Para Prescott, pacote de Obama desestimula o país
Nobel de Economia acredita que recuperação demora a chegar também por apostas ruins dos bancos
Da Redação
Publicado em 6 de maio de 2009 às 14h12.
Nobel de Economia em 2004, Edward Prescott acredita que o pacote de estímulo de Obama não se diferencia tanto das más políticas econômicas que levaram à crise na medida em que, na verdade, desestimulará os EUA. Ele acredita que os números do primeiro trimestre da economia e das empresas americanas serão ruins, mas algum crescimento é esperado para este trimestre. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
O pior da crise já passou?
- Não. A crise atual resulta de más políticas econômicas adotadas pelos EUA nos últimos anos e também nos últimos meses. Há menos de um ano, tivemos o pacote de estímulo feito pelo governo Bush e o Senado democrata. Mas o Obama fez coisas muito piores com o seu plano de estímulo. Hoje, as pessoas estão amedrontadas com as medidas tomadas pelo novo governo (de resgatar bancos e empresas) e o resultado é que elas não estão investindo. As pessoas não estão comprando carros novos, todo mundo fica esperando para ver o que vai acontecer. O fato é que a produtividade ia bem nos EUA até o terceiro trimestre do ano passado, até que tivemos os terríveis problemas no último trimestre. E ao invés de reagir de forma correta, promovendo cortes de impostos ou cortes de gastos, o governo Obama lançou um pacote de estímulo que vai desestimular a produção no país.
Como o senhor vê o desempenho das bolsas de valores americanas. Seus preços estão sub-avaliados?
- Sim, creio que na ordem de 30%. Tivemos um bom mês em março e agora (9 de abril) a queda do ano é da ordem de 3%. Em curto prazo, o mercado de ações continuará muito volátil, o que é amedrontador. Mas vejo uma forte regressão aos fundamentos em termos do valor do mercado de ações em relação ao valor do setor corporativo. Essa relação deveria ser da ordem de 1,4 em relação ao PIB americano, mas hoje é de 1,1. E tenho notado também que o nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento tem se mantido nos EUA. Em momentos de crise, para sobreviver, as empresas tentam fabricar produtos melhores, como se elas antecipassem a recuperação, para que quando ela vier, tais empresas estejam bem posicionadas. E quando as empresas investem em P&D, elas acabam cortando, num momento de crise, parte de seu faturamento. Mas por outro lado, elas estão gerando valor.
O senhor acredita que a pujança do setor privado americano seja capaz de resgatar o país da crise, a despeito dos erros que o senhor aponta na política econômica do governo Obama?
- Dificilmente a recuperação virá em curto prazo, porque os bancos fizeram péssimas apostas. Eles estavam se comportando como se estivessem num cassino e mandando a fatura para os contribuintes americanos. E como eles são grandes demais para quebrar, agora eles se vêem resgatados pelo governo. O preço dessa conta é enorme e os recursos gastos pelo governo para resgatá-los acabarão sugando a energia do setor produtivo. Para pagar a conta, o governo vai ter que aumentar os impostos e isso acaba desestimulando a livre iniciativa. Isso acontece porque se um investidor acreditar que a economia estará deprimida no futuro, ele não vai apostar em novos empreendimentos. Essa é a dinâmica. Além disso, a carga dos impostos também é um desincentivo à produtividade. Os EUA e outros países industriais trabalham, em média, 40% a mais do que os países da Europa Ocidental. Na Europa Ocidental os impostos são cerca de 60% mais altos do que nos EUA ou no Canadá. Logo, o aumento de impostos acaba penalizando a produtividade.
Quais serão os sinais mais consistentes de recuperação, quando ela vier?
- A melhor medida é o PIB per capita do país. Hoje, o Brasil tem um crescimento populacional levemente maior do que o americano, que é de 1,4%, enquanto o do Brasil é 1,8%. Creio que por enquanto, não temos nenhuma recuperação à vista nos EUA, e que o desempenho da economia americana no primeiro trimestre será comparável ao do último trimestre de 2008. Mas então, no segundo trimestre, teremos algum crescimento, no sentido de que a economia estará menos deprimida. As pessoas têm cortado as despesas de forma tão profunda nos últimos tempos, que isso vai mudar. A certa altura, elas vão voltar a comprar um carro novo ou a reformar a casa. Nem todas as empresas americanas continuam tão pessimistas. E a confiança é tão importante, porque é ela quem cria investimentos e empregos. Mas a minha principal razão para o pessimismo é que os EUA parecem estar nacionalizando o sistema bancário e talvez também as montadoras. A justificativa para isso é que ambos os setores são grandes demais para quebrar. O que me parece estranho é que temos visto várias empresas aéreas falirem e o resultado é que as empresas sobreviventes são melhores e que hoje o preço das passagens é mais baixo e que o serviço oferecido por elas é bastante conveniente. O mesmo acontece com as siderúrgicas americanas, em que vimos muitas falências e concordatas.
E como o sr. enxerga o Brasil em meio à crise?
A crise também trouxe conseqüências negativas para o Brasil, com a queda acentuada de suas exportações, deprimindo sua economia. Mas creio que em longo prazo o Brasil será um dos países ricos do mundo. Mesmo que os EUA sigam políticas econômicas equivocadas, o Brasil poderá se sair bem. O Brasil tem vastos recursos naturais, níveis crescentes de produtividade e o seu país tem se modernizado, tornando-se mais capaz de gerar poupança interna e de atrair investimentos estrangeiros. Além disso, também seria importante que o Brasil fizesse investimentos diretos no exterior. Isso tornaria o país mais integrado ao resto do mundo. E quando um país se integra na economia global, principalmente com as economias mais avançadas, ele se desenvolve mais rapidamente.
Para chegar lá, entretanto, o país precisará passar por mudanças, a exemplo do que aconteceu com empresas do leste europeu. Quando elas se integraram à União Européia, tiveram que se modernizar rapidamente.
Nos 50 anos que antecederam a II Guerra Mundial, as economias do leste europeu tinham uma produtividade e um padrão de vida ligeiramente superior à metade do padrão americano. Mas depois que os europeus do leste entraram para a EU, sua produtividade acabou se equiparando à americana em termos de horas trabalhadas. Eles tiveram uma enorme arrancada competitiva, integrando-se, como estados soberanos à Europa Ocidental.
Já na América Latina, o Chile tem-se destacado em termos de crescimento da produtividade. Creio que em algumas décadas o Chile fará parte do clube dos ricos e o mesmo pode ser dito da China. No caso da China, se ela continuar crescendo como hoje, por volta de 2025 será um país rico. E o Brasil poderia ter uma aceleração do crescimento, mas honestamente não compreendo a política brasileira. Parece que nos últimos anos o Brasil tem se saído muito bem em termos de ter estabilidade, atraindo investimentos de empresas multinacionais. E à medida que essas empresas agregam sua tecnologia ao Brasil, elas aumentam a produtividade brasileira. E a produtividade é o fator determinante do padrão de vida de um país. Não creio que o Brasil venha a exibir algum tipo de catch-up espetacular, como a Coréia do Sul, ou Taiwan, e mesmo o avanço que agora vemos na China, mas ele poderá avançar enormemente nas próximas décadas. Para que isso aconteça, os estados brasileiros terão que obter maior autonomia em relação ao governo central e o Brasil terá que fortalecer suas instituições e manter claras as regras do jogo para a livre iniciativa.