O que tira o sono de Wall Street
O mercado financeiro internacional já fez sua opção por José Serra e pela continuidade da política econômica de FHC
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h29.
Não é só Wall Street que tem tirado o sono do Brasil. A recíproca também é verdadeira. Desde março, quando a economia e a política brasileira começaram a emitir sinais duvidosos aos olhos da comunidade financeira internacional, que seus principais bancos, fundos de investimento e agências de risco têm exibido um nervosismo crescente em relação ao país. Apesar de não votar nas eleições para presidente em outubro, o mercado financeiro internacional já fez a sua escolha, optando por José Serra e pela continuidade da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso, sinônimo de tudo o que o capitalismo internacional preza: abertura econômica, equilíbrio nas contas públicas e um relacionamento amistoso com o Fundo Monetário Internacional. Por isso, a cada subida de Lula ou a um tropeço de Serra ou do Banco Central, o alarme dispara em Wall Street.
Primeiro, foi o crescimento de Lula nas pesquisas aliado à queda de sua taxa de rejeição pelo eleitorado. Depois, a briga do PFL com Serra e as denúncias de corrupção contra o economista Ricardo Sérgio, arrecadador de fundos eleitorais (inclusive para o próprio Serra) do PSDB. Há três semanas, a decisão do BC de corrigir os valores dos depósitos de fundos de investimento no Brasil levou à disparada do dólar, aumentando ainda mais as incertezas quanto à saúde da economia brasileira. Na primeira quinzena de junho, o alarme soou alto em Wall Street: na quarta-feira 12, o risco Brasil, que mede a diferença entre os rendimentos dos títulos do Tesouro americano e os dos demais países, bateu na casa dos 1 296 pontos, colocando o país atrás apenas da Argentina e da Nigéria. "Todo esse nervosismo é compreensível", diz o economista Paulo Leme, o brasileiro que dirige a área de mercados emergentes do banco Goldman Sachs. "O mercado internacional nunca foi tão sensível ao que se passa no Brasil. São dez anos de aprendizado em negociar os papéis de países emergentes."
Há duas semanas, ao lado de especialistas em economia e política brasileira, como o brasilianista Albert Fishlow, Leme foi uma das estrelas de um evento promovido em Nova York pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Em pauta, as eleições de outubro. Às 8 da manhã, uma platéia de 120 pessoas formada por altos executivos de bancos, fundos de investimento e empresas com interesses no mercado brasileiro, além de alguns jornalistas e estudantes universitários, reuniu-se para analisar o cenário eleitoral brasileiro. De acordo com os palestrantes, a eleição está longe de ser definida: 30% do eleitorado ainda está indeciso, Serra parece estar começando a decolar e a eleição deverá ser decidida no segundo turno, entre ele e Lula. Tanta certeza durou pouco. Bastou o francês Pierre Debray, chefe da divisão de América Latina do banco Crédit Lyonnais, perguntar: "É possível que o Lula ganhe no primeiro turno?" A resposta foi: "Sim, essa possibilidade existe". Uma onda de perplexidade e sobrancelhas franzidas varreu o salão. Debray, que já morou no Brasil, disse a EXAME mais tarde: "Espero que o Lula não ganhe. Conheço bem o PT e sei que eles adotariam um estilo de confronto com o capital estrangeiro. No Brasil, somos principalmente um banco comercial, e não vamos abandonar o país. Já em Nova York operamos com títulos do governo brasileiro. Caso a eleição do Lula pareça irreversível, vamos nos desfazer desses papéis o mais cedo possível". Debray não está sozinho em sua aversão ao petista.
Naquela manhã, uma pesquisa conduzida pela empresa de consultoria Early Warning sondou a opinião dos presentes ao evento. Para 56,17% dos entrevistados, Serra deverá vencer as eleições. Lula vem em segundo, com 30,9%. Mas, questionados sobre quem eles desejariam que ganhasse, 60% responderam que querem Serra, ante apenas 16,7% para Lula. Como se vê, o número dos que gostariam que Serra vencesse supera os que realmente crêem em suas chances de vitória. É importante notar também que, além de pequeno, o contingente dos que acreditam na possibilidade de vitória de Lula é o dobro dos que realmente torcem por ele. Uma terceira pergunta tratava da saída do capital internacional do Brasil no caso de Lula continuar a crescer nas pesquisas de opinião. Nada menos que 86,7% dos entrevistados disseram que os saques aconteceriam entre o fim de julho e a vitória de Lula. Apenas 13,3% afirmaram não acreditar em fuga alguma de capital caso Lula fosse eleito. Se a fuga de capitais acontecesse, o país mergulharia no caos antes mesmo de Lula tomar posse. "Apesar de não ter pretensões estatísticas, a pesquisa retrata com fidelidade a opinião de uma platéia formada majoritariamente por executivos de Wall Street", diz o cientista político Alexandre Barros, presidente da Early Warning. "Nas duas eleições passadas, meus clientes, predominantemente empresários estrangeiros, interessavam-se pelas oportunidades no Brasil. Hoje, todos querem saber dos riscos."
