Exame Logo

"Remédio não é como sapato", diz ministro da Saúde

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, surpreendeu a indústria farmacêutica mundial ao patrocinar e defender o licenciamento compulsório do medicamento anti-Aids Efavirenz, produzido e patenteado pelo laboratório americano Merck Sharp & Dohme. Em entrevista a EXAME, ele admite que o país precisará da indústria privada para montar um novo e moderno parque farmoquímico no […]

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h42.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, surpreendeu a indústria farmacêutica mundial ao patrocinar e defender o licenciamento compulsório do medicamento anti-Aids Efavirenz, produzido e patenteado pelo laboratório americano Merck Sharp & Dohme. Em entrevista a EXAME, ele admite que o país precisará da indústria privada para montar um novo e moderno parque farmoquímico no país e se diz aberto para receber novos investimentos. Mas Temporão não esconde sua desconfiança em relação aos laboratórios e a crença de que eles não podem ser tratados como outros setores da economia. "Eu não posso tratar essa indústria como trato outra", afirmou.

Segundo ele, o episódio do Efavirenz é um caso isolado que deve-se à dificuldade de negociação da empresa. "O Brasil está fechando proximamente um bom acordo com uma multinacional para um novo produto do coquetel anti-Aids. Isso vai demonstrar que a Merck vai ficar isolada nesse processo", disse. O ministro acena para uma política industrial para o setor, com incentivos para fabricação de medicamentos já conhecidos no país, investimentos em setores estratégicos e em acordos com a indústria farmacêutica para trazer plantas industriais para o território brasileiro. Ainda assim, ele admite que o país está muito distante de produzir medicamentos de ponta. "O Brasil tem hoje uma vulnerabilidade da política social, porque a dependência do sistema de saúde brasileiro de tecnologia desenvolvida lá fora aumenta ano a ano em todas as áreas, não só em medicamentos", diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Veja também

EXAME - A decisão do governo brasileiro de pedir o licenciamento compulsório do Efavirenz recebeu várias críticas? Pode haver o desestímulo para a indústria investir em inovação no país?

José Gomes Temporão - Estudei profundamente a indústria farmacêutica na academia. Conheço o tema e dou aula sobre industria farmacêutica na pós-graduação da Fiocruz. As críticas à decisão brasileira se apóiam em torno de três argumentos centrais. O primeiro é que não houve negociação suficiente. Isso não se sustenta se imaginarmos que tivemos sete reuniões com a empresa e ela nos oferecia [redução de] 2% [no preço] em todas as sete reuniões. Só ofereceu 30% depois que saiu a portaria dizendo que o medicamento era de interesse público. Evidentemente eles não quiseram negociar.

EXAME - A Merck afirma que foi feita uma outra proposta ao governo, na véspera da assinatura do decreto de licenciamento compulsório e não obteve resposta.

Temporão - Só recebemos uma proposta por escrito deles, oferecendo duas coisas: redução de 30% e um acordo para transferência de tecnologia para Farmanguinhos. Não houve outra proposta. Eles já tinham oferecido a transferência de tecnologia em dezembro. Era tão escandalosa a proposta, que a transferência se concluiria quando expirasse a patente deles em 2012. Na nova proposta não ficava claro duas questões centrais: o Brasil teria autonomia para comercializar o produto e de quem eu teria de comprar a matéria-prima. O Brasil tem experiência em transferência de tecnologia. Como o prazo de sete dias continuava correndo eles pediram outra reunião e eu disse que não queria, pois já tínhamos feito nove reuniões. Não quero sentar para discutir mais nada. Quero uma proposta séria, que não veio.

EXAME - Foi uma queda de braço, portanto, entre governo e indústria?

Temporão - Eu não vejo. Está na lei internacional e fico surpreso que haja tanta chiadeira. E o posicionamento agressivo da Câmara de Comércio Americana, comparando o Brasil a uma ditadura militar [a da Tailândia, que em novembro decretou a quebra da patente de vários medicamentos naquele país]? Isso é uma solução legal.

EXAME - Outro argumento da indústria é que a negociação com o ministério é permanente e não começou no ano passado. Eles lembram que o preço do Efavirenz já caiu 77% desde que o medicamento foi introduzido no Brasil em 1999.

