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Lei de compensações é "horrorosa", diz prefeito de Angra

Segundo Fernando Jordão, presença da central nuclear no município trouxe mais desordem do que benefícios à cidade

Para o prefeito de Angra, contrapartidas não pagam preço da presença da central nuclear (--- [])
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h02.

As contrapartidas para a instalação de Angra 1 e Angra 2 em Angra dos Reis nunca compensaram o impacto causado pela central no município, segundo o prefeito Fernando Jordão. Projetos sociais tocados em conjunto com a Eletronuclear não aliviaram problemas como desordem urbana e migração maciça, na opinião de Jordão, que agora quer evitar que os problemas sejam agravados por Angra 3. A saída encontrada pela prefeitura é negociar com o governo federal, por meio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), e com a administradora da central nuclear, a Eletronuclear. Em entrevista ao Portal EXAME, o prefeito de Angra fala sobre a compensação de cerca de 5.400 reais mensais que o município ganhou na lei mas não na prática - e que deveria indenizar pelos depósitos de rejeitos -, sobre o caos gerado pela chegada da central nuclear, e sobre como a experiência de Angra pode ensinar a outras possíveis sedes de usinas.

Portal EXAME - Angra nunca recebeu a compensação prevista em lei pelos depósitos de lixo nuclear. Por quê?

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Fernando Jordão - Nunca recebeu porque esse valor acabou ficando no esquecimento. A lei que regulamenta essa questão passou uns 10 anos em tramitação antes de ser aprovada no Congresso e, quando saiu, saiu tão errada que ninguém ficou animado. Demorou tanto tempo que veio horrorosa. Eu até me recuso a receber esse valor. Pretendemos rever isso, não sei se seria na regulamentação da Cnen ou se será preciso fazer outra lei. É uma coisa que temos que repensar com Angra 3, vamos negociar.

Portal EXAME - Que valor vocês pretendem reivindicar?

Fernando Jordão - A prefeitura ainda não fez esse estudo, não temos uma cifra. A Cnen é quem vai regulamentar, não tenho idéia de quanto seria razoável.

Portal EXAME - Vocês pretendem tomar alguma iniciativa caso a negociação não resulte em aumento do valor?

Jordão - Nós somos a favor de Angra 3, mas desde que o município tenha compensação. Pagar cinco mil reais a quem tem depósito de rejeito de baixa e média radioatividade...Sinceramente não acredito que a Eletronuclear insista nesse valor. Angra 3 vai sair de qualquer jeito, mas nós vamos colocar todas as contrapartidas na mesa.

Portal EXAME - Que outras contrapartidas vocês recebem? Elas compensam a presença da usina?

Jordão - Temos algumas parcerias de projetos com a Eletronuclear, trabalhamos juntos em programas sociais voltados para as áreas de educação e meio ambiente. Mas as contrapartidas não compensam. Angra dos Reis tinha 20 mil habitantes antes de Angra 1 e Angra 2. Hoje temos 140 mil habitantes. Claro que essa migração não foi só em função da central. Mas as usinas contribuíram muito. Hoje não temos infra-estrutura para habitação, hospitais, esgoto, urbanização. O que aconteceu foi uma ocupação desordenada das regiões.

Portal EXAME - Esse processo não pode se agravar com Angra 3?

Jordão - Não, porque nós vamos criar um mecanismo para que a mão-de-obra seja contratada em Angra. Temos muita gente qualificada aqui esperando por um lugar. E se faltar especialização, vamos criar meios. Não é possível que uma empresa invista 3 bilhões de dólares em um projeto e não faça um curso para melhorar a mão-de-obra. Isso é o que se chama de responsabilidade social.

Portal EXAME - O que a experiência de Angra pode deixar como aviso às outras cidades que poderão receber centrais nucleares?

Jordão - Os próximos a receber usinas têm de observar a migração, as contrapartidas ambientais e as sociais. Isso é fundamental. A cidade não pode permitir o caos que houve em Angra. Na época em que implantaram Angra 1 e 2, o Brasil não vivia uma democracia e ninguém perguntou aos moradores se queriam ou não a central. Não teve audiência pública nem nada, veio tudo goela abaixo. Hoje nós estamos pagando a conta da desordem urbana feita no passado por conta desses empreendimentos. Aconselho às outras cidades que se organizem para saber quais os benefícios que vão ter.

Portal EXAME - Qual o legado que a migração causada pelas usinas deixou?

Jordão - A cidade foi ocupada desordenadamente. Por causa disso, temos, por exemplo, um hospital de média complexidade, concebido para uma cidade de 20 mil habitantes. Nãoé possível que esse hospital atenda 140 mil. Estamos construindo um novo, devo terminar essa obra no meio do ano que vem. Quero que a Eletronuclear faça um convênio para suportar esse hospital, para ajudar na montagem de equipamentos e manutenção. Afinal, era para a própria empresa ter construído. Também queremos mais investimento na região por causa da desordem. A proposta é de que 2% do investimento feito na usina seja aplicado na região de Angra dos Reis. Hoje esse dinheiro é usado pelo Ibama, que pode aplicar em qualquer lugar do país. O que vamos pedir é que seja revertido para o próprio município de Angra.

Portal EXAME - A prefeitura de Angra também já teve problemas tributários com a Eletronuclear. Vocês conseguiram chegar a um acordo?

Jordão - Estamos esperando para receber o IPTU atrasado, que está na faixa de 70 milhões de reais. Nós já ganhamos na Justiça e estamos caminhando para um entendimento. Eles tinham uma interpretação de que o valor não deveria ser pago, mas comecei a questionar isso em 2001, quando assumi a prefeitura. Agora a negociação para o pagamento está avançada, eles já até depositaram uma parte em juízo.

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