Economia

Infra-estrutura e exportação ditam o tom no Desenvolvimento

Em julho, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, recebeu a reportagem de EXAME para falar sobre como o governo está preparando a retomada do crescimento econômico do país. Duas semanas antes da entrevista, o governo havia divulgado o Roteiro para Agenda de Desenvolvimento , documento que indicava os pontos básicos […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h50.

Em julho, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, recebeu a reportagem de EXAME para falar sobre como o governo está preparando a retomada do crescimento econômico do país. Duas semanas antes da entrevista, o governo havia divulgado o Roteiro para Agenda de Desenvolvimento , documento que indicava os pontos básicos de uma política industrial em gestação, a ser implementada até o final do ano. Furlan dedica-se aos preparativos para transformar o roteiro em agenda e a agenda em uma política industrial de fato. O ministro se mostrou impressionado com o potencial de alguns setores que vem estudando, como software e biotecnologia. O documento divulgado aborda opções variadas para estimular o crescimento, como usar o poder de compra do governo para incentivar empresas brasileiras e substituir importações. Furlan, no entanto, está cada vez mais convicto de que o caminho para o crescimento é a exportação. "Vão dizer que eu só falo de exportação, mas é porque estamos dormindo diante de algumas oportunidades", diz ele. "A mentalidade brasileira é de encher navio toda vez que alguém fala em exportação, ilustra com um porto, um guindaste, um cargueiro. Esse é o clichê da exportação." A seguir, a íntegra da entrevista:

EXAME - Como estão os preparativos da política industrial?

Luiz Fernando Furlan
- O grupo de trabalho composto pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, além do nosso, se reúnem com freqüência. Em paralelo, estamos caminhando com os fóruns de competitividade de 20 cadeias produtivas. Vamos juntar toda essa informação e o desdobramento aparecerá no PPA (Plano Plurianual de Investimento 2004-2007), no final de agosto.

EXAME - Uma possibilidade mencionada na apresentação do Roteiro para Agenda de Desenvolvimento foi a criação de novas linhas de financiamento setoriais. Como está a discussão deste ponto?

Furlan
- O BNDES é a fonte de financiamento e participa dos fóruns de competitividade. Não existem hoje maiores dificuldades em relação à quantidade de recursos disponíveis para financiamento. Nem estamos fazendo captação desses recursos no exterior, pois não temos necessidade. Um trabalho importante dos fóruns de competitividade é justamente quantificar a demanda do setor privado para investimento nos próximos anos.

EXAME - A próxima pergunta seria quanto de dinheiro temos de ter para começar a pensar numa política industrial eficiente, mas pelo jeito o senhor pensa o contrário. O governo vai medir primeiro a demanda?

Furlan
- Nós temos recursos suficientes no BNDES. Na última reunião do conselho do banco foi feito um relatório sobre isso. Não temos problemas em atender à demanda de investimento do setor privado. Estamos numa fase preparatória do orçamento do BNDES para o próximo ano. A nossa orientação é que o orçamento seja agressivo, mais elástico do que foi neste ano, de 34 bilhões de reais (após a entrevista, o valor disponível para financiamentos pelo BNDES em 2004 foi confirmado em 47 bilhões de reais). Espero que o ano que vem tenha uma retomada do crescimento, inclusive com queda de juros. Neste momento, a nossa preocupação é checar qual é a demanda do setor privado.

EXAME - Pelo o que foi divulgado até agora, a política industrial terá uma pretensão cirúrgica, para atuar não em setores inteiros, mas em apenas um segmento, ou apenas o elo mais fraco de uma cadeia produtiva, ou até uma empresa. O senhor confirma isso?

Furlan
- Há duas situações: podemos nos envolver em novos projetos ou eliminar gargalos de cadeias produtivas. A eliminação de gargalos, em logística, por exemplo, normalmente significa um investimento muito menor e que tem um efeito importante na produtividade. Um exemplo trivial é o Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro. É um porto aparelhado, moderno, com custo competitivo, mas que tem logística de acesso deficiente. Quando se fala em aumentar a capacidade exportadora do país, nesse caso há um gargalo específico, que é o acesso rodoviário e ferroviário - que demanda um investimento relativamente módico. Estamos olhando para esse tipo de nó e para as perspectivas, para anos à frente em setores como siderurgia, papel e celulose, eletrônicos. Estamos usando consultorias externas para verificar as tendências da economia mundial, as projeções de crescimento setoriais. Temos de levar em conta nossa capacidade de competir considerando os grandes acordos comerciais que estão sendo negociados. Há muitas frentes de ação, algumas de curto prazo. Podem ser parcerias entre os setores público e privado, como no Porto de Sepetiba, que é um porto privado.

EXAME - As ações de curto prazo podem então já incluir financiamento e investimento?

