do G-20?
- Acho que o resultado geral foi positivo. Nada que vá parar essa crise, mas decisões acertadas na reunião podem contribuir, pelo menos, modestamente para a solução.
De onde podemos esperar mais focos de más notícias?
- A velocidade de recuperação dos Estados Unidos ainda é uma questão, assim como na Europa. O Japão, por sua vez, é uma das grandes economias que ainda não mostraram uma estratégia efetiva para estabilizar a economia. A Europa Central e o Leste europeu ainda estão sofrendo muito porque eles são conectados muito fortemente com os países europeus que estão em situação difícil. O dinheiro vem sendo retirado de lá, o que vem criando uma crise real nessas economias. Acredito que muitos países sofrerão instabilidades políticas, o que pode acontecer se o desemprego aumentar muito. A principal preocupação agora é com a possibilidade de que essa crise econômica se torne política em vários países, o que é muito mais perigoso.
Por isso tudo não é possível dizer que o pior já passou?
- Definitivamente, não. Tem havido muitas iniciativas na tentativa de frear essa crise, o que é bom. Não houve um desastre global político ainda. Também tem havido erros sérios, como a maneira que o Lehman Brothers foi deixado ir à falência. Tem havido cooperação entre os países, apesar deles não terem ainda conseguido encontrar meios de solucionar suas crises. Acredito que os Estados Unidos elegeram um presidente muito bom.
O senhor tem alguma idéia de quando poderemos dizer que a crise acabou?
- Acredito que ainda levaremos alguns anos, três, quatro, talvez até cinco, para que o nível de emprego nos Estados Unidos volte aos níveis de 2007. Mas acho que em várias partes do mundo a recuperação pode ser mais rápida, como no caso da China, por exemplo. Mas isso é imprevisível. Ainda há um risco real dessa crise econômica se transformar em conflitos geopolíticos. Acho que é com isso que temos de nos preocupar mais agora. Se a crise no Oriente Médio explode, se um país de peso mergulha em uma instabilidade política e social mais séria, e entre os países emergentes há várias nações que podem se desestabilizar em função dessa crise econômica. Alguns deles são grandes o suficiente para criar uma crise global. Por isso temos de ser muito calmos e muito cooperativos para evitar que esses piores cenários se concretizem.