Economia

"Previdência é problema de médio prazo", diz economista de Boulos

Marco Antonio Rocha, que coordena programa econômico do PSOL, propõe revogação da reforma trabalhista e descarta privatizações ou abertura comercial

Marco Rocha, economista do PSOL (Campanha/Divulgação)

Marco Rocha, economista do PSOL (Campanha/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 16 de agosto de 2018 às 06h00.

Última atualização em 16 de agosto de 2018 às 15h00.

São Paulo - A Previdência não é a fonte do nosso atual problema fiscal e será um problema apenas no médio prazo.

É o que defende o economista carioca Marco Antonio Rocha, de 39 anos, professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do programa econômico de Guilherme Boulos, candidato à Presidência pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade).

Entre as suas principais propostas está a revogação do teto de gastos e da reforma trabalhista, além de mudanças tributárias e intervenções no mercado financeiro.

Veja a seguir os principais pontos da entrevista realizada com Rocha na última quinta-feira (09) na sede do Grupo Abril em São Paulo:

EXAME - Qual é o diagnóstico que vocês fazem da crise brasileira?

Marco Antonio Rocha - Tem dois componentes. Um é estrutural, de perda da participação da indústria no PIB, reprimarização da pauta exportadora e ampliação do hiato tecnológico.

E tem fatores conjunturais dos últimos anos do primeiro governo Dilma, mudanças na gestão macroeconômica que provocaram um desequilíbrio financeiro do setor privado, comprometendo a margem de lucro e criando uma baixa rentabilidade da indústria que dificultou os investimentos.

A partir da Lava Jato, também tem uma paralisação dos investimentos da Petrobras, que desempenhava desde a crise de 2008 um papel contracíclico, e o complemento foi a partir de 2015 tentar resolver isso com austeridade.

Mas não se resolve uma crise de endividamento e interrupção de investimentos por fatores exógenos pela reinstituição da confiança... não que não seja importante, mas não é o remédio exato para a causa.

A causa é o endividamento do setor privado por falta de investimento público?

Uma frustração das expectativas quanto à continuidade do investimento público e também, a partir de 2012 e 2013, o câmbio que foi bater no passivo das empresas.

Mas como criar espaço para o investimento público em um Orçamento rígido, déficit anual de R$ 150 bilhões e Previdência comendo uma parcela cada vez maior?

Tem três formas. Um é uma reforma tributária progressiva sobretudo no Imposto de Renda da pessoa física de rendimentos mais elevados, permitindo um ganho que depois vai se neutralizando via uma simplificação tributária sobre consumo.

O segundo é a revisão das isenções, R$ 55 bilhões em um primeiro momento, e dar centralidade estratégica para estes gastos hoje dispersos e com poucos efeitos contabilizados.

E um terceiro é revisar a gestão da dívida pública. Não tem como ela continuar consumindo tantos recursos, é totalmente fora do padrão de economias industrializadas. Isso pode ser feito via regulamentações do mercado financeiro para tornar as variáveis macroeconômicas menos voláteis.

Mas o que significa isso na prática, controle do câmbio?

É regular o mercado de câmbio, principalmente o futuro, que tem uma capacidade de determinar o mercado a prazo que é anômala e torna o Real uma das moedas mais voláteis do mundo.

Tem que parar de remunerar os mecanismos de recuperação de liquidez e operações compromissadas e controlar os  mecanismos pelos quais o governo assume o risco do setor privado. Não tem muito da onde tirar, são essas três possibilidades para controlar as contas e dinamizar a economia.

Mas temos aposentadorias públicas com média muito mais alta do que no INSS e sem idade mínima, algo que poucos países não tem. A projeção é de envelhecimento rápido da população e já gastamos muito nessa área em qualquer comparação internacional. A trajetória precisa mudar?

A Previdência tem que passar por uma discussão pública, mas devemos mirar em algumas coisas: primeiro nas assimetrias do setor público, que é muito heterogêneo. Algumas categorias têm rendimento muito alto que precisa ser revisto, mas em termos do regime não é o todo.

Gasto previdenciário é estruturante, é importante para a economia do interior e oferece um colchão. A quantidade de famílias com renda sustentada ou complementada pelos benefícios é expressiva na crise. Não é só um gasto, é questão de cidadania.

E mirar onde está o problema, que é o regime próprio. Tem que controlar privilégios, mas é falso que seja a fonte do nosso problema fiscal. É um problema de médio prazo, mas também é politica social.

