Novas regras para o pré-sal aumentam participação do governo no setor de petróleo
Para especialistas, adoção do modelo de partilha não trará qualquer benefício para o país
Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2009 às 00h35.
As novas regras propostas para exploração do pré-sal, encaminhadas nesta segunda-feira (31/8) ao Congresso Nacional, ampliam a interferência estatal nos negócios de petróleo e gás. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo Portal EXAME, que ressaltam ainda que, além de desestimular os investimentos privados em petróleo e gás, o novo marco regulatório não garante uma maior participação do governo na riqueza gerada pelo petróleo.
Pelo novo modelo, será adotado o sistema de contratos de partilha, no qual o próprio governo, por meio de uma empresa estatal, apelidada de Petrosal, vai se tornar sócio das companhias que vencerem as licitações para explorar os blocos. A vencedora será a empresa que oferecer o maior percentual de "óleo lucro" para a União. "Óleo lucro" é o termo utilizado para definir o total de petróleo produzido por um campo, descontados os custos de produção.
O governo poderá escolher ainda a Petrobras sem que haja licitação. Para isso, deverá ser firmado um contrato de cessão de direitos para exploração de, no máximo, 5 bilhões de barris de petróleo e gás. O montante é considerado bastante alto pelos especialistas, uma vez que as reservas atuais do Brasil são pouco superiores a 14 bilhões de barris. "O governo está promovendo uma reestatização do setor", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
O governo justificou a mudança do atual sistema de concessões para o de partilha com o menor risco na exploração do petróleo brasileiro. O sistema de concessões, criado em 1997, é adotado por países com alto risco de exploração como forma de atrair investidores privados. Como a taxa de sucesso na perfuração de poços do pré-sal é bastante alta, o governo acredita que não faltarão capitais estrangeiros interessados em explorar a área mesmo sendo menos generoso. Durante a apresentação do novo marco regulatório no Palácio do Planalto, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) lembrou que todos os dez maiores detentores de reservas de petróleo no mundo utilizam o sistema de partilha - ainda que dois deles tenham desenvolvido um misto de partilha e concessão.
Uma das maiores empresas de energia do Reino Unido e participante do consórcio que faz testes em Tupi, o maior bloco do pré-sal descoberto até agora, a BG anunciou nesta segunda-feira que o novo modelo não vai impedir a empresa de continuar a investir no Brasil. Com a troca do sistema de concessão pelo de partilha, no entanto, a empresa disse que o potencial de investimentos ficou menor (continua).
As novas regras do pré-sal
Como era | Como ficou |
Regime: concessão. A produção pertence à empresa que ganhou o direito de explorar a região. | Regime: partilha. A produção pertence ao Estado que, por meio de uma nova estatal, irá se tornar uma espécie de sócio das companhias, vencedoras de processo de licitação, que serão responsáveis pela exploração e extração. A vencedora da licitação será a empresa que oferecer o maior percentual de "óleo lucro" para a União. A Petrobras será a única operadora de todos os blocos sob o regime de partilha e também terá garantida participação de, pelo menos, 30% das áreas que serão licitadas. A Petrobras poderá participar da concorrência, ampliando sua participação nos blocos. Se for o caso de atuação exclusiva da Petrobras, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) indicará o percentual do óleo lucro que caberá ao governo. A União também poderá escolher a Petrobras sem que haja licitação. No caso, seria firmado um contrato que prevê pagamento via "cessão de direitos". A autorização limita-se ao volume máximo de 5 bilhões de barris de petróleo e gás. |
Remuneração: a União recebe um percentual dos lucros por meio de royalties, bônus e participações especiais. No ano passado, a União recebeu 3 bilhões reais em royalties e mais 5,8 bilhões de reais em participações especiais. | Remuneração: o lucro da operação é dividido entre as partes. Uma das propostas é criar um fundo para esses recursos voltado a investimentos nas áreas social e de infraestrutura. |
Bônus de assinatura: é definido um valor mínimo, e ganha a licitação quem apresentar o maior valor. | Bônus de Assinatura: não será utilizado como critério de julgamento na licitação. E o valor será fixo, definido caso a caso pelo CNPE. |
Royalties: critérios definidos pela Lei do Petróleo, editada em 1997. A legislação brasileira atual prevê que as concessionárias produtoras de petróleo e gás no Brasil devem pagar uma indenização à União, aos estados e municípios, que envolve o pagamento de royalties mensais e participações especiais trimestrais, que são calculados em função do volume de petróleo e gás produzido. | Royalties: mantém-se o sistema adotado atualmente. |
Fonte:Petrobras e Agência Brasil |
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O que dizem os especialistas
Segundo os especialistas, o modelo de concessão, em vigor desde 1997, é visto como um dos mais modernos e confiáveis do mundo em virtude da sua transparência. Já o de produção partilhada, conhecidos lá fora como Production Sharing Agreement (PSA) e Production Sharing Contracts (PSC) - nos quais o concessionário arca sozinho com o risco, mas é obrigado a dividir os lucros obtidos - é avaliado como algo pouco confiável e adotado por países que dependem, quase que exclusivamente, das exportações de petróleo e gás natural como Argélia, Nigéria e os que fazem parte do Oriente Médio.
