Previdência pode tornar Brasil uma nova Grécia, diz economista
"A Grécia é um exemplo do que acontece se você força demais a situação e protege promessas irrealistas", diz o economista Platon Tinios para EXAME.com
João Pedro Caleiro
Publicado em 19 de setembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 19 de setembro de 2017 às 12h00.
São Paulo – "Isso é Grécia !", diz o economista grego Platon Tinios ao saber que o Brasil gasta em Previdência Social cerca de 13% do seu Produto Interno Bruto (PIB).
A taxa é próxima do que a Grécia gastava com seus aposentados e pensionistas quando afundou na crise em 2009. Anos de recessão depois, o PIB do país é 25% menor.
Tinios vê paralelos com o Brasil, que ensaia uma retomada econômica após a maior recessão de sua história e discute um projeto de reforma da Previdência que estabilizaria este gasto no futuro.
"A Grécia é um exemplo do que acontece se você força demais a situação e protege promessas irrealistas", diz ele.
Assessor especial do primeiro-ministro grego entre 1996 e 2004, Tinios participou de missões técnicas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e hoje dá aula na Universidade de Piraeus.
Ele veio ao Brasil para participar do 8° Conseguro, evento do setor de seguros organizado pela CNSegde que começa hoje (19) no Rio de Janeiro, e concedeu a seguinte entrevista para EXAME.com na semana passada por telefone:
EXAME.com - O Brasil está discutindo uma reforma da Previdência para controlar um déficit que pode chegar a R$ 300 bilhões em 2018. Qual foi a importância deste fator na crise grega?
Platon Tinios – A crise da Grécia foi uma crise de contas públicas e as pensões foram a responsáveis pela maior parte dos excessos.
Depois da nossa adesão ao euro em 2001, ficou muito fácil pegar dinheiro emprestado internacionalmente, então ao invés de reformar a Previdência, o que seria politicamente desagradável, eles adiaram o problema.
Isso levou a uma bolha da dívida que explodiu em 2010. E quando no mesmo ano houve o pacote de resgate do país, o maior da história mundial, os credores insistiram que as primeiras medidas fossem reformar as pensões.
A partir daí todo resgate precisava ter uma nova reforma da Previdência: estamos na quarta. Teve gente com a aposentadoria cortada 12 vezes. A da minha cunhada é hoje 40% menor do que já foi.
Um dos problemas no Brasil são funcionários públicos com aposentadorias em condições bem mais generosas que o resto da população. Isso também era um dos focos na Grécia?
O setor público tratou as aposentadorias como um cheque em branco. Era fácil com inflação alta: não podiam subir salários, mas podiam prometer aposentadorias melhores e as deixar pouco aparentes no Orçamento. Era um jeito de jogar custos para frente e comprar apoio político.
Os mais bem pagos eram os politicamente poderosos em um sistema fragmentado e cheio de exceções. A idade mínima era 60 anos para mulheres e 65 para homens, mas isso só valia em 15% dos casos e 85% eram exceções. Algumas eram difíceis de justificar.
Foi o governo alemão que pagou o resgate grego, e eles haviam reformado sua Previdência. Então os jornais populares alemães, como o Bild, diziam: porque o cabeleireiro alemão que teve sua idade mínima elevada para 67 tem que pagar para um cabeleireiro grego se aposentar aos 50? Havia aeromoças se aposentando com 42 anos.
A Grécia era um dos países europeus que mais gastava com pensões e que ao mesmo tempo tinha as pensões mais baixas. Há uma escolha em economia entre eficiência e justiça, mas a Grécia não tinha nem um nem outro, e as reformas eram combatidas por grupos bem conectados – como os do setor de eletricidade, cuja greve tinha capacidade de parar o país.
O Brasil é um dos poucos países que até hoje não tem uma idade mínima de aposentadoria.
Nós também não tínhamos. Meu exemplo favorito foi uma pensão por velhice concedida para alguém de 27 anos. Até os anos 90, havia mulheres que podiam se aposentar após 15 anos de trabalho, independente de idade.
Esse tipo de coisa é até comum ao redor do mundo. Sistemas novos costumam ser promovidos para encorajar contribuições. Mas quando amadurecem, isso deveria ser resolvido.
Outra coisa foram as filhas de servidores civis e generais, com pensão vitalícia se não casassem. Se dizia que as filhas de generais eram as melhores namoradas porque nunca se casavam. E mesmo ao se divorciarem, ganhavam a pensão de volta.
Havia coisas bem similares aqui e que ainda geram impactos fiscais.
São coisas tão enraizadas que o único jeito de rever é diante de uma emergência nacional, mas não há solução rápida. Não dá para tirar a aposentadoria de alguém com 80 anos. Você muda para novos ingressantes, mas o efeito demora.
Na Grécia tivemos crises em 1992, 1997, 2001 e 2008 e tentaram várias reformas, mas nenhuma drástica o suficiente.
E teremos outras?