Temporão - Todo produto protegido por patente tem um ciclo de vida. À medida em que concorrentes entram no mercado, o preço cai. É da regra e da dinâmica do mercado. Eles patentearam em 1992. Em 1999, quando introduziram o medicamento no mercado, o Brasil tinha 2.500 pacientes usando esse remédio e hoje temos 75 mil. Eles desconsideraram totalmente isso. Falam que reduziram o preço como se tivessem feito uma benesse para o Brasil. Eles estavam simplesmente ajustando o preço à dinâmica do mercado mundial. Para que diabos vou comprar um medicamento a 1,59 [de dólar] se a Índia me oferece a 44 centavos de dólar. Do ponto de vista do capitalismo, qual é o sentido disso? Eu disse ao presidente da Merck que o Brasil quer que ele venda para gente ao preço que vendem para a Tailândia, e eles chegaram a 1,10 [de dólar], que está a léguas de distância. Seria um péssimo acordo para o governo brasileiro. Não atende ao interesse público.

EXAME - Mas a empresa argumenta que essa diferença de preço atende a um critério mundial, que observa o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país e a taxa de prevalência, ou seja, o percentual de população infectada. E que o desconto é dado sob esses parâmetros. Não é justo?

Temporão - O Brasil não reconhece os critérios deles para determinar o mercado. Isso é problema deles. A empresa define que para o Brasil vai cobrar um preço mais caro que para a Tailândia... Isso é um absurdo. A outra face da moeda é que, o único país no hemisfério sul que tem uma política universal [de combate à Aids] é o Brasil. É um país respeitadíssimo no mundo inteiro por conta dessa política e esse não é o caso da Tailândia, que não tem um programa universal. O fato mais importante é que há uma tendência forte desse medicamento ser incorporado cada vez mais ao programa brasileiro. Com uma redução de preço substantiva, o laboratório ganha no volume de comprimidos vendidos . O detalhe é que, em cinco meses oferecendo 2% é muita arrogância. Eles não queriam negociar o tempo todo e não acreditaram que o Brasil iria tomar essa decisão, que foi serena e soberana, dentro da lei.

EXAME - A decisão não tem potencial de assustar investidores?

Temporão - O mercado brasileiro de medicamentos é de 10 bilhões de dólares por ano e está entre os 10 maiores do mundo. Cresce a cada ano e o que estou vendo é o contrário: as empresas estão vindo para cá investir. A Nordisk inaugurou uma fábrica de insulina em Montes Claros: 200 milhões de reais em investimento.

EXAME - Mas, os dados do setor mostram que o volume de unidades de medicamentos vendidas no país está praticamente estável nos últimos anos, apesar de o faturamento do setor estar crescendo. Como o senhor vê isso?

Temporão - O valor de cada unidade está tendo um sobre-preço brutal. O mercado tende a crescer: 25% desse mercado é política pública, compra governamental. Esse ano, o Ministério da Saúde vai gastar 12% de todo seu orçamento em medicamentos, o que é significativo. À medida em que a economia cresce, que o emprego e a renda crescem, é evidente que o mercado de medicamentos cresce. Todas as tendências quando se analisa do ponto de vista macro a tendência é de crescimento. E o Brasil quer atrair empresas para cá, para produzir aqui. Nessa medida do governo brasileiro não tem nenhum posição de rechaço. Seria um delírio. O Brasil precisa de mais capitalismo. Mas, [é preciso observar] em que base se dão essas relações e qual é o grau de transparência e de justeza nos preços.

EXAME - Os críticos dizem que a medida poderia ser uma sinalização ruim para o investidor local e de fora.

Temporão - O Brasil está fechando proximamente um bom acordo com uma multinacional para um novo produto do coquetel anti-Aids. Isso vai demonstrar que a Merck vai ficar isolada nesse processo. Vai reduzir preço e demonstrará que o governo gosta de negociar, negocia quando é tratado com respeito e com propostas sérias, por uma empresa séria. Isso vai sinalizar para o mercado que é uma situação especial. Eu não vejo que seja uma medida que sinalize um cenário ruim para o mercado. Os investimentos vão continuar, esse mercado tem uma grande dinâmica e o Brasil tem um gigantesco potencial de crescimento do mercado farmacêutico.

EXAME - Mas a decisão do governo não torna vulnerável o conceito de propriedade intelectual no país?

Temporão - O terceiro argumento que se utiliza é o risco ao investimento em pesquisa. Essas empresas nunca investiram em pesquisa no Brasil. A Merck fatura 25 bilhões de dólares ano e investe 20% do faturamento em pesquisa. É algo gigantesco. No Brasil investe 0,7% e basicamente em pesquisa clínica, ou seja, em pacotes fechados desenvolvidos lá fora e testados em pacientes brasileiros. Essas pesquisas seriam boas, se viessem junto com o resto. Ela vem sozinha. O nível de pesquisa clínica no Brasil é "peanuts". O governo brasileiro investe em pesquisa de célula tronco multicêntrica 13 milhões de reais - em uma única pesquisa. As multinacionais nunca trouxeram pesquisa par a o Brasil. Qual foi o produto desenvolvido por uma multinacional e patenteado no Brasil? Eles investem em um estágio da pesquisa em uma fase apenas. E o resto?

