"China voltará a comprar com força a safra dos EUA, o que não aconteceu nos últimos dois anos”, diz analista Pedro Dejneka (Stringer/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 17h46.
Última atualização em 16 de janeiro de 2020 às 17h55.
O acordo comercial assinado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, trouxe poucos detalhes sobre como ocorrerão as compras adicionais de produtos agrícolas norte-americanos pelos chineses, mas uma coisa parece clara: a bonança de dois anos da soja brasileira deve acabar.
Mas agricultores dos EUA talvez ainda tenham de esperar para comemorar: embora a China tenha concordado em gastar cerca de US$ 32 bilhões a mais em produtos agrícolas dos EUA anualmente nos próximos dois anos, a soja brasileira não será eliminada da equação.
O mais provável, dizem traders e analistas, é que os ciclos de colheita e diferenciais de preços levem o mercado de volta ao antigo status quo.
Isso significa que a oferta brasileira terá alta demanda no primeiro semestre do ano, quando o país colhe sua safra e, portanto, tem vantagem competitiva. Os EUA dominam no segundo semestre, quando sua produção ganha força e pode competir melhor em termos de preço.
Grande vencedor
O Brasil aumentou consistentemente a produção de soja desde o início deste século para ajudar a atender a forte demanda da China pela semente oleaginosa, usada em produtos como ração animal e óleo de cozinha. As tensões comerciais aceleraram esse processo.
Durante a disputa comercial iniciada em 2018, o Brasil reinou nos dois semestres do ano e, sem dúvida, o período foi particularmente bom para os agricultores do país.
As exportações da oleaginosa para a China subiram para um recorde de 69 milhões de toneladas em 2018, e a área plantada também atingiu nível recorde na temporada seguinte. O Brasil está a caminho de superar os EUA como o maior produtor mundial de soja este ano.
A primeira fase do acordo comercial promete começar a reduzir esses ganhos, embora uma mudança mais relevante no fluxo da commodity ainda deva levar um tempo para acontecer.
“A China já se comprometeu a comprar a maioria dos grãos do primeiro semestre de 2020 da América do Sul”, disse Terry Reilly, analista sênior de commodities da Futures International.
Os estoques de soja dos EUA estão mais de 50% abaixo do recorde de 2018, por isso o aumento real das vendas do país só deve ocorrer quando os agricultores começarem a colher em setembro.
Redução das exportações
Mesmo com alguma proteção por meio de vantagens de preços e época das colheitas, as exportações anuais do Brasil serão afetadas.
O país é o maior exportador de soja do mundo, e o produto responde pela maior parte da balança comercial. A receita desses embarques totalizou R$ 26,1 bilhões (US$ 6,24 bilhões) em 2019.
“O Brasil se acostumou a exportar pelo menos 70 milhões de toneladas de soja em cada um dos últimos dois anos”, disse Pedro Dejneka, sócio da MD Commodities, em Chicago.
Os embarques brasileiros devem ter um bom desempenho no primeiro semestre favorecidos pela safra recorde e um dólar valorizado, “mas, a partir de meados do ano, a China voltará a comprar com força a safra dos EUA, o que não aconteceu nos últimos dois anos”, disse.
Em uma estimativa preliminar, ele diz que os embarques do Brasil poderiam encolher em até 10 milhões de toneladas, para 64 milhões, já que a participação do país nas importações chinesas tende a voltar para os níveis anteriores aos da guerra comercial. O Brasil exportou 74 milhões de toneladas no ano passado.
Prêmios altos
As exportações do Brasil para a China se mantiveram em alta no segundo semestre de 2018 e 2019, mesmo com um prêmio elevado em relação à oferta dos EUA.
No início deste ano, os preços de exportação em portos brasileiros mostram vantagem devido aos menores custos de frete, à desvalorização do real e à expectativa de uma colheita recorde. Isso significa que os embarques devem permanecer fortes nos próximos meses, assumindo que não haja compromissos firmes de compra da China no acordo comercial.
Tom Kehoe, assessor de comércio dos EUA, disse no mês passado que a China seguirá as regras de mercado quando retomar compras dos EUA, o que significa que o país asiático escolherá quem vender mais barato.
Outro ponto importante da equação são as tarifas retaliatórias de 30% que a China manteve sobre a soja norte-americana, correspondendo a uma promessa semelhante de Trump sobre produtos chineses. E, embora a China tenha autorizado isenções a algumas compras de soja dos EUA no período até a assinatura, o país asiático também continuou comprando bons volumes do Brasil.
Os contratos futuros de soja caíram na quarta-feira em resposta ao anúncio do acordo, refletindo o ceticismo de traders e agricultores sobre seus efetivos impactos sobre as exportações norte-americanas, pelo menos no curto prazo.
“A China vai abrir a porta para a soja dos EUA, mas comprará do fornecedor que for economicamente mais viável”, disse Vinicius Ito, vice-presidente de derivativos da RJ O’Brien & Associates, em Nova York.
Pergunta iminente
O boom na importação chinesa de soja impulsionou uma forte expansão na área plantada brasileira desde o início dos anos 2000, para um pico de 36,8 milhões de hectares nesta safra. Isso deve ajudar o Brasil a retomar o primeiro lugar como o maior produtor mundial neste ano.
Sem o estímulo da guerra comercial, ainda não se sabe se os agricultores manterão esse nível de expansão ou irão interromper o crescimento.