Veremos, mas em 2010 o sistema que havia sido desenhado apenas para novos ingressantes foi estendido para mais grupos. Em 2015 algo parecido foi estendido para novos pedidos de aposentadoria, e no ano seguinte uma lei fez com que o sistema retroagisse para todos.
Uma pessoa de 80 anos teria sua pensão reavaliada de acordo com o novo regime, e se seu valor fosse maior, ele só receberia a diferença temporariamente. Neste ano, virou lei que pensões existentes iriam diretamente para a nova reforma e um novo sistema foi aplicado de forma retrospectiva mesmo para aposentados muito idosos.
Não acho que exista outro exemplo de outra reforma tão drástica, e mesmo assim a porcentagem da Previdência no PIB continuou crescendo! Está em 17%, a mais alta da Europa e provavelmente da OCDE.
É assim porque todo mundo que pode, corre para conseguir a sua. O valor das pensões cai, mas a quantidade e a conta total aumentam.
O Brasil já gasta cerca de 13% do PIB em Previdência, e com uma população menos envelhecida.
Isso é Grécia! No começo da crise tínhamos 14%, mas é preciso levar em conta também que o PIB caiu 25% em relação a 2007.
O salário no setor privado caiu 30%, mas as pensões mais baixas caíram 15%, então é mais negócio ser pensionista do que lutar no mercado de trabalho.
Os países ricos já reformaram seus sistemas, mas o problema está chegando rapidamente aos países em desenvolvimento por causa da alta na expectativa de vida. Será uma crise?
Nos anos 90 todo mundo falava em reformar a Previdência e ninguém fazia, mas depois houve várias. A América Latina estava na vanguarda, com reforma no Chile em 1993 e na Argentina em seguida. O sistema antigo foi basicamente descartado.
No mundo desenvolvido, é uma exceção os países que não reformaram amplamente suas Previdências. Os casos na Europa hoje são França e Espanha; o resto fez.
Mas as reformas foram em um sentido de evolução, garantindo as pensões antigas ao mesmo tempo em que cuidavam do futuro, e pelo que vejo é o que o Brasil está tentando fazer.
Dois terços dos aposentados brasileiros ganham benefício de um salário mínimo e este continuaria sendo o piso na reforma proposta. Quem se aposenta mais cedo e com grandes rendimentos será mais afetado.
O que vimos na Grécia é que são os pensionistas que pagam quando há um aperto. Depois da crise, os cortes que deveriam ter sido feitos nos anos 90 foram impostos retroativamente e com juros.
Pensões são um gerenciamento de promessas. Quando chegar a hora de entregar, os futuros aposentados, que reclamam agora, não estarão em uma posição fortalecida.
A Grécia prova que é mais fácil cortar pensões do que salário do funcionalismo, e que uma reforma da Previdência permite fazer isso de uma forma planejada.
Em 1997, um professor fez um relatório dizendo que se medidas não fossem tomadas, o sistema ficaria sem dinheiro em uma década. Houve alvoroço e o presidente da confederação de sindicatos disse que o professor não sabia do que estava falando, porque o Estado quebraria antes da Previdência quebrar.
Ele estava certo, foi exatamente o que aconteceu. As pensões foram pagas, o Estado teve que pegar dinheiro emprestado e foi ele que quebrou, levando consigo o sistema previdenciário.
O argumento é feito aqui internamente, usando o estado do Rio de Janeiro como exemplo do que acontece quando o governo se torna incapaz de pagar aposentados.
Essa questão foi colocada de forma dramática em junho de 2015, pouco antes do referendo. Com negociações rompidas e a briga com a União Europeia, não havia dinheiro para nada, mas o governo precisava pagar um empréstimo para o FMI, o "credor sênior" do sistema financeiro internacional.
Era pagar o FMI ou as pensões. Ao invés de fazer os aposentados esperarem, deram o calote no FMI.
Há dívida implícita e explícita. A implícita são as promessas para aposentados e pensionistas, que não estão em nenhum contrato. Podem em teoria ser ajustadas, enquanto empréstimos do FMI, por exemplo, são bem explícitos sobre quando e como pagar.
Na hora do aperto, quando um governo precisa escolher entre pagar um credor internacional ou seus cidadãos, quase todos os governos democráticos fariam o que o governo grego fez. A dívida implícita é tão real quando a explicita.
Mas como enquadrar isso? A Grécia fez suas reformas sob pressão. No Brasil, a discussão acontece após uma recessão brutal e déficits explosivos. Falam em uma quebra no futuro, mas não seria melhor focar no ataque aos privilégios?
Se você falar em termos de gerações, é bem óbvio. Os jovens serão menos ricos por causa de mudanças tecnológicas e a chamada “economia colaborativa”, enquanto há uma geração sortuda de baby boomers se aposentando agora.
O problema na Grécia e no Brasil é que um sistema desenhado para redistribuir entre gerações também pode ser usado para distribuir dentro das gerações. A briga acaba se tornando entre trabalhadores da eletricidade versus petróleo, homens versus mulheres, etc.
Ou: porque eu tenho que pagar a conta? Em um sistema fragmentado, você sempre pode achar um grupo com mais privilégios que você.