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O Brasil vai aproveitar oportunidades da crise?

2015 está virtualmente perdido e restaria ao Brasil aproveitar a crise como oportunidade para criar condições para uma recuperação sustentada no futuro

Notas de real: a ideia de que “crise gera oportunidades” não é apenas um clichê (Agência Brasil)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de setembro de 2015 às 21h50.

Com a economia em estagflação e o mercado antecipando a perda do grau de investimentos , 2015 está virtualmente perdido.

Restaria ao Brasil aproveitar a crise como oportunidade para criar condições para uma recuperação sustentada no futuro.

O desempenho negativo dos mercados, porém, mostra escassa confiança de que isso ocorra tão cedo.

A ideia de que “crise gera oportunidades” não é apenas um clichê. No mercado, períodos de baixa são ideais para comprar barato, para quem tem apetite por risco e suficiente liquidez.

Para os governos, os momentos mais críticos são os ideais para implementar mudanças que seriam mais difíceis em períodos de normalidade, quando não há um sentido de urgência. Há bons exemplos dessas mudanças aprovadas em momentos de alta instabilidade nas últimas décadas.

Nos anos 90, o País, fragilizado por um déficit em conta corrente elevado e baixas reservas, foi atingido por uma sucessão de choques internacionais, como as crises do México, em 1995, Ásia, 1997, e Rússia, em 1998. Houve ainda duas crises “domésticas”, a do sistema financeiro, em 1995, e a da desvalorização do real, em 1999.

O tripé macroeconômico

As crises de 98 e 99 legaram ao Brasil, no governo FHC, o chamado “tripé econômico”, formado por câmbio flutuante e metas fiscal e de inflação, que foi mantido por Lula em 2003 e ajudou o Brasil a crescer com inflação controlada na década passada.

A meta de superávit primário, uma contrapartida ao acordo com o FMI, foi reforçada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Para sinalizar que a inflação não voltaria mesmo após o BC deixar o câmbio flutuar, o governo instituiu o regime de metas de inflação.

Em 1995, uma crise bancária irrompeu com a dificuldades dos bancos em se adaptar ao fim da hiperinflação. Para evitar uma quebradeira e fortalecer o sistema, o governo criou o Proer, que desde então tem ajudado o sistema financeiro brasileiro a enfrentar momentos de alta volatilidade. Mesmo tempos mais bicudos não passaram totalmente em branco em termo de reformas. Nos anos 80, em plena hiperinflação, o Brasil acabou com a “conta-movimento”, um entulho fiscal herdado dos governos militares que dificultava o controle do orçamento.

No governo Collor, apesar do congelamento de depósitos e das denúncias de corrupção, também houve avanços. Um amplo programa de privatizações e abertura comercial foi iniciado e, em seguida, mantido por Itamar Franco e aprofundado por FHC.

Iniciativas que mudaram drasticamente a economia brasileira, como o tripé, as privatizações e a abertura comercial, foram adotados em momentos de grande instabilidade. Poderá o Brasil repetir a dose agora?

A boa notícia é que propostas de reformas há muito defendidas como premissa para o Brasil crescer sem pressões inflacionárias, como as da Previdência e trabalhista, voltaram à agenda. Não há sinal, contudo, de que serão firmemente abraçadas pela presidente Dilma e seu partido, que sempre viram estas propostas como meras ideias da “direita”.

Ainda que o governo queira fazer as reformas, faltará à presidente a capacidade de liderança e as condições políticas para tal, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, que liderou grupo de estudos que levou à criação do Tesouro Nacional nos anos 80. “Sem liderança política, não se faz nada”.

Para piorar, Dilma já mostrou em muitas situações que concorda com os diversos grupos de interesse que se opõem às reformas.

O lado positivo, disse Maílson em entrevista na semana passada, é que o Brasil tem instituições independentes que, juntamente com as reservas cambiais, ajudam a limitar os danos da crise. Uma ruptura institucional, à la Venezuela, não tem chances de ocorrer no Brasil.

Outro ponto favorável é que o Brasil tem uma vida acadêmica rica e as ideias de reformas são largamente discutidas. Ou seja, não faltam propostas.

O ponto negativo, e desanimador no curto prazo, é que a possibilidade de essas mudanças evoluírem deve ficar para o próximo governo, dependendo da correlação de forças vitoriosa em 2018.

Hoje, com a presidente sem capital político, mesmo medidas paliativas têm enfrentado resistências no Congresso. Neste contexto, a chance de o Brasil aproveitar a crise para se mobilizar por reformas estruturais de peso tem tudo para ser desperdiçada.

