Economia

O pior já passou.Por enquanto

É crucial o modo como o novo governo lidará com a inflação

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h04.

As expectativas de crescimento da economia brasileira vinham caindo sistematicamente desde março último, mas essa deterioração cessou na rodada do Relatório de Mercado divulgado no dia 18 no Boletim Focus do Banco Central. As projeções de expansão do produto interno bruto melhoraram para este e o próximo ano. Coisa pouca, é verdade, mas chamou a atenção a mudança da tendência.

Aos números: em março, antes do início da campanha eleitoral e quando tudo parecia tranqüilo no país -- na verdade, dizia-se que havia excesso de otimismo no mercado financeiro --, esperava-se um crescimento de 2,4% para este ano e de 3,6% para 2003. De lá para cá, em linha com os demais indicadores, as projeções para o PIB só caíram, para chegar a 1,2% e 1,9%, respectivamente, no Relatório de Mercado fechado em 8 de novembro e disponível na página do BC no dia 11. Nos dados divulgados no dia 18, a previsão para 2002 foi a 1,22% e, para 2003, a 2%, a primeira variação positiva em 33 semanas.

O Relatório de Mercado resume os cenários de mais de 100 instituições financeiras e consultorias independentes, coletados pelo BC. Essa mais recente rodada mostrou ainda inflação em alta e contas externas com déficit ainda menor. Como juntar isso tudo? Um ponto importante está nas exportações, que desde setembro exibem crescimento real em relação ao ano passado. Dados analisados pelo BBV Banco, no boletim de 18 de novembro, indicam que o volume de exportações de produtos industrializados cresceu quase 12% entre junho e setembro deste ano. No período, a produção industrial cresceu apenas 2,6%, o que resulta em crescimento modesto de 0,8% nas vendas internas -- já que a exportação representa cerca de 15% da produção industrial. Outros dados confirmam o aquecimento do setor exportador. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas com um grupo de 67 empresas responsáveis por um terço das exportações brasileiras, a operação já alcançou 86% da capacidade instalada. Na área de bens intermediários, a atividade é ainda mais intensa. Empresas que exportam papel e celulose operam com 93,4% da capacidade. Na siderurgia, com quase 90%. Bons sinais, mas é preciso olhar o reverso da medalha. Aparecem problemas e dúvidas, como aumentos de preço e ameaça de desabastecimento. O presidente do Sindicato da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), Paulo Butori, disse ao jornal Valor Econômico que os fornecedores estão jogando duro: ou a fábrica de autopeças paga mais caro por insumos como aço, borracha, vidros, alumínio, ou não leva. A explicação para essa posição de intransigência, segundo Butori, é que os fornecedores têm a alternativa da exportação.

Outro setor aquecido é o de embalagens de papelão ondulado. Trata-se de um sinal importante. Se as empresas estão comprando embalagens é porque estão vendendo. Segundo dados preliminares da Associação Brasileira de Papelão Ondulado, a expedição de caixas e acessórios em outubro (165 000 toneladas) foi 5,2% superior à de setembro e 5,6% superior à de outubro de 2001. No acumulado deste ano, a alta é de 4,5%. Os preços também estão em alta. Somente no bimestre setembro/outubro, o reajuste do preço médio foi de 41,2%.

Finalmente, o consumo de energia elétrica industrial cresceu 13% em setembro último, na comparação com o mesmo mês do ano passado -- que não é uma boa ba se de comparação, pois ainda se vivia sob efeito do racionamento. Mas, incluindo todo o período janeiro/setembro, o consumo deste ano já é 1,2% superior ao de 2001, que teve ritmo forte no início do ano. De acordo com um relatório da Eletrobrás, o consumo da indústria revela "recuperação lenta, mas firme, impulsionado notadamente pelas atividades ligadas à exportação".

O mesmo panorama -- mais exportações e insumos caros -- aparece na análise do presidente da Ford, Antonio Maciel Neto. Para ele, a indústria automobilística deve fechar este ano com produção em torno de 1,5 milhão de unidades e exportação de 300 000, que renderão algo como 4 bilhões de dólares em divisas. E pagando mais caro pelos insumos, observa Maciel: de junho até agora as embalagens subiram entre 50% e 80%; plástico, entre 35% e 50%; aço, 40%; e alumínio, 35%. Para 2003, Maciel espera um ambiente parecido, com preços ainda pressionados, mas com mais produção (podendo chegar a 1,8 milhão de veículos) e mais exportação (algo como 400 000 unidades). No médio prazo, o presidente da Ford brasileira acha que as exportações do setor podem dobrar nos próximos quatro anos -- o que, aliás, seria uma espécie de presente ao governo de um presidente vindo justamente da indústria automobilística.

Maciel assim define o próximo ano: a oportunidade está na exportação, o risco na inflação. Resume a opinião de muita gente nos meios econômicos. A exportação, claro, empurra o crescimento, mas moderadamente porque a economia brasileira ainda é muito fechada. As exportações representam cerca de 11% do PIB, de modo que uma vigorosa expansão de 10% nas vendas externas, em números redondos, acrescentaria apenas 1% no nível de crescimento econômico.

No México, as exportações já representam 25% do PIB e, no Chile, 30%. A propósito, esses são os dois países com os melhores desempenhos na América Latina, e ainda assim ambos estão crescendo no modesto ritmo de 2% anuais. Ou seja, a situação em toda a região não é brilhante. Nesse quadro, o crescimento esperado para o Brasil neste ano, de 1,22%, não faz tão feio, sobretudo se considerado que os outros não passaram pela eleição de um presidente de esquerda que moderou seu discurso apenas depois de iniciada a campanha eleitoral.

Tudo considerado, há números indicando crescimento em alguns setores importantes da economia brasileira. A exportação cumpre seu papel. Já no mercado interno, segundo dados elaborados pelo BBV Banco, o setor de bens semiduráveis e não duráveis (os de menor valor) cresceu apenas 0,2% nos últimos dez meses. E a produção de bens de capital e duráveis teve queda conjunta de 1,2% no mesmo período, mostrando a dificuldade dos setores que mais dependem do crédito -- que encurtou e ficou mais caro. Desse ângulo, tudo o que se pode comemorar é que a economia brasileira não entrou em recessão. Não é pouca coisa diante dos choques externos e internos. E 2003? A expectativa é de um ano parecido com este -- com forte atividade voltada à exportação e mercado interno mais retraído --, mas com crescimento geral um pouco mais acelerado.

A variável inflação é crucial, mais exatamente o modo como o novo governo lidará com "a velha senhora". Na verdade, a atuação do próximo governo é que determinará um ritmo mais ou menos rápido na economia. Já se verifica uma melhora das expectativas, sobretudo entre consumidores, em relação ao futuro. Se a administração Lula conseguir emplacar um choque de confiança logo de saída, então investimentos e consumo podem ganhar impulso. Caso contrário, volta tudo para trás. Para resumir a conjuntura, tomamos emprestado, com uma pequena inversão, um achado do último comentário semanal do BBV Banco: "O pior já passou... por enquanto".

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