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O alívio e o alerta: Brasil não está em recessão, mas perigosamente perto

Ruídos do governo e choques como Brumadinho contribuíram para que o PIB tivesse no primeiro trimestre do ano a primeira queda desde 2016

São Paulo se prepara para a Copa do Mundo, 2014. Foto: Mario Tama/Getty Images (Mario Tama/Getty Images)

João Pedro Caleiro

Publicado em 30 de maio de 2019 às 13h31.

Última atualização em 30 de maio de 2019 às 16h24.

São Paulo - Os números do Produto Interno Bruto ( PIB ) divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (30) trouxeram um alerta e um alívio.

O alerta foi que o resultado do primeiro trimestre veio negativo, o que não acontecia desde 2016, interrompendo a retomada.

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O alívio foi que a economia brasileira (ainda) não está em recessão técnica, caracterizada por dois trimestres seguidos de contração de atividade. Havia o temor de que o resultado fraco do final de 2018 fosse revisado para baixo, entrando em território negativo, o que não aconteceu.

Ainda assim, é a recuperação mais fraca já registrada na história econômica brasileira e o PIB per capita do brasileiro ficou estagnado após uma grave recessão, dando margem para que se fale cada vez mais em uma nova década perdida.

"Mais de dois anos após a retomada cíclica, a performance da economia segue notavelmente lenta apesar da presença de folga no uso de recursos, balança de pagamentos externa fortes, inflação baixa e condições financeiras e monetárias acomodativas", escreve Alberto Ramos, chefe de pesquisa macroeconômica do banco americano Goldman Sachs.

Economistas ouvidos por EXAME avaliam o resultado negativo como fruto de uma combinação de choques, problemas estruturais da economia brasileira e ruídos causados pelo governo Bolsonaro.

Fatores

A recessão na Argentina, terceiro maior comprador de produtos do país, contribuiu para uma queda de 1,9% nas exportações e de -0,5% na indústria de transformação no primeiro trimestre.

Esse é um dos setores apontados pela LCA Consultores como já em recessão técnica, destacando também a construção civil, comércio e transportes, armazenagem e correio.

Além disso, o desastre de rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e suas repercussões fizeram com que a indústria extrativa desabasse 6,3% no trimestre.

Silvia Matos, coordenadora de macroeconomia do Ibre/FGV, calcula que esse item responde por 3% do PIB e que portanto, o resultado geral poderia ter ficado estável na margem sem o desastre.

Mas isso não explica o resultado ruim do investimento, que contraiu 30% durante a recessão, ainda está abaixo do pico de um longínquo 2013 e agora amargou sua segunda queda trimestral consecutiva.

"Os choques não justificam esse resultado negativo. O investimento é o mais afetado por previsibilidade e pelos índices de confiança, que pioraram ao longo do trimestre", diz Silvia.

Os economistas apontam os embates constantes entre Executivo e Legislativo como uma fonte de turbulência em meio a desafios como a necessidade de aprovar créditos suplementares para cumprir a regra de ouro e a própria tramitação da reforma da Previdência.

Uma boa parte da valorização dos ativos brasileiros no mercado financeiro já se esvaiu nos últimos meses. O dólar foi de R$ 3,80 no primeiro pregão do ano para R$ 3,97 atualmente.

"Começamos o ano com expectativas muito positivas em relação ao governo e elas se deterioraram muito rapidamente por conta do cenário que o próprio Bolsonaro criou e da sua dificuldade muito grande de coordenação política. A gente está pagando o preço dessa incerteza", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

O consumodasfamílias, responsável por 70% do PIB e também influenciado pela confiança, teve a nona alta consecutiva, mas está em desaceleração.

Paulo Guedes, ministro da Economia, disse que o governo estuda permitir a retirada do dinheiro de contas ativas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) depois da aprovação da Previdência.

Futuro

Os números de hoje levaram a novas revisões para baixo nas previsões para o PIB de 2019, uma constante ao longo das últimas semanas.

Foram revisadas para baixo as previsões do Ibre (de 1,4% para 1,2%), do Goldman Sachs (de 1,2% para 1%) e da MB (de 1,1% para 0,9%).

Os números já tendem a indicar um crescimento mais baixo do que o 1,1% de crescimento registrado tanto em 2017 quanto em 2018.

A LCA Consultores calcula que para a economia encerrar o ano crescendo 1,2%, seria preciso que ela passasse a crescer cerca de 0,6% por trimestre, o que não será fácil.

"Abril e maio não têm sido muito bons. Vamos ver junho, que foi muito ruim no ano passado por conta da greve dos caminhoneiros e pode ter um resultado um pouco melhor nessa comparação", diz Vale.

Ele também destaca que o cenário internacional pode vir a piorar, mas o principal fator continua sendo a capacidade do governo de completar o ajuste macroeconômico e promover uma agenda de eficiência microeconômica que aumente a eficiência e a produtividade.

"A reforma da Previdência é simbólica no sentido de mostrar do que o governo pode ser capaz ao longo dos quatro anos. A sensação é que há um longo caminho a ser percorrido e o governo já começou tropeçando. Sair do fundo do poço é mais difícil do que abrir um novo buraco, mas nada como um dado ruim para dar uma chacoalhada", diz Silvia.

(Com Ligia Tuon)

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