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"O Brasil tem problemas, mas avançou"

O ministro Pedro Malan fala sobre a crise

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h38.

Acostumado a uma rotina frenética em seus quase oito anos à frente da Pasta da Fazenda, o ministro Pedro Malan passou as últimas semanas particularmente agitado. Liderou a reação do governo a mais uma queda-de- braço travada com o mercado financeiro em meio às incertezas que cercam o próximo governo a ser eleito em outubro. Malan, que atuou em várias frentes para acalmar os investidores, falou com exclusividade a EXAME sobre as turbulências, em seu gabinete na representação do Banco Central em São Paulo.

O governo continua tendo bala na agulha para neutralizar um ataque especulativo contra o real?

Sim, sem dúvida. A situação em relação ao clima no início do mês acalmou-se. É preciso manter o rumo, procurar entender o que está acontecendo, explicar à sociedade e utilizar os instrumentos disponíveis -- e o governo os tem -- para superar a turbulência do momento presente.

Há quem alegue que a estratégia do Banco Central de acalmar os mercados mediante a troca de títulos de longo prazo por outros com vencimento mais à frente teria adicionado um elemento a mais ao clima de incerteza que cerca o próximo governo.

As pessoas deviam olhar o que fizemos nos últimos anos. De forma deliberada, reduzimos os vencimentos da dívida pública brasileira no segundo semestre deste ano e no primeiro trimestre de 2003. O propósito era, justamente, minimizar os custos da transição. As pessoas dizem que aumentou a colocação de papéis que vencem no curto prazo, mas havia um espaço ali criado deliberadamente para ser usado em caso de necessidade. O encurtamento terá de ocorrer agora porque, infelizmente, dadas essas incertezas, seria muito elevado o prêmio cobrado para colocar papéis em 2004, 2005 e 2006.

Como o senhor vê a possibilidade de que o próximo presidente seja obrigado a renegociar a dívida interna?

É perfeitamente possível alongar o perfil da dívida em razão das oportunidades e condições do mercado sem recorrer a renegociações ou reestruturações involuntárias. No fim de 1993, por exemplo, nossa dívida interna rodava a cada dois meses. Ou seja, girava seis vezes por ano. Esses 600% da dívida venciam no prazo de um ano. Em 2002, vencem apenas 25% dela. Durante esse período, o prazo médio de vencimento foi alongado para quase três anos. O que o próximo governante terá de fazer é manter sob controle a relação dívida e PIB. Isso exigirá, no decorrer dos próximos anos, a preservação de superávits primários da magnitude atual, por volta de 3,5% do PIB.

O que mais pode ser feito para conter o nervosismo que continua a impregnar os mercados?

Ainda faltam quatro meses para as eleições. É possível reduzir as expectativas sobre o que pode vir a acontecer a partir de 2003 mediante algo que venho cobrando há algum tempo -- uma maior clarificação do discurso por parte dos candidatos, pois me preocupa a transição. Gostaria que ela fosse a menos turbulenta, a menos custosa e a mais tranqüila possível. Ajudaria enormemente se pudéssemos deixar de lado essas idéias inconseqüentes, estapafúrdias, esdrúxulas, sem nenhum sentido, como aquela -- do Partido dos Trabalhadores -- de promover um plebiscito para saber se se paga ou não a dívida externa. Espero que isso apareça com clareza num documento prometido pelo PT para as próximas semanas. Que o partido diga: "Olha, pensamos melhor e mudamos de opinião. Foi um erro grave termos embarcado nessa questão do plebiscito".

O senhor não se sente frustrado com o fato de a economia brasileira permanecer vulnerável a solavancos depois de tanto esforço para estabilizá-la? Turbulências são naturais, principalmente em países em construção -- como eu chamo o Brasil --, ainda marcados pelo signo da precariedade, onde mudanças podem ocorrer abruptamente na parte político-institucional e também na administrativa e jurídica. A marca de um país desenvolvido é a capacidade de criar, num esforço que demanda gerações, um conjunto de regras que resultem numa estabilidade capaz de sobreviver a esses ciclos eleitorais que deveríamos ver com naturalidade.

