Mantega já fala em queda mais acelerada dos juros
Para o novo ministro da Fazenda, ritmo maior de queda da Selic "não seria um pecado mortal". Para ele, é obrigação da autoridade monetária adequar os juros às mudanças de conjuntura
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h36.
O novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, considera aceitável acelerar o ritmo de queda da taxa básica de juros (Selic). A medida já colocou o atual titular da Fazenda em conflito com a diretoria do Banco Central (BC), quando ele ocupava a presidência do BNDES e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. "Não seria nenhum pecado mortal mudar alguma dosagem", afirmou Mantega após a cerimônia de posse nesta terça-feira (28/3), referindo-se ao corte dos juros. "Aliás, as autoridades monetárias têm obrigação de fazer isso para acompanhar a conjuntura. As graduações são legítimas para o uso da política econômica."
Mantega admitiu, porém, que vive agora uma situação "curiosa", ao se transformar de crítico da política econômica em seu principal defensor. "Antes, eu estava do lado de lá; agora, estou do lado de cá." Em razão disso, tentou amenizar as críticas que fez publicamente à diretoria do Banco Central. "O que eu dizia é que havia um zelo um tanto excessivo sobre a Selic por parte da equipe do Copom. Mas, se houve esse zelo, eles já estão corrigindo", afirmou, ao lembrar que a taxa de juros foi cortada sucessivamente nas últimas seis reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). "Se continuar com essa tendência, chegaremos a um nível civilizado de juros."
Mantega fez questão de frisar que não é um crítico da política monetária sustentada por seu antecessor, Antonio Palocci. "Sou a favor do sistema de metas de inflação, porque ele ajuda muito países como o Brasil", disse. Mantega admitiu que houve "pequenas divergências" entre ele e o presidente do BC, Henrique Meirelles, mas negou que o clima entre eles seja irreconciliável. "Estamos sintonizados", disse.
Crescimento acelerado
O novo titular da Fazenda afirmou, ainda, que há espaço para acelerar o crescimento do país, mas descartou medidas heterodoxas. "Nossa prioridade é continuar zelando pela política econômica em vigor", afirmou. Assim, o ministro aposta no corte dos juros, no aumento do crédito e na conclusão das reformas que tramitam no Congresso para fazer o Brasil andar mais rápido.
Mantega negou que sua gestão irá flexibilizar as metas de superávit fiscal, mas também não se mostrou disposto a aumentá-las, como chegou a ser cogitado pela equipe anterior do ministério, com o apoio de parte do mercado. "Somos um governo responsável e intensificamos o superávit. Isso já é um ajuste suficiente", disse. Um menor aperto fiscal, porém, foi descartado pelo ministro. "Reduzir o superávit não ajuda em nada; pelo contrário, pode passar a idéia de irresponsabilidade. Não vamos abandonar essa política fiscal, que já se tornou um valor de Estado. Acho difícil até mesmo um novo governo mudar isso", afirmou.
Mantega também não pretende alterar a política de câmbio flutuante. Repetindo uma frase de Palocci que se tornou célebre, o ministro afirmou que "o problema do câmbio flutuante é que ele flutua". O ministro atribuiu a desvalorização do dólar ao "sucesso comercial brasileiro". Ele deu mostras, porém, que gostaria de ver um câmbio mais valorizado, mas acredita que os próprios mecanismos de mercado tenderão a corrigi-lo. "O que pode atenuar a valorização do real é a queda dos juros e o aumento das importações", disse. "Eu não preciso de um superávit comercial de 40 bilhões de dólares. Eu me contento com um de 35 bilhões, desde que o volume de comércio cresça."
"Sem mágoas"
Chamado de "eterno companheiro" pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Antonio Palocci se despediu oficialmente do governo na cerimônia de transmissão do cargo a Guido Mantega. Em um pronunciamento cheio de sutis insinuações às acusações e aos acusadores que promoveram sua queda, disse ter escolhido a demissão por ser "a melhor maneira de contribuir para o Brasil e para o presidente Lula".
A platéia composta por ministros, pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, por Guido Mantega e pelo presidente Lula ouviu Palocci afirmar que não deixa o cargo com ressentimentos, dizendo-se "feliz" com o próprio desempenho à frente do ministério. "Não levo mágoa, nem ódio no coração", disse. "Guardo profunda fé na democracia e no respeito às pessoas", continuou. No entanto, mostrou-se ressentido pelos ataques, que ganharam força nos últimos dias após a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. Disse que tentou promover "um novo caminho para o exercício da opinião contrária" mas que talvez "a crença em uma possível coexistência pacífica" tenha sido "ingênua" - uma referência indireta aos ataques da oposição. O discurso não trouxe respostas às acusações sobre a prática de contratos e licitações irregulares durante o mandato que exerceu na prefeitura de Ribeirão Preto, nem às questões referentes à quebra do sigilo do caseiro pela Caixa Econômica Federal. O ex-ministro se limitou a declarar: "Jamais patrocinei nesses três anos [à frente da Fazenda] malfeitorias contra os recursos públicos".
Palocci evitou ainda classificar como suas as conquistas da economia brasileira durante o tempo em que permaneceu no Ministério da Fazenda; dividiu-as com a equipe do ministério, a quem elogiou e agradeceu: "Hoje temos um Brasil muito melhor do que há três anos. Esse caminho foi trilhado por muitos". Entre os avanços, o ex-ministro citou a melhoria nas contas externas, a redução na dívida externa, o fortalecimento do intercâmbio comercial, a recuperação do poder de compra, o cumprimento das metas de inflação e a criação de empregos. "Essa é a realização de que posso me mergulhar de ter ajudado o presidente Lula a conquistar", afirmou.
Antes de encerrar o discurso com votos de boa sorte ao sucessor, o ex-ministro disse ter cometido erros, sem especificá-los, e declarou não se arrepender por ter dedicado 25 anos de vida ao projeto político de Lula. "O caminho da conquista não é feito de estrada fácil, mas sim de tempo e perseverança", disse.
Despedida de Lula
O discurso do presidente foi marcado, desde o início, por um tom de carinho por Palocci. Chamando-o de "caro", "irmão" e "eterno companheiro", Lula disse que não é praxe um presidente falar em cerimônias de transmissão de cargos, mas que esse seria "um momento especial". Ele retratou Palocci como um ministro que "conquistou a confiança internacional", ainda que questionado ao ser escolhido para chefiar a Fazenda, e dono de "uma fineza política dos debates econômicos".
Lula falou também das acusações contra o ex-ministro, dizendo que muitas vezes elas foram "levianas". "Penso que tudo isso significa para um homem jovem como você mais uma lição, um aprendizado", afirmou a Palocci. E destacou como conquistas a criação de empregos e o reconhecimento que o Brasil conseguiu frente a outros países. "Certamente todos nós, acusadores e apoiadores, sabemos que uma parte disso nós e o Brasil devemos a você", disse.
Ao novo ministro, Mantega, Lula rezou o bordão de que "não existe mágica na economia", e afirmou considerá-lo "qualificado para fazer o que o Palocci fez".