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Para ministro da Justiça, "a reforma é fabricar nuvens, não é fazer chover"

Márcio Thomaz Bastos diz que reforma do Judiciário não é "panacéia" e pode trazer benefícios à economia brasileira ao demarcar interpretações claras e simplificar os processos

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h59.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não esconde o entusiasmo com a tramitação rápida das leis que compõem a reforma do Judiciário no Congresso. Para ele, mudar a estrutura da justiça brasileira é uma necessidade não só para melhorar a relação do poder judiciário com a sociedade brasileira, mas também para desatravancar a economia. "Precisamos trazer o Judiciário para a República", diz o ministro. Aprovar as novas leis, que passam a valer a partir de abril, são para o ministro fabricar as "nuvens". Mas o governo não vai fazer chover. Isso caberá à sociedade e aos juízes. A seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.

Portal EXAME - O senhor costuma dizer que está na hora de trazer o judiciário para dentro da República. Qual sua avaliação sobre o judiciário no Brasil?
Márcio Thomaz Bastos -
O poder judiciário no Brasil viveu muito tempo fechado nele mesmo, mais do que os outros poderes. Tanto assim que a necessidade da reforma vem de muito tempo atrás. Já na Constituinte a OAB propunha o Conselho Nacional de Justiça, esse que foi criado agora, e do Conselho Nacional do Ministério Público. São órgãos para ter duas funções: planejamento estratégico centralizado e corregedoria. Para fazer isso que eles estão fazendo agora em relação ao nepotismo. Houve uma reação muito grande do poder judiciário. Acho que naquela época não havia massa crítica e só quem estava interessado na discussão, efetivamente, eram os advogados, os juízes e os promotores: os protagonistas do drama processual e judicial. Passou, continuamos brigando, a OAB continuou lutando e depois foi apresentado uma emenda constitucional pelo deputado Hélio Bicudo em 1992, que ficou tramitando devagar, ia e vinha pelo Congresso. Isso não estava na agenda nacional.

EXAME - O que mudou agora?
Bastos - O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) tem uma noção muito clara que, para ter uma democracia precisa ter um judiciário democrático. Quando assumimos o governo, no meu discurso de posse, falei em reforma do poder judiciário, Quando falei, fui brindado com um ceticismo geral. Diziam que não está na agenda e eu disse que era preciso pôr na agenda. Criamos aqui uma Secretária de Reforma do Judiciário, que num primeiro momento criou uma repulsa e uma resistência muito grande dentro do poder judiciário. Fomos trabalhando e o resultado que me pareceu importante disso tudo foi uma mudança de atitude do país em relação ao poder judiciário.

Lentamente se passou a ver que esse era um problema fundamental para o país: era um gênero de primeira necessidade criar um judiciário mais rápido, mais eficiente e mais perto do povo. Não só para ajudar na segurança, na punição mais rápida, com a resposta penal mais rápida, mas também para desatravancar a economia. Quando começamos a olhar o que acontecia foi se percebendo a necessidade mais importante de se fazer uma reforma infra-constitucional e uma reforma de gestão do que uma reforma constitucional, que é aquela que vinha tramitando no Congresso. Nós fomos forçando, a reforma constitucional passou no que ela tinha de importante e fundamental. E foi promulgada em 8 de dezembro de 2004. Dali a uma semana articulamos um pacto de Estado por um judiciário mais republicano e mais rápido e foi assinado pelo presidente Lula, pelo presidente do STF e pelos presidentes da Câmara e do Senado. Nesse mesmo dia, mandamos 26 projetos de regras de trânsito do processo, regra do jogo, para processo civil, penal e trabalhista.

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O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não esconde o entusiasmo com a tramitação rápida das leis que compõem a reforma do Judiciário no Congresso. Para ele, mudar a estrutura da justiça brasileira é uma necessidade não só para melhorar a relação do poder judiciário com a sociedade brasileira, mas também para desatravancar a economia. "Precisamos trazer o Judiciário para a República", diz o ministro. Aprovar as novas leis, que passam a valer a partir de abril, são para o ministro fabricar as "nuvens". Mas o governo não vai fazer chover. Isso caberá à sociedade e aos juízes. A seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.

