Lula teme que revisão de gastos afete popularidade no Norte e Nordeste, dizem auxiliares
Mudanças nas regras para concessão de benefícios assistenciais, trabalhistas e previdenciários podem retirar votos do presidente da República nas regiões em que ele mantém maior apoio e afetar os planos de reeleição, dizem técnicos do governo
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 15 de outubro de 2024 às 10h06.
Última atualização em 15 de outubro de 2024 às 10h21.
Apesar da sinalização do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o governo trabalha em uma agenda de revisão de gastos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está convencido sobre a necessidade das medidas, afirmaram à EXAME técnicos da equipe econômica e da ala política.
As duas regiões concentram parte significativa do eleitorado do petista e essas populações estão entre as maiores beneficiárias dos programas sociais e de amparo ao trabalhador.
As medidas estudadas pelo Ministério da Fazenda têm com foco ajustes no abono salarial, no seguro-desemprego e no Benefício de Prestação Continuada ( BPC ). O cardápio de propostas da equipe econômica também considera o fim da indexação das regras de correção real do salário mínimo dos benefícios previdenciários e trabalhistas, além de mudanças das desvinculações de mínimos constitucionais para saúde e educação. Todas essas despesas têm pressionado o orçamento público.
"Para um político de esquerda reduzir despesa social é suicídio [político]", diz um membro da ala política. "Minha avaliação é que será difícil para a Fazenda ganhar [a discussão sobre revisão de gastos]."
Resistências políticas à revisão de gastos
Segundo auxiliares de Lula, mudar as normas para concessão de benefícios ou revisar as regras para o reajuste desses auxílios terá um impacto direto nos planos de reeleição do presidente da República.
O pacote de revisão de gastos também tende a receber resistência dos parlamentares petistas e de esquerda. Esse grupo, que tem as opiniões expressadas pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tende a criticar as mudanças pretendidas por Haddad.
E mesmo parlamentares de outros partidos que têm suas bases políticas no Norte e no Nordeste tendem a votar medidas nesse sentido, afirmaram técnicos da ala política do governo.
Na ala política e mesmo em parte da equipe econômica o diagnóstico é de que o governo precisa manter o foco em reduzir os benefícios fiscais concedidos às empresas, tributar lucros e dividendos e, por fim, a desoneração da folha. Com isso, seria possível minimizar os impactos dos gastos sociais.
Quem são os ministros do governo Lula
Plano B para eleições de 2026
Alguns auxiliares de Lula também interpretaram as afirmações de Haddad sobre a necessidade de executar uma agenda de revisão de gastos como uma sinalização para o mercado de que ele tem uma opinião diferente da maioria dos petistas. Com isso, ele poderia se cacifar para disputar a Presidência da República em 2026, caso o atual presidente desista do pleito.
A possibilidade de Lula não disputar as eleições em 2026, entretanto, ainda é descartada pelos auxiliares do presidente. O petista tem mostrado irritação com os resultados do governo. Por ter escolhido ex-governadores para tocar ministérios estratégicos, a avaliação inicial era de que a experiência nos estados facilitaria a gestão das políticas públicas.
O resultado das eleições municipais, com vitória significativa de partidos de centro e de direita, também tem preocupado os petistas. O aumento de prefeituras governadas pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e partidos do Centrão, tende a dificultar a reeleição de Lula e a contribuir para que essas agremiações consigam eleger mais deputados e senadores, o que traria mais dificuldades para Lula governar em um eventual segundo mandato.
Para piorar, a decisão do presidente de não participar ativamente das campanhas criou um mal-estar generalizado entre candidatos, presidentes de partidos aliados — e até entre os petistas, como mostrou a EXAME.