Furlan
- Incluem investimento. Todo esse trabalho de geopolítica que está sendo feito pelo presidente Lula com os países a Norte e Noroeste do Brasil vai demandar investimento. A integração física da América do Sul vai demandar investimento e financiamento, por outro lado vai criar mecanismos de prestação de serviços do Brasil, vai abrir canais de comércio.

EXAME - Todos os exemplos que o senhor deu são de infra-estrutura, mas o roteiro que o governo apresentou prevê também investimento em setores específicos.

Furlan
- A primeira prioridade é mesmo infra-estrutura. A segunda é exportação. A política industrial é voltada para a inserção competitiva do Brasil no mercado global. Se vamos firmar acordos comerciais, como estão programados, como a Alca, não podemos chegar a 2005 e dizer que não estamos preparados. O Mercosul assinou em Assunção, em maio, um acordo com a Índia. Num horizonte de tempo dos próximos três anos e meio, temos de estar preparados para negociar com esses novos parceiros também. Outro ponto altamente relevante é a estrutura de pesquisa e patentes. Todas essas coisas terão de caminhar juntas para dar suporte a um novo quadro de competitividade.

EXAME - Já que o senhor falou em pesquisa e patentes, quais são os planos para o Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial, órgão responsável por patentes, marcas e transferência de tecnologia, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento)?

Furlan
- Nós já apresentamos ao presidente Lula uma proposta de reformulação completa do Inpi. Nesse primeiro semestre, ações foram adiadas por causa da conjuntura econômica. O Inpi poderia ser reestruturado com dinheiro próprio. Eu acho que será esse o caminho. Estamos em contato com órgãos em outros países para coletar bons exemplos. Nosso compromisso é colocar o Inpi no século 21 (N.R.: o Ministério do Desenvolvimento propôs ao Ministério da Fazenda um grande plano de reformulação do Inpi ao longo de três anos, que incluirá estratégia para elevação de receita e convênios internacionais. Por enquanto, estão decididos a ampliação do orçamento do órgão para este ano em 10 milhões de reais, novo aumento em 2004 e abertura de concurso público ainda este ano para contratação de número significativo de funcionários).

EXAME - O Inpi arrecada recursos mais que suficientes para se manter, mas esses recursos ficam congelados pela necessidade de produzir superávit primário nas contas públicas. Como resolver o problema?

Furlan
- A tarefa da nossa equipe é convencer a equipe econômica que esse é um tema prioritário para a competitividade brasileira. No longo prazo, um Inpi forte, moderno e atuante nos daria uma condição melhor nas negociações internacionais. Poderíamos exigir mais contrapartidas dos nossos parceiros, principalmente Estados Unidos, Europa e Japão. Ainda na área de inovação, há o Centro de Biotecnologia da Amazônia, um projeto que está paralisado desde o governo passado. Junto com os Ministérios de Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, o governo do Amazonas e universidades, temos como meta colocar em funcionamento o CBA, principalmente com projetos que gerem benefícios sociais para a população da região. Em uma reunião recente que tivemos em Washington, executivos do Wal-Mart mostraram grande interesse em comprar cosméticos que tivessem o apelo e a cerficação da Amazônia. Isso nos dá uma diferenciação em relação aos competidores. Os recursos para colocar o CBA em funcionamento vêm parte do Ministério de Ciência e Tecnologia, parte do nosso Ministério, via Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Já estamos em contato com instituições multilaterais, como o BID, que têm grande interesse em apoiar esse tipo de iniciativa. Acredito que passado esse período de seis meses de jejum e abstinência, possamos fazer o que o presidente está anunciando e abrir as cortinas.

EXAME - A liberação de verbas vai influenciar as compras governamentais? Que tipo de impacto o senhor espera com isso?