Portal EXAME - O senhor costuma dizer que está na hora de trazer o judiciário para dentro da República. Qual sua avaliação sobre o judiciário no Brasil?
Márcio Thomaz Bastos -
O poder judiciário no Brasil viveu muito tempo fechado nele mesmo, mais do que os outros poderes. Tanto assim que a necessidade da reforma vem de muito tempo atrás. Já na Constituinte a OAB propunha o Conselho Nacional de Justiça, esse que foi criado agora, e do Conselho Nacional do Ministério Público. São órgãos para ter duas funções: planejamento estratégico centralizado e corregedoria. Para fazer isso que eles estão fazendo agora em relação ao nepotismo. Houve uma reação muito grande do poder judiciário. Acho que naquela época não havia massa crítica e só quem estava interessado na discussão, efetivamente, eram os advogados, os juízes e os promotores: os protagonistas do drama processual e judicial. Passou, continuamos brigando, a OAB continuou lutando e depois foi apresentado uma emenda constitucional pelo deputado Hélio Bicudo em 1992, que ficou tramitando devagar, ia e vinha pelo Congresso. Isso não estava na agenda nacional.

EXAME - O que mudou agora?
Bastos - O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) tem uma noção muito clara que, para ter uma democracia precisa ter um judiciário democrático. Quando assumimos o governo, no meu discurso de posse, falei em reforma do poder judiciário, Quando falei, fui brindado com um ceticismo geral. Diziam que não está na agenda e eu disse que era preciso pôr na agenda. Criamos aqui uma Secretária de Reforma do Judiciário, que num primeiro momento criou uma repulsa e uma resistência muito grande dentro do poder judiciário. Fomos trabalhando e o resultado que me pareceu importante disso tudo foi uma mudança de atitude do país em relação ao poder judiciário.

Lentamente se passou a ver que esse era um problema fundamental para o país: era um gênero de primeira necessidade criar um judiciário mais rápido, mais eficiente e mais perto do povo. Não só para ajudar na segurança, na punição mais rápida, com a resposta penal mais rápida, mas também para desatravancar a economia. Quando começamos a olhar o que acontecia foi se percebendo a necessidade mais importante de se fazer uma reforma infra-constitucional e uma reforma de gestão do que uma reforma constitucional, que é aquela que vinha tramitando no Congresso. Nós fomos forçando, a reforma constitucional passou no que ela tinha de importante e fundamental. E foi promulgada em 8 de dezembro de 2004. Dali a uma semana articulamos um pacto de Estado por um judiciário mais republicano e mais rápido e foi assinado pelo presidente Lula, pelo presidente do STF e pelos presidentes da Câmara e do Senado. Nesse mesmo dia, mandamos 26 projetos de regras de trânsito do processo, regra do jogo, para processo civil, penal e trabalhista.

EXAME - A reforma de 2004 é suficiente como reforma constitucional ou precisa de mais?
Bastos -
Acho que ela precisa de mais coisas, mas o essencial saiu, que era criar esse Conselho Nacional de Justiça. Porque - como disse o (ministro do STF Sepúlveda) Pertence em um discurso muito bonito - a justiça brasileira é um arquipélago, um conjunto de ilhas. Você tem a justiça estadual, a federal, a criminal, a civil, a comercial, a trabalhistas, a dos juízes estaduais, os tribunais federais, e cada um faz seu próprio orçamento, seu próprio planejamento. A idéia do Conselho Nacional de Justiça é transformar essas ilhas em um continente, fazer um planejamento estratégico, estabelecer boas rotinas administrativas, abandonar velhas, fazer um planejamento orçamentário e fazer esse trabalho de integração do poder judiciário. Esse órgão se tornou uma peça fundamental, um eixo, um ponto de partida, para se modernizar a gestão do poder judiciário.