--Com a colaboração de Roberto Cintra em São Paulo.

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Com a economia em estagflação e o mercado antecipando a perda do grau de investimentos , 2015 está virtualmente perdido.

Restaria ao Brasil aproveitar a crise como oportunidade para criar condições para uma recuperação sustentada no futuro.

O desempenho negativo dos mercados, porém, mostra escassa confiança de que isso ocorra tão cedo.

A ideia de que “crise gera oportunidades” não é apenas um clichê. No mercado, períodos de baixa são ideais para comprar barato, para quem tem apetite por risco e suficiente liquidez.

Para os governos, os momentos mais críticos são os ideais para implementar mudanças que seriam mais difíceis em períodos de normalidade, quando não há um sentido de urgência. Há bons exemplos dessas mudanças aprovadas em momentos de alta instabilidade nas últimas décadas.

Nos anos 90, o País, fragilizado por um déficit em conta corrente elevado e baixas reservas, foi atingido por uma sucessão de choques internacionais, como as crises do México, em 1995, Ásia, 1997, e Rússia, em 1998. Houve ainda duas crises “domésticas”, a do sistema financeiro, em 1995, e a da desvalorização do real, em 1999.

O tripé macroeconômico

As crises de 98 e 99 legaram ao Brasil, no governo FHC, o chamado “tripé econômico”, formado por câmbio flutuante e metas fiscal e de inflação, que foi mantido por Lula em 2003 e ajudou o Brasil a crescer com inflação controlada na década passada.

A meta de superávit primário, uma contrapartida ao acordo com o FMI, foi reforçada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Para sinalizar que a inflação não voltaria mesmo após o BC deixar o câmbio flutuar, o governo instituiu o regime de metas de inflação.

Em 1995, uma crise bancária irrompeu com a dificuldades dos bancos em se adaptar ao fim da hiperinflação. Para evitar uma quebradeira e fortalecer o sistema, o governo criou o Proer, que desde então tem ajudado o sistema financeiro brasileiro a enfrentar momentos de alta volatilidade. Mesmo tempos mais bicudos não passaram totalmente em branco em termo de reformas. Nos anos 80, em plena hiperinflação, o Brasil acabou com a “conta-movimento”, um entulho fiscal herdado dos governos militares que dificultava o controle do orçamento.

No governo Collor, apesar do congelamento de depósitos e das denúncias de corrupção, também houve avanços. Um amplo programa de privatizações e abertura comercial foi iniciado e, em seguida, mantido por Itamar Franco e aprofundado por FHC.

Iniciativas que mudaram drasticamente a economia brasileira, como o tripé, as privatizações e a abertura comercial, foram adotados em momentos de grande instabilidade. Poderá o Brasil repetir a dose agora?

A boa notícia é que propostas de reformas há muito defendidas como premissa para o Brasil crescer sem pressões inflacionárias, como as da Previdência e trabalhista, voltaram à agenda. Não há sinal, contudo, de que serão firmemente abraçadas pela presidente Dilma e seu partido, que sempre viram estas propostas como meras ideias da “direita”.

Ainda que o governo queira fazer as reformas, faltará à presidente a capacidade de liderança e as condições políticas para tal, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, que liderou grupo de estudos que levou à criação do Tesouro Nacional nos anos 80. “Sem liderança política, não se faz nada”.

Para piorar, Dilma já mostrou em muitas situações que concorda com os diversos grupos de interesse que se opõem às reformas.

O lado positivo, disse Maílson em entrevista na semana passada, é que o Brasil tem instituições independentes que, juntamente com as reservas cambiais, ajudam a limitar os danos da crise. Uma ruptura institucional, à la Venezuela, não tem chances de ocorrer no Brasil.

Outro ponto favorável é que o Brasil tem uma vida acadêmica rica e as ideias de reformas são largamente discutidas. Ou seja, não faltam propostas.

O ponto negativo, e desanimador no curto prazo, é que a possibilidade de essas mudanças evoluírem deve ficar para o próximo governo, dependendo da correlação de forças vitoriosa em 2018.

Hoje, com a presidente sem capital político, mesmo medidas paliativas têm enfrentado resistências no Congresso. Neste contexto, a chance de o Brasil aproveitar a crise para se mobilizar por reformas estruturais de peso tem tudo para ser desperdiçada.

--Com a colaboração de Roberto Cintra em São Paulo.

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