Furlan
- O presidente Lula trata desse assunto diretamente, com muito carinho. Queremos que as empresas brasileiras concorram nas licitações e evitar que se adote um viés nas exigências que já elimine as concorrentes locais. Temos competência. Em nossa recente viagem ao Oriente Médio, ficou muito claro que o Brasil pode ser um bom fornecedor de equipamento para a exploração de petróleo, em mar aberto e em terra. Kuwait e Arábia Saudita precisam renovar seus equipamentos e o Brasil pode ser um fornecedor, em tecnologia avançada e em equipamentros triviais. Vão dizer que eu só falo de exportação, mas é porque estamos dormindo diante de algumas oportunidades. A mentalidade brasileira é de encher navio toda vez que alguém fala em exportação, ilustra com um porto, um guindaste, um navio. Esse é o clichê da exportação. Só que hoje o que está altamente desenvolvida é a exportação de serviços, que inclui turismo e software. Não temos ainda um fórum de competitividade de software, mas essa é uma área que queremos aprofundar. Temos uma meta preliminar de passar de 100 milhões de dólares de exportação de software para 2 bilhões dentro do período deste governo. É uma meta muito agressiva, mas viável. O Brasil tem infra-estrutura para ser um pólo mundial de produção de software. Nossa estrutura de telecomunicações está no estado da arte, o Brasil é o quinto país no mundo em Internet banking, o sétimo produtor de software, o 18º em e-government. A previsão é de chegar a 35 milhões de usuários de Internet nos próximos cinco anos. Acho que programas do setor público e do setor privado, incluindo as ONGs, para inclusão digital, podem fazer uma revolução neste país. Tem um dado que 61% do PIB do Brasil vem da área de serviços. Nós somos uma economia prioritariamente de serviços. Só que, no comércio exterior, 40% da nossa exportação é em produtos de menor valor agregado, primários ou semi-elaborados. Eu acho que esse é mais um ponto que nós estamos vendo passar na nossa porta uma grande oportunidade. Temos uma variedade de empresas produzindo software, fazendo novas arquiteturas e aplicações e alguns bons exemplos de exportação, mas ainda é uma coisa ínfima. Acho que os exemplos de Taiwan, Cingapura, Índia, Irlanda e Israel têm de ser seguidos pelo Brasil. Nós temos o básico, que é gente, a matéria-prima do setor, infra-estrutura de telecomunicação e, além de tudo, nós temos o mercado interno, o usuário. Mesmo a Índia, que é citada como exemplo fantástico de crescimento com a indústria de software, a aplicação desse software dentro do país é muito menor que no Brasil. Temos aí uma mina de ouro, que pode criar uma enorme gama de empreendedores e empregos, empregos bem remunerados.

EXAME - Exportações serão o grande critério de desempenho que pode ser adotado na política industrial em troca da concessão de financiamento?

Furlan
- A nossa proposta é dar ênfase à exportação porque ela vai puxar a retomada do mercado interno. Estamos vindo de um período no qual, por cinco anos, a renda disponível do consumidor caiu. Então, vai levar muito tempo até que a recuperação venha da renda disponível no mercado interno. Você acha possível colocar o país crescendo a 10% ao ano, no curto prazo? Nem Hércules. Mas fazer as exportações crescerem 10% ao ano é possível. A nossa meta é mais ambiciosa. Queremos crescer 14% ao ano na média dos próximos quatro anos e levar o Brasil a ultrapassar os 100 bilhões de dólares em exportação. Agora, imaginar que vamos crescer 14% ao ano somente nos produtos tradicionais não é possível. O grande desafio é diversificar, agregar valor e conquistar novos mercados. A prioridade é o crescimento sustentado, o incremento do comércio exterior, o desenvolvimento tecnológico. E a maior prioridade de todas é a criação de empregos e oportunidades.

EXAME - Quando insiste no ponto do desenvolvimento tecnológico, o senhor está falando também do uso de tecnologia em setores tradicionais ou apenas dos setores de base tecnológica?

Furlan
- De ambos. Precisamos fazer uma correção de rumo: ao longo dos últimos 30 ou 40 anos, os investimentos brasileiros em pesquisa e desenvolvimento foram majoritariamente voltados para as universidades. Infelizmente, com raras exceções, essas pesquisas se distanciaram do chão de fábrica. Isso é bem diferente do que fazem países como a Coréia do Sul, onde o investimento foi majoritariamente concentrado em processos produtivos. Foi uma tendência registrada em muitos países: no início, o investimento em pesquisa e desenvolvimento era uma grande responsabilidade do governo. Com o tempo, passou a ser uma grande responsabilidade do setor privado. No caso específico dos órgãos subordinados a este Ministério, como a Suframa, a nossa indicação é que as pesquisas sejam o quanto possível com aplicação prática, porque ninguém pode negar que este governo tem pressa. E tendo pressa, nós temos de produzir resultados. Temos de adotar uma visão de camelô, que fica com um olho na mercadoria e o outro na polícia. Nós temos de manter um olho no horizonte e o outro no fim do dia.

EXAME - O senhor acha que é possível fazer uma mudança cultural desse porte? Levar para dentro das empresas a capacidade de inovação dos laboratórios das universidades?Furlan - O Brasil é um país assimétrico. Temos exemplos maravilhosos de cooperação universidade-empresa, de institutos mantidos por empresas, mas essa não é a tônica. Eu me considero parte de um governo de mudança. Precisamos entrar no século 21. Os capitais privados e públicos têm de entrar numa situação de ganha-ganha. Quando você olha historicamente o que o Brasil investe em educação, saúde, pesquisa e desenvolvimento, e compara com outros países, você vê que muitos passaram na nossa frente com investimento semelhante ou menor. O grande desafio do Brasil é o desafio gerencial. O foco tem de ser na gestão, na obtenção de resultados. Nós somos um país ineficiente. A prova disso é o recente relatório de competitividade que nos coloca em 46º lugar no mundo. Como não reconhecer que nós somos um país ineficiente? O que nos impede de chegar ao 20º lugar? O principal impedimento é capacitação gerencial.

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