Cerca de dois terços dos beneficiários ganham um salário mínimo. Mantendo esse piso, eles estariam preservados de uma reforma. O sistema hoje arrecada via impostos sobre consumo para pagar benefícios altos durante décadas.

Todas essas questões devem ser revistas, mas sem abandonar um sistema tripartite – financiado via setor público, privado e trabalhador - que busca universalidade e solidariedade e não deve ser contabilizado via critérios de capitalização.

É que são dois debates: modelo de repartição contra capitalização, e outro de como tornar o sistema menos regressivo.

Um teto tem que ser cobrado e imposto.

Vocês são contra uma idade mínima de aposentadoria?

Na ultima reforma da Dilma já se caminhou para um certo limite. A gente ainda não discutiu como estabelecer uma idade mínima.

Você falou da dívida pública, hoje por volta de 75% do PIB. Qual a posição sobre o teto de gastos?

Propor revogação. Está ficando cada vez mais consensual que não vai dar pra manter minimamente a estrutura social e o episódio da CAPES foi simbólico disso.

Mas a perspectiva de endividamento insustentável causaria turbulência financeira. O que ficaria no lugar do teto?

Vai haver regras fiscais, mas essas não são críveis e qualquer governo eleito terá que propor novas.

A nossa é um regime com regras mirando teto da dívida ou um cronograma de longo prazo, que traz sinalização mas cria espaço para planejar investimento público, recuperar a infraestrutura e diminuir o caos urbano.

E o espaço viria de alta de carga tributária e revisão de isenções?

E redução do custo médio da dívida, que daria um espaço fiscal para investimento no curto prazo. E o crescimento propicia recuperação das receitas, para dar mais fôlego ao investimento de longo prazo.

Com superávit primário?

A gente mira num regime que não seja baseado no controle via superávit primário. Não é que não vá haver controle, mas ele virá com planejamento plurianual e divida associada a um teto.

Queria entender a transição: como controlar a dívida sem economizar recursos para pagá-la? 

O primeiro é impondo fluxo de capitais, controle dos mecanismos de remuneração de liquidez e das operações compromissadas, e maior regulação no mercado interbancário e cambial. Impondo o risco do mercado para o mercado, não precisa fazer uma rolagem de dívida tão cara.

Reduzindo os juros?

Inclui sim acelerar, no médio e longo prazo, a queda dos juros e ter um perfil mais longo da dívida pública com menor custo médio. Planejamos ficar um pouco acima do custo médio da OCDE.

Mas os juros lá são menores porque o risco é menor; são economias mais produtivas.

O custo dos juros no brasil não é só risco. É uma série de questões, incluindo a gestão do Banco Central. Defendemos um BC independente do mercado financeiro, o que significa impor quarentena sobre essa porta giratória de entra no mercado, volta pro BC e vai para o financeiro de novo.

Isso significa mandato duplo, que é o BC também responder por taxa de desemprego. Hoje a institucionalidade do BC favorece o aperto e temos que impor outra, inclusive no regime de metas.

Por exemplo, sair do calendário fiscal e passar para um controle plurianual ou de 12 meses acumulados, pensar a partir do núcleo, tirando alguns preços ou reduzindo o peso dos administrados.

Não é um risco para um país com o nosso histórico inflacionário?

O tempo passou; nossa hiperinflação acabou em 1994. Os anos mais recentes de inflação mais alta foram provocados por preços administrados, choque cambial ou as duas coisas, porque tem preços administrados indexados pelo IGP-M que tem um componente cambial.

Também precisamos rever certos mecanismos de indexação e tudo isso vai diminuir a volatilidade e o custo de gestão da dívida.

Isso implica mexer em reservas?

Não vejo com antipatia. Fala-se de mexer torno de 10% das reservas. Não colocamos até por achar que em um momento de transição é importante ter um colchão de segurança, mas não é um debate fechado.

E a reforma trabalhista, vocês teriam feito algum tipo?

Ajustes tem que fazer de tempos em tempos, mas a ideia é propor a revogação dessa reforma que é desastrosa e cria um problema maior do que resolve.

A gente tem industrialização de longa data e já fizemos a transição urbana, o que impõe um custo estrutural da mão de obra de outro patamar. Estamos competindo com países de urbanização e industrialização, e portanto custo estrutural de mão de obra, muito menor.

Dificilmente faremos o do Brasil chegar nesse nível e um exemplo é o México, que hoje exporta manufaturas mas tem uma sociedade desestruturada. É a armadilha da renda média: não conseguimos complexidade na manufatura, mas também não somos competitivos em custo.

