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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h37.
A sugestão (despojada de qualquer originalidade) de, em lugar de continuar trabalhando com o conceito de "superávit primário", trabalharmos com "superávits", que no horizonte de quatro ou cinco anos produzam um déficit nominal zero, objetiva reduzir fortemente a relação dívida líquida /PIB. Isso terá importante conseqüência sobre a velocidade com que a taxa de juro real caminhará para um nível civilizado. Sua execução exige um projeto de emenda constitucional (PEC) que: 1) coloque os objetivos do programa nas disposições transitórias; e 2) dê ao Executivo uma ampla liberdade de auto-organizar-se para produzir um "choque de gestão", capaz de aumentar sua produtividade. Quando a relação dívida/PIB for reduzida a 30%, deveremos voltar ao processo de produzir apenas os "superávits primários" para estabilizá-la.
A sugestão parece factível neste momento porque:
1) graças ao trabalho inteligente da Secretaria do Tesouro, o montante da dívida em dólares referenciada em reais chegou a 4% do total e poderá ser eliminada, com o que terminará a dependência da relação dívida/PIB das flutuações da taxa de câmbio;
2) diante da armadilha da política econômica atual, o governo parece disposto a um programa de controle das despesas relativamente longo (como se vê na LDO que está pronta para ser aprovada) e decidido a estimular a redução paulatina de parte das vinculações orçamentárias. É evidente que o Estado brasileiro precisa ser submetido a um "choque de gestão" capaz de transformar sua gordura em musculatura. O desperdício, a falta de foco dos programas e o excesso de vinculações são as causas da ineficiência geral e criam as oportunidades para a corrupção. Eliminar isso parece ser a obsessão atual do presidente;
3) o objetivo de déficit nominal zero num horizonte bem definido, com o controle das despesas em lugar do aumento de impostos, criará instantaneamente uma expectativa de baixa do juro real, que facilitará à Secretaria do Tesouro a substituição de parte da dívida "selicada" para papéis pré-fixados (com prazos maiores), aumentando a potência da política monetária. Com isso caminharemos com relativa rapidez para taxas de juros reais civilizadas, reduzindo dramaticamente os gastos com juros, e facilitando as manobras de um banco central autônomo;
O Estado precisa de um "choque de gestão"
4) a própria redução do juro real (e a elevação da taxa cambial conseqüente) despertará o "espírito animal" dos empresários, levando a um aumento do nível dos investimentos que acelerará o crescimento do PIB sem nenhuma pressão inflacionária. Isso acompanhado por um aumento da política de competição, de uma redução tarifária e de uma abertura séria ao investimento direto estrangeiro para o mercado interno e exportação, produzirá uma aceleração do crescimento.
É inteiramente óbvio que o sucesso do programa depende da credibilidade que ele despertar. Essa, por sua vez, depende que ele seja estabelecido na forma de uma emenda constitucional. O programa é difícil e exige sacrifícios? Claro que sim! Mas é absolutamente necessário (esse ou alguma coisa equivalente) para devolver a crença que voltaremos a crescer com estabilidade interna e externa. É preciso reconhecer que, como estamos, o Estado não cabe mais no PIB e por isso vai continuar a exigir a mesma política míope de curto prazo na base do "stop and go".
Há algumas objeções que precisam ser analisadas. A primeira é que seria melhor continuar a observar a dinâmica da dívida. É exatamente o que temos feito há oito anos, patinando em torno dos mesmos números. Cálculos abstratos, que prevêem uma redução bem-sucedida da relação dívida/PIB, têm sido um esporte nacional mal sucedido. Com déficit nominal zero, à custa de redução das despesas pelo ganho de produtividade da máquina pública, em quatro ou cinco anos melhoraremos a qualidade dos serviços públicos, particularmente saúde, educação e previdência social. Ao mesmo tempo, se reduzirá mais rapidamente a dívida/PIB, derrubando a taxa de juro real.
A segunda objeção é que o déficit nominal zero poderia inibir a ação do Banco Central autônomo, pois evidenciaria claramente o custo da política monetária. Isso talvez pudesse acontecer com as taxas de juros reais que povoam as mentes e controlam os corações de um número excessivamente grande de alguns de nossos competentes economistas: para eles qualquer taxa de juro real abaixo de 8% seria um pecado contra o "capital"! Com as condições expostas acima, entretanto, as manobras de juro real seriam muito menores (porque a potência da política monetária seria maior), mas teriam mesmo de ser acompanhadas pelo corte das despesas, o que explicitará o seu custo. Fica agora evidente como o "truque" do "superávit primário" escamoteia parte desse custo que aparece como um resíduo: o déficit nominal!
É importante chamar a atenção para o seguinte: o déficit nominal zero a ser atingido em quatro ou cinco anos é apenas o indicador que, realizado, consagraria o sucesso do programa. O programa, mesmo, é a redução paulatina dos gastos de custeio do governo, acompanhado de um "choque de gestão", que aumentará a produtividade do Estado e permitirá um volume maior e uma maior qualidade dos serviços prestados à população. O que se poupará com os juros e parte do aumento da produtividade será destinado aos investimentos públicos, potencializando os efeitos dos investimentos privados e acelerando o desenvolvimento.