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Indústria pensa em abandonar gás depois de decreto boliviano

Empresas teriam de refazer investimentos milionários e voltar a combustíves como o óleo diesel

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h24.

A nacionalização do setor de energia na Bolívia tornou reféns uma série de empresas no Brasil que dependem do gás natural. No Sul do país, totalmente dependente do gás boliviano, são 281 companhias somente no setor industrial. Os grandes consumidores de gás, como os ramos de vidro e cerâmica, esperam sem saber o que terão de enfrentar nos próximos 180 dias, prazo que a Bolívia deu a petrolíferas como a Petrobras para se adequar às novas regras. O mais dramático é que as empresas - assim como milhares de consumidores, que adaptaram seus veículos para utilizar o GNV (Gás Natural Veicular) - realizaram há poucos anos fortes investimentos para passar a utilizar o gás boliviano. Do cenário de redução de custos e utilização de combustível mais limpo, as empresas não enxergam mais nada. No horizonte, somente desabastecimento ou aumento substancial dos custos.

Inspirada no entusiasmo pelo gás natural, capitaneada pelo governo brasileiro, a Saint-Gobain Vidros injetou 20 milhões de reais para adaptar três fábricas. Apesar de ter sido concluído neste ano, o investimento poderá mostrar-se inútil caso o encarecimento do combustível torne inviável o seu consumo.

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A empresa já cogita, inclusive, uma mudança de fonte energética caso o aumento dos preços chegue realmente ao consumidor final. "Vamos nos preparar para trocar de fonte a médio prazo", afirma o diretor-corporativo de suprimentos no Brasil do grupo francês, Clélio Sardilli. Se necessário, o retorno ao óleo combustível exigirá pelo menos três meses de trabalho e mais 1,5 milhão de reais. Hoje a Saint-Gobain Vidros consome 12 milhões de metros cúbicos de gás natural por mês, o equivalente a 80% do necessário para abastecer os fornos de suas fábricas - e cinco delas são integralmente movidas a gás.

A Saint-Gobain ainda tem a vantagem de poder resgatar as máquinas movidas a óleo que aposentou com a conversão. Mas a catarinense Eliane Revestimentos Cerâmicos não conta com esse consolo. Os equipamentos usados antes da troca de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), carvão natural e óleo para o gás, realizada entre 2000 e 2002, já estão sucateados. "Toda nossa demanda térmica é suprida pelo gás natural. Na hipótese de um desabastecimento, estamos despreparados", diz Otmar Müller, superintendente industrial da empresa.

A Eliane gastou 2 milhões de reais para converter a linha de produção ao gás, fonte que se mostrou 80% mais barata. Hoje, as tarefas de preparar, secar e amassar a massa para produzir peças de cerâmica demandam 170 mil metros cúbicos de gás natural todos os dias. Se este volume diminuir, por conta de um racionamento do volume vindo da Bolívia, ou do encarecimento do insumo acima de 10%, a Eliane terá de considerar alternativas para se manter competitiva, como a de confiar a etapa da secagem - que consome 40% da necessidade térmica - ao carvão mineral. A saída mais radical seria voltar à realidade anterior à chegada do carvão. "Seria voltar a usar carvão, óleo combustível e GLP, com investimentos da ordem de 5 milhões de reais", afirma Müller.

Setor siderúrgico

O setor siderúrgico também manifestou preocupação, apesar de não depender completamente do fornecimento energético boliviano. Gerdau e Belgo anunciaram que já pensam em trocar de fonte para evitar sustos. "Nas usinas em que se utiliza essa fonte energética serão adotados, caso necessário, combustíveis alternativos, como óleo diesel, óleo combustível ou GLP", afirmou, em nota, a Gerdau, que usa o gás em apenas 2,4% da sua produção. Na Belgo, o gás está presente em três unidades, com consumo total de 8,2 milhões de metros cúbicos por mês - mas somente 2,8 milhões destes, destinados à unidade de Piracicaba, interior de São Paulo, vêm da Bolívia. O plano na empresa também é trocar o gás por GLP ou óleo combustível em caso de qualquer alteração de preço ou forcimento. Na hipótese de corte de suprimento, o estado de São Paulo seria o mais afetado, já que recebe 54% de todo o gás do país vizinho, de acordo com a consultoria Gas Energy. O restante está dividido entre Rio Grande do Sul (8%), Santa Catarina (5%), Mato Grosso do Sul (5%), Paraná (3%) e refinarias da Petrobras (25%).

No Rio Grande do Sul, a petroquímica Copesul não se sente preocupada com a decisão de Evo Morales, porque está justamente preparada para usar diferentes matrizes energéticas. "Desde a fundação, há 30 anos, a empresa se preparou para eliminar a dependência de fontes externas, garantindo a continuidade operacional mesmo em alguma eventual situação adversa", afirmou a empresa em nota. Hoje a companhia consome em média 240 mil metros cúbicos por dia para produzir energia elétrica e usa outros 150 mil metros cúbicos por dia como combustível na produção.

Contra os temores da indústria, o presidente da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás (Abegás), Romero Oliveira, acredita que Brasil e Bolívia ainda devem conversar a respeito do decreto do presidente Morales, e que por isso há espaço para um futuro sem interrupção no fornecimento de gás e sem aumento nos preços. Oliveira vai ainda mais além: pensa que o episódio pode promover a fonte entre os brasileiros. "Eu acho que a questão da Bolívia vai impulsionar o uso do gás, vai dar mais para a sociedade a importância. O governo federal deverá acordar para dar tratamento adequado e preparar os planos necessários para a expansão", afirma.

Gás natural no Brasil
42,7 milhões de metros cúbicos é o consumo brasileiro de gás natural
58% desse total vem da Bolívia
53,4% do consumo total é usado pelas indústrias*
* segundo a Abegás

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