Os tempos são realmente outros. Quando FHC se elegeu pela primeira vez, em 1994, o real e a abertura da economia atraíram dezenas de bilhões de dólares em privatizações e em investimentos de curto prazo no mercado financeiro. Em 1998, por causa da alta rejeição do eleitorado a Lula, ele não causava insônia a Wall Street. Além disso, a economia americana ia de vento em popa e os bancos estavam mais inclinados a correr riscos. Quando a crise de desvalorização do real estourou em janeiro de 1999, FHC já tinha iniciado seu segundo mandato. "O cenário mudou completamente", diz o economista Nuno Câmara, que dirige o departamento de pequisas de mercados emergentes do fundo de investimentos alemão Dresdner Kleinwort Wasserstein. "Hoje ninguém pode mais se dar ao luxo de perder dinheiro. O mercado está traumatizado com uma série de perdas nos dois últimos anos, como a quebra das empresas ponto-com, o impacto recessivo do terrorismo na economia americana e o calote argentino." Inexistente em tempos de calmaria, o medo do contágio da crise argentina aparece quando o Brasil atravessa momentos de sobressalto, como aconteceu nas últimas semanas.
"Acredito que o Brasil está longe de se tornar uma Argentina, como a própria Copa do Mundo, aliás, já provou", ironiza o brasilianista Albert Fishlow. "Mas, para provar que não é mesmo a Argentina, o Brasil precisa interromper esse círculo vicioso de desequilíbrio, alimentado pelo risco ascendente, que impulsiona a taxa de juro para o alto, que, por sua vez, deteriora as condições da balança de pagamentos brasileira." De acordo com Fishlow, a raiz do nervosismo de Wall Street em relação ao Brasil tem duas pontas: o peso do endividamento brasileiro, tanto no setor público como no privado, e a incerteza gerada pelas eleições presidenciais. Quando combinados, esses dois ingredientes resultam no rebaixamento do Brasil em Wall Street. Desde agosto do ano passado, a agência de classificação de risco Standard & Poors mantém uma perspectiva negativa para o cenário brasileiro. Sua nota -- ou rating, no jargão do mercado -- de longo prazo é BB- para moeda estrangeira e BB+ para moeda local (ou seja, é um pouco mais seguro comprar títulos brasileiros emitidos em reais do que em dólares). "A eleição é um evento político-chave para o Brasil", diz Regina Nunes, presidente da S&P para o país. "O governo Fernando Henrique Cardoso trouxe uma contribuição importante para a previsibilidade das políticas econômicas." E previsibilidade é tudo o que o mercado quer de um governo. A opinião da S&P é amplamente compartilhada por um de seus principais concorrentes, a agência de risco Fitch, que dá notas semelhantes para o Brasil. "Não temos nada de pessoal contra o Lula, mas sim contra a moldura macroeconômica de suas propostas", diz Roger Scher, chefe do departamento de América Latina da Fitch. "Tudo o que olhamos é a capacidade de pagamento de um país. No caso do Brasil, ele tem primeiro de equilibrar de maneira sustentada suas contas públicas. Depois, cada governante pode eleger suas prioridades, como investir em educação básica ou saúde. A campanha do Lula fala em gastos, mas não esclarece de onde virá o dinheiro."
À medida que o nervosismo cresce em Wall Street, cresce também a pressão para que os candidatos a presidente esclareçam sua agenda econômica. "Para se acalmar, o mercado precisa que se construa uma ponte entre a fase eleitoral e a posse do próximo presidente", diz Leme. "Ela deve ser construída pelos candidatos e por seus partidos, que devem apresentar os programas de governo detalhando sólida e coerentemente suas políticas monetária e fiscal. Pela leitura do mercado, hoje José Serra parece o candidato apto a dar continuidade aos avanços realizados no governo Fernando Henrique." Além de programas de governo, Wall Street veria com bons olhos uma visita pessoal dos candidatos. Até hoje, apenas Ciro Gomes deu o ar da graça. Na semana passada, Guido Mantega, principal assessor de Lula para assuntos econômicos, visitou Washington e Nova York tentando aplacar os ânimos da banca internacional contra o PT. Já Serra, o preferido de Wall Street, acaba de anunciar que irá aos Estados Unidos em meados de julho.