EXAME - Mas como o senhor vai convencer a indústria a investir no país, criando um parque farmacêutico moderno?

Temporão - A indústria farmoquímica brasileira foi destruída na década de 80, pelas características do capitalismo brasileiro. O Brasil entrou atrasado na revolução industrial e nunca teve uma política industrial consistente até Getúlio Vargas. Tudo isso é resultado desse processo. O que estamos pensando é usar a capacidade de compra do estado como um indutor do processo de incorporação de tecnologia interna. Tem a área que a gente pode fomentar - o aumento da capacitação interna e aí estou falando de industria privada e pública - os laboratórios estatais entrariam nisso. O Brasil é o único país do mundo que tem 17 laboratórios públicos produzindo medicamentos. Da mesma maneira que é o único da América Latina que, ao contrário dos outros países que fecharam suas fábricas de produção de vacina, investiu 120 milhões de dólares em Biomanguinhos e Butantã. Na semana passada inaugurei uma fábrica e o Brasil terá auto-suficiência em vacina contra a gripe. Vamos exportar essa vacina. A biotecnologia é uma janela de oportunidades. Pouca gente sabe, mas o Brasil desenvolveu aqui e tem uma vacina de DNA recombinante, que são consideradas de ponta do ponto de vista tecnológico. O Butantã desenvolveu com tecnologia própria da hepatite B que utilizamos em nosso programa nacional de imunizações. É uma vacina brasileira, que usa DNA recombinante e não usa fermentação. Essa proposta de aliar a capacidade de compra do Estado para induzir uma política de financiamento com o BNDES para fomentar que empresas privadas e públicas passem a produzir uma série de insumos que hoje nós importamos é parte da minha proposta no ministério da Saúde.

EXAME - Mas há como o Brasil alcançar o estágio de produção de tecnologia de ponta?

Temporão - São dois movimentos. A gente pode produzir aqui coisas que já são tecnologia difundida, o que é bom, pois estaremos reduzindo o déficit setorial que está em 5 bilhões de dólares/ ano e estou criando emprego e riqueza aqui dentro. Como me aproximo da fronteira do conhecimento? Não tem jeito: uma única empresa investe 5 bilhões de dólares ano, o Brasil está anos-luz dessa possibilidade. Mas eu posso trabalhar em nichos e janelas de oportunidade. A biotecnologia é uma. Biomanguinhos tem uma linha interessante em parceria com várias empresas privadas. Marcapasso: implantamos 25 mil marcapassos ao ano, e importamos tudo. Do ponto de vista tecnológico podemos fazer aqui. É um misto de incorporar na base tecnológica brasileira o conhecimento já difundido e por outro lado atuar em áreas estratégicas, trabalhando ao lado das universidades e dos centros de pesquisa. O que tiver fora do nosso alcance, tenho que estabelecer relações comerciais que sejam razoáveis para quem está vendendo e quem está comprando.

EXAME- E o licenciamento compulsório não criará um mal estar para essas negociações?

Temporão - O mercado vai se ajeitar rapidamente, principalmente quando sinalizarmos que foi um fato isolado e que a gente está fechando acordos que estão sendo vantajosos para ambas as partes com outros laboratórios do mesmo peso e do porte da Merck.

EXAME - O Brasil aproveitou o fato de a Índia ter uma indústria farmacêutica moderna, que fabrica genéricos de medicamentos de ponta, porque não reconhecia patentes. Agora, a Índia já aceita, desde o ano passado, as patentes. Como dar continuidade à política de licenciamento compulsório de novos medicamentos?

Temporão - Eles foram mais esperto que a gente. Nós aprovamos a lei de patentes precocemente em 94, com a indústria de base quebrada. Ficamos travados e caímos na armadilha da discussão econômica. Ficamos sem nenhuma capacidade estratégica para colocar a discussão em outra dimensão. A Índia construiu uma gigantesca base industrial de produção de fármacos e agora aceitou a lei de patentes.

EXAME - Mas como haverá novas descobertas de medicamentos no futuro, como fica a política de licenciamento compulsório sem a possibilidade de comprar genéricos em outros países, com base industrial forte e eficiente?

