Para salvar a reunião de Miami, Brasil pode ter comprometido a Alca
Financial Times diz que o Brasil colocou os Estados Unidos em um beco sem saída, mas que vitória da diplomacia brasileira pode ser inócua
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h39.
O resultado do encontro ministerial entre os 34 países que formarão a Área Livre de Comércio das Américas (Alca), que terminou um dia antes do previsto, pode ser considerado bem sucedido se comparado ao da reunião anterior, no México. De acordo com reportagem desta sexta-feira (21/11) do Financial Times, poderia ter sido muito pior levando em conta as enormes diferenças entre os interesses colocados em discussão.
Entanto, diz o jornal britânico, se houve entendimento, ele tem um preço: um acordo vago e ambíguo. Salvar o encontro passou a ser mais importante do que salvar a Alca , disse um empresário americano à reportagem do FT a respeito da postura dos negociadores de seu país durante o encontro.
Em vez de apontar diretrizes claras e objetivos de grande alcance, o esboço do acordo define metas inalcançáveis , diz o FT.
Grupos empresariais americanos que pressionam por um acordo abrangente e ambicioso que abra todos os mercados envolvidos manifestaram sua insatisfação. A Associação Nacional de Manufatureiros afirmou que não valeria a pena firmar um acordo que chegasse pouco além daquilo que a Organização Mundial do Comércio (OMC) já determina. O setor agrícola brasileiro disse que não está interessado em acordos bilaterais com os EUA. Um movimento liderado pelo Canadá para definir metas concretas foi derrotado durante a semana.
Perderam para a diplomacia brasileira. O Brasil, um país que demonstra pouco entusiasmo pela Alca, afirmou que não aceitaria uma declaração diferente do esboço redigido em parceria por brasileiros e americanos, que juntos presidem as negociações para a criação da Alca , afirma a reportagem. O Brasil conseguiu convencer até o governo americano, que até então havia sido o mais ativo defensor de uma Alca forte.
A verdadeira razão do recuo americano é esta: o Brasil colocou os Estados Unidos em um beco sem saída ao deixar claro que o encontro de Miami fracassaria caso suas posições não fossem respeitadas. E o fracasso do encontro teria um alto custo político para o governo americano , diz o jornal.
O desentendimento seria especialmente constrangedor, pois a Flórida é um Estado decisivo para a reeleição do presidente George W. Bush, e o governador do Estado - seu irmão, Jeb Bush - apóia com entusiasmo a campanha de Miami para tornar-se a sede internacional da Alca.
A reportagem segue dizendo que ao explorar o dilema americano, os brasileiros garantiram que o roteiro da Alca refletisse sua idéia de um projeto mínimo. O esboço determinaria que os países firmassem acordos relativos somente a direitos e obrigações elementares, e permitiria a todas as nações que não assumissem outros compromissos caso não desejassem.
Mesmo assim, a vitória da diplomacia brasileira poderá ser inócua. O Brasil deverá sediar o próximo encontro ministerial da Alca em junho ou julho, poucas semanas antes do prazo de encerramento para as negociações relativas à abertura de mercados.
Apesar da clara redução da abrangência do projeto conquistada nesta semana, o avanço das negociações ainda demandará muito esforço. Caso não surjam novas conquistas, o Brasil - mesmo sendo o anfitrião do próximo encontro - dificilmente poderá escapar da culpa.