EXAME - Porque ninguém nunca tentou unir essas ilhas?
Bastos -
Falta de gestão e o fato de que a existência profissional dos juizes não os prepara para isso. O juiz quando chega a desembargador e presidente do tribunal do Estado em que ele fez a carreira, passou o tempo todo julgando. Ele não tem uma idéia do que seja gestão, seja governança, não tem um olhar longe para ver as coisas como elas são. Ao mesmo tempo, e é bom dizer isso, os juízes são muito corporativos, como todos os poderes. Os organismos são corporativos. E os juízes têm muito poder. Isso foi ficando. É uma herança lá de trás. Quando falo que precisamos colocar o poder judiciário na República o que estou dizendo é que é preciso colocar todos os poderes na República. É preciso cultivar e estabelecer os valores republicanos da impessoalidade, da eficiência.

EXAME - E a questão da gestão?
Bastos -
Estabelecemos convênios em parceria com a iniciativa privada, com a associação dos magistrados e a Fundação Getúlio Vargas e criamos um prêmio chamado Inovare: O Judiciário do Século XXI, cuja idéia era identificar, premiar e difundir boas práticas judiciárias. E verificamos que o judiciário vinha tentando se renovar, desde a primeira instância. Eles estavam vendo que não era possível continuar naquela ramerrão. Havia muitas experiências. Tanto que naquele primeiro concurso - já estamos indo para o terceiro - foi montado um júri que se preparou para receber quarenta inscrições e acabamos recebendo 400.

EXAME - Tem uma renovação vindo de baixo, então?
Bastos -
Tem uma renovação impaciente vinda de baixo. Talvez seja o poder que mais se tenha renovado nessas experiências pioneiras, desburocratizadas e assim procurando as brechas da lei para chegar nisso.

EXAME - E a lentidão é hoje o grande problema do judiciário?
Bastos -
Eu acho que é o grande problema.

EXAME - Mas ela é boa para alguns categorias: para os advogados, para os devedores, para o Estado e até para servir de desculpa para os juízes. Dá para mudar isso?
Bastos - Dá para mudar sim. Está sendo mudado. E o Congresso está cooperando. Quando joga o projeto lá ele está passando fácil. É mudando as regras do jogo que se consegue ter um processo mais ágil e acabar com essa lentidão.

EXAME - No que o projeto acaba com a lentidão?
Bastos -
Pelo processo anterior, do código de 1973, era uma verdadeira gincana, uma corrida de obstáculos. Você ganhava e depois para levar tinha que começar um novo processo. O valor vai se perdendo. E chega até a 70%. Roberto Campos uma vez brincou e disse que um diretor de conselho de empresa que pagasse suas obrigações em dia podia ser processado por gestão temerária, porque ele estava dando prejuízo para seus acionistas. Se ele esperasse e fosse para o judiciário era muito mais barato.

EXAME - E vai funcionar?
Bastos -
Vai funcionar porque ficou um processo simplificado. Antes você ganhava a ação e tinha que citar o devedor de novo, então começava todo o processo novamente. Agora citou uma vez e pronto. Cita no começo, toca a ação. Se ganha, começa a execução, sem precisar começar uma ação de execução. Isso vai funcionar com certeza. Vai diminuir custo Brasil, vai reduzir custo de juro - os bancos repassam esses custos. Eles são os grandes prejudicados com essa demora. Para executar uma fazenda, por exemplo, é um suplício.

EXAME - A tramitação desses projetos está indo rápido e não está chamando muito atenção. O fato de elas não chamarem a atenção é que faz a coisa ir mais célere?
Bastos -
Acho que é uma consciência no Congresso. Nós batemos muito nisso. Não tem disputa política, os grupos de pressão não estão organizados e nós batemos muito nisso. Quando da reforma constitucional, eu sempre prometi que havia uma reforma infra-constitucional. Os outros projetos que ainda não foram aprovados estão caminhando. Os cinco são os mais relevantes. Resolvendo esses cinco a coisa vai começar a desatravancar. Agora, por outro lado, é preciso ver quem é que usa essas leis. E aí precisa ter um choque de gestão.