Temporão - O mercado mundial está acima de 400 bilhões de dólares, sendo que 20% é gasto em P&D. Metade desse mercado é consumido em um único país, os Estados Unidos. A partir de agora, a Índia não vai poder fazer mais genéricos. O Brasil tem hoje uma vulnerabilidade da política social, porque a dependência do sistema de saúde brasileiro de tecnologia desenvolvida lá fora aumenta ano a ano em todas as áreas, não só em medicamentos.

EXAME - Como ficamos, então, já que desenvolvimento tecnológico que o Brasil almeja não é para curto prazo?

Temporão - É uma coisa para médio prazo, mas você pode ter alguns resultados mais objetivos. Nunca houve esse estratégia olhada de maneira integrada, olhando para saúde como um espaço de desenvolvimento, de produção de emprego e riqueza. Ela é sempre vista do lado do gasto e da atenção. Estou colocando uma outra discussão. No mundo inteiro ela é um instrumento de maior desenvolvimento e agregação de valor E o Brasil tem que entrar nisso através de uma política do Estado integrada de saúde. Para definir janelas de oportunidade, alvos tecnológicos. Não podemos abrir demais, pois não temos perna.

EXAME - O discurso do presidente no dia da assinatura do licenciamento compulsório, ameaçando novos licenciamentos de medicamentos cujos preços foram considerados excessivos, não assustaria os investidores?

Temporão - O discurso do presidente expressou a indignação dele com todo o processo de negociação.

EXAME - Mas a decisão foi tomada na mesma época em que Venezuela e a Bolívia ameaçam empresas privadas. Isso não pode causar confusão para os investidores?

Temporão - O presidente não iria submeter a decisão dele a essa racionalidade. A posição foi muito específica. Essa é uma leitura que a indústria faz. O investidor trabalha com fatos e não com suposições.

EXAME - Mas sem a possibilidade de comprar novos genéricos com a Índia, há como contornar a vulnerabilidade brasileira?

Temporão - Sim, com estratégias, além de definir uma política para o setor, você avançar mais nos acordos de transferência de tecnologia, como fizemos dois com GlaxoSmithKline, que transferiu tecnologia para a vacina para a Fiocruz. Durante cinco anos, ela teve reserva de mercado e em troca transferiu a tecnologia para Biomanguinhos, que agora detém uma tecnologia que não detinha antes. A Aventis fez a mesma coisa. Temos que trabalhar mais nessa área.

EXAME - E se a Merck oferecer trazer para cá a produção do Efavirenz?

Temporão- Porque não?. Estamos abertos para discutir.

EXAME - O acordo com a Opas e a Unicef foi uma estratégia para blindar o pedido de licenciamento?

Temporão - Na realidade é mais prestígio do Brasil do ponto de vista internacional do programa brasileiro de Aids. Imediatamente quando surgiu a polêmica elas nos buscaram e disseram que estavam do nosso lado para fazer tudo que pudermos fazer para o programa continuar com a qualidade que tem hoje.

EXAME- Como resolver a questão da política de preços de medicamentos, que não nasceu nesse governo, mas que reprime bastante o preço e as margens das empresas. Elas alegam que não há estímulo a mais investimentos no país.

Temporão - Esses números são divulgados desde os anos 60. Eles repetem isso há 40 anos. Como é que o governo vai liberar preço de remédio? Remédio é que nem sapato? Isso não existe. Medicamento é o único produto que para ser consumido precisa da intermediação de um terceiro, que é o médico. Os consumidores não detém o conhecimento para fazer opção de consumo. É um mercado absolutamente singular. Como você sabe se o antibiótico para utilizar é o Merck, da Abott ou da Farmanguinhos? Você não detém conhecimento e quem decide é o médico. Toda a estratégia da industria está centrada em cima de propaganda em cima do médico. Marketing. Estima-se que entre 20% a 30% do gastos da indústria é em marketing e ele é feito em cima do médico. Essas características do mercado exigem que o Estado tenha uma política de regulação específica sobre o mercado.

EXAME - O controle de preços existe em vários países, mas a indústria reclama que o Brasil tem uma política draconiana, o que seria um desestímulo para trazer medicamentos novos ao Brasil. Como o senhor responde?

Temporão - Quais são os produtos que interessam em termos de saúde pública? Uma coisa é que a indústria chama de produtos novos. A dinâmica da industria farmacêutica mostra que tem caído cada vez o número de novos produtos de verdade. Na verdade o que eles fazem são maquiagens, agregar uma molécula a produtos já existentes, para modificar algumas características. Alguns medicamentos tem uma nova apresentação, que ao invés de tomar três comprimidos ao dia, toma só um. O preço é quatro vezes mais caro, mas o ponto de vista do efeito farmacológico é o mesmo. Desses novos produtos, você pode ter certeza que tem cinco novos de fato.