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Acostumado a uma rotina frenética em seus quase oito anos à frente da Pasta da Fazenda, o ministro Pedro Malan passou as últimas semanas particularmente agitado. Liderou a reação do governo a mais uma queda-de- braço travada com o mercado financeiro em meio às incertezas que cercam o próximo governo a ser eleito em outubro. Malan, que atuou em várias frentes para acalmar os investidores, falou com exclusividade a EXAME sobre as turbulências, em seu gabinete na representação do Banco Central em São Paulo.

O governo continua tendo bala na agulha para neutralizar um ataque especulativo contra o real?

Sim, sem dúvida. A situação em relação ao clima no início do mês acalmou-se. É preciso manter o rumo, procurar entender o que está acontecendo, explicar à sociedade e utilizar os instrumentos disponíveis -- e o governo os tem -- para superar a turbulência do momento presente.

Há quem alegue que a estratégia do Banco Central de acalmar os mercados mediante a troca de títulos de longo prazo por outros com vencimento mais à frente teria adicionado um elemento a mais ao clima de incerteza que cerca o próximo governo.

As pessoas deviam olhar o que fizemos nos últimos anos. De forma deliberada, reduzimos os vencimentos da dívida pública brasileira no segundo semestre deste ano e no primeiro trimestre de 2003. O propósito era, justamente, minimizar os custos da transição. As pessoas dizem que aumentou a colocação de papéis que vencem no curto prazo, mas havia um espaço ali criado deliberadamente para ser usado em caso de necessidade. O encurtamento terá de ocorrer agora porque, infelizmente, dadas essas incertezas, seria muito elevado o prêmio cobrado para colocar papéis em 2004, 2005 e 2006.

Como o senhor vê a possibilidade de que o próximo presidente seja obrigado a renegociar a dívida interna?

É perfeitamente possível alongar o perfil da dívida em razão das oportunidades e condições do mercado sem recorrer a renegociações ou reestruturações involuntárias. No fim de 1993, por exemplo, nossa dívida interna rodava a cada dois meses. Ou seja, girava seis vezes por ano. Esses 600% da dívida venciam no prazo de um ano. Em 2002, vencem apenas 25% dela. Durante esse período, o prazo médio de vencimento foi alongado para quase três anos. O que o próximo governante terá de fazer é manter sob controle a relação dívida e PIB. Isso exigirá, no decorrer dos próximos anos, a preservação de superávits primários da magnitude atual, por volta de 3,5% do PIB.

O que mais pode ser feito para conter o nervosismo que continua a impregnar os mercados?

Ainda faltam quatro meses para as eleições. É possível reduzir as expectativas sobre o que pode vir a acontecer a partir de 2003 mediante algo que venho cobrando há algum tempo -- uma maior clarificação do discurso por parte dos candidatos, pois me preocupa a transição. Gostaria que ela fosse a menos turbulenta, a menos custosa e a mais tranqüila possível. Ajudaria enormemente se pudéssemos deixar de lado essas idéias inconseqüentes, estapafúrdias, esdrúxulas, sem nenhum sentido, como aquela -- do Partido dos Trabalhadores -- de promover um plebiscito para saber se se paga ou não a dívida externa. Espero que isso apareça com clareza num documento prometido pelo PT para as próximas semanas. Que o partido diga: "Olha, pensamos melhor e mudamos de opinião. Foi um erro grave termos embarcado nessa questão do plebiscito".

O senhor não se sente frustrado com o fato de a economia brasileira permanecer vulnerável a solavancos depois de tanto esforço para estabilizá-la? Turbulências são naturais, principalmente em países em construção -- como eu chamo o Brasil --, ainda marcados pelo signo da precariedade, onde mudanças podem ocorrer abruptamente na parte político-institucional e também na administrativa e jurídica. A marca de um país desenvolvido é a capacidade de criar, num esforço que demanda gerações, um conjunto de regras que resultem numa estabilidade capaz de sobreviver a esses ciclos eleitorais que deveríamos ver com naturalidade.

O senhor inclui aí a recente declaração do megainvestidor George Soros de que o mercado lá fora é que acabará elegendo o próximo presidente brasileiro?

Isso é descabido, uma intromissão indébita no debate político interno. Uma coisa é reconhecer que aquilo que alguns candidatos passam para os mercados afetam determinadas percepções e expectativas. Outra coisa é uma observação do tipo da que foi feita. Essa não é a minha visão nem a dos brasileiros que sabem que o Brasil tem problemas, mas que avançou.

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