EXAME - Quem vai fazer essas leis pegarem?
Bastos -
A máquina. Estamos fazendo as coisas com os juízes. Esse prêmio Inovare teve uma importância enorme porque mobilizou a população judiciaria. O sujeito quer ganhar. Então tem muita gente fazendo experiências. Nesse terreno a reengenharia é a informática. Quanto mais você informatiza, melhor fica.

EXAME - Quando terminar esse processo todo a justiça será realmente vai ágil?
Bastos -
As coisas vão fluir. Esse ano a gente já vai ter projetos prontos, todos aprovados. Dá para aprovar em ano eleitoral também. E vai ser este semestre. Estou pressionando. Todo dia a gente cuida disso. Eu ligo, falo, peço. Não está criando disputa eleitoral. É algo que não politizamos e não exploramos. A gente não coloca isso como motivo de vanglória desse governo, mas como um artigo de primeira necessidade para o país.

EXAME - E o efeito disso na economia brasileira?
Bastos -
Reduz o risco jurisdicional e aí tem uma palavra chave: previsibilidade. Não se pode ter decisões monótonas e engessadas, mas pode-se ter decisões numa linha geral previsível, de modo que o sujeito que põe o dinheiro aqui sabe que ele vai ser regido por aquelas regras que são interpretadas de uma maneira clara pelos tribunais. Isso vai ajudar muito.

EXAME -E como conter a avalanche de recursos?
Bastos -
A idéia no mundo inteiro é estabelecer a seguinte estrutura: a pessoa que vai ao judiciário tem direito a uma decisão do juiz. Depois disso, ela não precisa se conformar com aquela decisão se perder. Ela tem um recurso, que é ao tribunal de justiça de seu Estado ou ao tribunal regional federal. Daí para cima, tem que ficar difícil. E tem uma série de projetos restringindo isso com relevância: súmula vinculante, possibilidade de o juiz não dar segmento quando a questão for de direito e houver uma decisão reiterada. Uma série de projetos. A nossa idéia é que o STJ e o STF fiquem como tribunais de exceção: só para casos de violação da constituição ou da lei federal. Hoje no funcionamento da justiça brasileira, o juiz de primeira instância é um lugar de passagem. Agora não.

EXAME - Mas sempre alguém perde e vai recorrer. O que muda?
Bastos -
Você sabendo que só vai ao tribunal de justiça e colocando algumas dificuldades nos recursos, o sujeito vai pensar duas vezes antes de ir. Depois, o STF e o STJ só vão decidir grandes questões, que tenha repercussão geral.

EXAME - Para blindar os dois tribunais existe uma lei específica?
Bastos -
São vários projetos. Não tem um só. Assim, você modifica o centro da questão e trás para a primeira instância, que é o lugar que deve ter a sentença mais pesada ainda.

EXAME - A reforma do judiciário deve ser encarada como uma panacéia?
Bastos -
Não é uma panacéia. Ela não vai por si só fazer o país progredir. Mas ela pode impedir o país de progredir. A reforma é construir nuvem, não é fazer chover. A justiça retarda o crescimento do Brasil. Se você não tiver uma justiça rápida, é muito mais difícil fazer o país crescer.

EXAME - Depois da reforma, para tornar a coisa mais ágil, depende do lado de cá do balcão pressionar para que as leis sejam cumpridas?
Bastos -
Depende da atitude do juiz e do esforço que eles estão fazendo. O direito de defesa é fundamental. Você não pode obstar nem cercear. Ele tem que ser mantido, respeitados os princípios de razoabilidade e proporcionalidade. Não existe direito absoluto. Os juízes são muito prejudicados com a atual situação porque eles têm uma massa de trabalho imerecida e inútil.

EXAME - E as resistências que estão pipocando contra o fim do nepotismo?
Bastos -
É um processo, que não é fácil. Tem que dar dois passos para frente e um para trás. É um ponto de partida forte, que já foi dado, que está se acelerando.

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