EXAME- Ainda assim, não pode haver o atraso na entrada desses medicamentos novos?

Temporão - E esses novos, que não são novos não interessam à política de saúde pública. É um jogo de mercado. Qual é o impacto disso do ponto de vista do controle das doenças? São as novidades que são colocadas no mercado o tempo todo para aumentar o consumo. Muitas vezes, é o consumo irresponsável através da auto-medicação. O Brasil tem que ter uma política de incorporação tecnológica que decida o que vai entrar no mercado ou não do ponto de vista do impacto da saúde pública e não do ponto de vista da dinâmica empresarial da industria. Hoje eu diria que tem produtos que a industria quer colocar no mercado, que não me interessam do ponto de vista da saúde pública, quando analiso custo/efetividade e impacto sanitário. Mas tem alguns que sim, que eu teria interesse, mas o alto preço inviabiliza. Também tem produtos que estão no mercado que eu gostaria de tirar, que já não tem eficácia e foram ultrapassados por outras tecnologias. Essa dinâmica do que entra e o que sai tem que estar regulada por uma política de gestão de tecnologia. O Brasil nunca teve essa política e terá agora.

EXAME - Mas também tem a questão do mercado, fora das políticas públicas. Porque a indústria não pode simplesmente colocar no mercado?

Temporão - Há uma sutileza. Eu coloco um produto que tem pouco impacto em termos de saúde pública, não é uma real novidade. A estratégia de marketing transforma ele em novidade, junto ao médico, que o prescreve para o paciente. Quando se analisa sobre esse ponto de vista está tudo perfeito. A introdução dessa nova droga não tem impacto nenhum e será um remédio muito mais caro e você tem sucedâneos tão eficazes quanto, mas muito mais baratos.

EXAME - Isso quer dizer que não dá para comparar a indústria com outros setores da indústria, onde vale a competição?

Temporão - É uma heresia fazer essa comparação. Ele tem uma especificidade e uma dinâmica interna. Ela está ali no liminar do impacto positivo e negativo sobre a saúde das pessoas. Eu não posso tratar essa indústria como trata outra.

EXAME - O que acontece se liberar os preços, como a industria quer?

Temporão - Isso vai encarecer brutalmente o preço dos medicamentos. Eles dizem que o mercado tem uma grande concorrência. É mentira. O mercado está dividido entre as classes terapêuticas. A concorrência se dá entre antibióticos, analgésicos e antitérmicos. Quando pega o mercado brasileiro como um todo nenhuma empresa tem mais de 4% do mercado. Eles dizem que a concorrência é alta. Mas quando eu pego por classe, algumas empresas em conjunto, ou uma delas, têm 50%, 60% até 80% do controle de mercado. Aí, elas estabelecem preço e não tem concorrência. A concorrências se dá nos medicamentos de venda livre. Há oligopólio com divisão de mercado entre as grandes empresas. Essa dinâmica que tem que ser tratada, E tem que dizer para esse pessoal que o ministro entende disso. Isso não contraditório com o reconhecimento que é um mercado com grande potencial e que a industria privada é bem vinda e necessária para o desenvolvimento. Mas o Brasil quer participar também das outras etapas.

EXAME - Mas é preciso manter o equilíbrio econômico financeiro do setor. Como garantir isso?

Temporão - Esse controle de preço no país tem uma comissão que o faz. Os dados são analisados exaustivamente. Não conheço nenhuma industria farmacêutica que tenha fechado no Brasil porque quebrou.

EXAME - Mas esse mercado poderia ser ainda melhor.

Temporão - O mercado poderá ser melhor com crescimento da renda, do emprego e das políticas públicas de acesso. A indústria, pelo contrário, não tem interesse em sair do Brasil. É um gigantesco mercado potencial. O mercado poderia ser maior, mas isso expressa o nível médio de renda e a riqueza do país.

EXAME - Já foi feita propostas pela Febrafarma para flexibilizar essa política de preços, mas a coisa não andou.

Temporão - O Ministério da Saúde está pronto para receber toda e qualquer proposta das entidades que representam a indústrias para analisarmos. Se a indústria quiser estabelecer um grupo para discutir alternativas e possibilidades que ampliem o acesso da população brasileira aos medicamentos, o ministério está aberto.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Economia

Mais na Exame