Países como Vietnã e Tailândia estão planejando o salto tecnológico. Se entrar nessa discussão assim, vamos competir com Bangladesh e ainda desestruturar nosso mercado interno, que pode ser um ativo para sair da crise. A reforma trabalhista cria incerteza sobre a manutenção dos rendimentos do trabalho.

De que forma?

Imagine alguém que está em um emprego precário e não sabe se vai ganhar nesse mês o que vai ganhar mês que vem. Como vai comprar um bem de consumo durável que só é vendido no Brasil à prestação? Se você joga essa incerteza pras famílias, deprime o seu consumo.

Mas além da questão do nível de proteção, é alto o passivo gerado pelo número de disputas que terminam na Justiça, em comparação internacional. 

Tem um certo mito. Em países que tem regulação trabalhista esses passivos também são altos e muitos conflitos param na Justiça, mas às vezes os dados não aparentam porque a estrutura jurídica é diferente. Países sem isso geralmente são aqueles que não tem regulação trabalhista e a gente não quer ter competitividade frente a eles, e sim para ter mais valor agregado.

Mas há um problema da insegurança jurídica e da complexidade, assim como no tributário.

É por isso que tem que reduzir a carga sobre consumo, toda a complexidade está ligada a isso. A gente apoia migrar para o IVA (Imposto de Valor Agregado) recolhido no destino, mas sem desestruturar o financiamento da seguridade, talvez criando uma contribuição sobre valor adicionado para isso.

Não dá pra gente querer ter serviços públicos de qualidade com carga tributária de 3º mundo. É preciso compensar no IR de pessoa física e talvez até reduzir o IR de pessoa jurídica. A gente quer uma reforma que não mire apenas na eficiência, mas seja mecanismo de redução das desigualdades.

Com imposto sobre dividendos e grandes fortunas?

Os dois estão no programa, assim como um planejamento federal no imposto sobre heranças para unificar a alíquota entre os estados. Propomos um investimento maior no Incra, importante pela fiscalização da estrutura fundiária para cobrança do ITR.

O ganho tributário não é tão significativo mas é importante para justiça social e funções extra-tributárias, como atualizar valores, reduzindo a especulação de terra e imobiliária. Mas IR de pessoa física é a chave.

Sem aumentar a faixa de isenção, como alguns propõem?

Defendemos a atualização da tabela de valores e com isso uma parcela grande já passaria a ser isenta.

O Brasil é uma das grandes economias mais fechadas do planeta, considerando soma de exportação e importação como parcela do PIB.

Se a gente pega por exemplo o coeficiente de importação da manufatura brasileira, ele é altíssimo.

Mas Serviços é 70% do PIB.

Se a gente pegar índices em relação ao PIB, como a economia é muito grande, ele tende a ser baixo. A gente sabe se é aberto ou não pela manufatura, que mostra se somos inseridos ou não em certas cadeias de valor.

Somos uma economia aberta do ponto de vista industrial e isso é importante porque desmistifica a ideia de que se abrir, vamos importar muito mas também exportar muito. Não, a gente já importa muito.

Mas se o Brasil importa tanto, por que está tão longe da fronteira tecnológica?

Nós temos um parque industrial que funciona importando muito. A indústria automotiva é um exemplo e não está tão longe de mercados comparáveis, como a Índia, mas com esse coeficiente alto.

Desde os anos 90 as nossas grandes empresas migraram para setores onde possuíam vantagens comparativas mais difíceis de questionar. O padrão entre os conglomerados diversificados foi fechar a parte de bens de capital ou insumos básicos e migrar para áreas intensivas em recursos naturais, perdendo densidade industrial nos setores de maior complexidade tecnológica.

Não é que produzimos bens complexos mas defasados; [essa] empresa não existe mais, como a Gradiente. É difícil ganhar competitividade em setores que não tem nem empresa nacional. Pode atrair alguém pra fazer aqui dentro, mas não significa que o pais está ganhando.

O que fariam com o possível acordo Mercosul-União Europeia?

Tem que ser estudado melhor. Acordos comerciais entre blocos com grandes assimetrias produtivas, se não tem ações de politica industrial conjunta, não vai ter convergência por si só.

Ou é uma divisão do trabalho que joga a economia latino-americana para um perfil cada vez mais primário-exportador ou as empresas europeias vão se estabelecer aqui em regime de maquila.

E privatizações?

Nenhuma no radar. A gente interromperia a venda das coligadas da Eletrobras, vai propor a revisão dos leilões do pré-sal e, dentro do possível, interromper a venda da Embraer.

 

 

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