"Não haveria necessidade de alteração, uma vez que o que muda é a moeda. Hoje, o governo recebe sua parte em dinheiro e com a partilha passa a obtê-la na forma de óleo. Além do mais, existe a questão da gestão desse fundo [que vai administrar os recursos]. Se os recursos serão realmente aplicados para aquilo que se destinam", afirma o pesquisador da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Giuseppe Bacoccoli.
Ainda segundo o pesquisador, o novo modelo privilegia a Petrobras, que tem garantida uma participação significativa na exploração dos novos blocos.
Para Bacoccoli, as novas regras devem prejudicar novos investimentos privados no segmento de petróleo e gás. Primeiro, por terem sido anunciadas com atraso e, segundo, pela forma como o processo está sendo encaminhado. “Mandar isso para o Congresso, em caráter de urgência, é algo arriscado. Há o risco da proposta se tornar um Frankestein. Com isso, o Brasil passa uma imagem de ser um país com regras instáveis que mudam no meio do jogo”.
O ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e diretor da DZ & Associados, David Zylbersztajn, também considera precipitada a forma como o governo está tratando a regulamentação do pré-sal. "Não faz sentido reformular um modelo que sempre deu certo só porque foram descobertas novas reservas. Primeiro é preciso estudar o que há lá, avaliar o impacto das mudanças, discutir com a sociedade. O caráter de urgência corta o espaço para debates."
Zylbersztajn destaca que ninguém sabe ao certo quanto petróleo há no pré-sal, nem o custo para que esse óleo seja extraído. E considera errônea a avaliação de que a mudança do sistema de concessão para o de partilha garantirá ao país maior participação sobre a riqueza que será produzida pelo petróleo. "Não há a necessidade de se criar fundo ou empresa para direcionar os recursos para a sociedade. Há muitas formas de se fazer isso sem precisar mudar todas as regras já vigentes. Estamos abandonando um sistema que funciona muito bem, reconhecido internacionalmente, por motivação política e ideológica."
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), compartilha da mesma opinião. "O governo está transformando o pré-sal em plataforma política. O que o país ganha ao promover uma reestatização do setor de petróleo? Até agora, não vi nenhuma vantagem em se adotar o sistema de partilha", diz. (continua)
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Royalties
No Brasil, o sistema de concessões continuará valendo para a exploração de petróleo fora da área do pré-sal e para as regiões que já foram leiloadas dentro do pré-sal. Os estados e municípios próximos aos campos são beneficiados por serem afetados pela exploração do petróleo, que demanda mais investimentos em infraestrutura e traz danos ambientais.
Inicialmente, o governo estudava a possibilidade de mudar as regras para a partilha de royalties, que previa a distribuição dos recursos para todos os estados e não apenas para aqueles que estão geograficamente próximos das áreas produtoras. A possibilidade de mudança desagradou os governadores dos estados produtores de petróleo. Dessa forma, o governo federal resolveu reavaliar esse ponto e manteve o sistema de participações especiais.
A legislação brasileira atual prevê que as concessionárias produtoras de petróleo e gás no Brasil devem pagar uma indenização à União, aos estados e municípios, que envolve o pagamento de royalties mensais e participações especiais trimestrais, que são calculados em função do volume de petróleo e gás produzido.
Atualmente, as concessionárias responsáveis pela exploração dos blocos de petróleo repassam à Agência Nacional do Petróleo (ANP) os dados sobre as coordenadas geográficas de suas instalações, como poços e plataformas. A partir desses dados, a ANP consulta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que define os limites geográficos e os beneficiários dos recursos. Com essas informações, a ANP repassa os recursos arrecadados.
Os valores das participações governamentais são calculados com base no preço corrente do petróleo produzido pelo concessionário. Esse preço é estabelecido pela ANP com referência na cotação internacional do petróleo que tenha características mais semelhantes ao que foi produzido pelo concessionário.
Segundo a Petrobras, no ano passado os municípios receberam 3,7 bilhões de reais em royalties do petróleo, 3,2 bilhões de reais ficaram com os estados e 3 bilhões de reais com a União. Em participações especiais foram distribuídos 5,8 bilhões de reais para a União, 4,6 bilhões de reais para o estados e 1 bilhão de reais para os municípios. (continua)
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Capitalização
Segundo o analista da SLW, Erick Scott Hood, a capitalização é uma das principais incertezas do anúncio feito pelo governo e pela companhia. "Ambos não detalharam a operação com relação a valor, participação acionária, forma de pagamento feito pela Petrobras ao governo e os prazos". Ainda segundo o analista, o que se sabe ao certo é que o acionista minoritário deve ser bem diluído se não aderir à operação. "Em meio às incertezas, há especulações de que o valor que a ser aportado na companhia deve ser próximo dos 100 bilhões de reais e que parte deste dinheiro seria usado para comprar reservas do governo e parte no atual plano de investimentos da empresa. Como forma de pagamento à União, a companhia emitiria ações e poderá pagar uma outra parte com petróleo".
No entanto, segundo Hood, após o mercado digerir as informações e a conclusão da operação de emissão de ações, a tendência é a empresa voltar a ser uma das boas opções de investimento para médio e longo prazos, uma vez que a companhia estará mais bem estruturada para enfrentar os investimentos futuros.
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