Economia

Hora de agir

Para o economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade Princeton, o governo tem boas idéias para a economia, mas precisa partir para a execução

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h04.

Qual é sua avaliação sobre o governo Lula até agora?

É preciso separar a área econômica dos outros ministérios. Na economia, o governo conseguiu apresentar uma proposta de grande consistência. O que aconteceu com os indicadores, como risco país e dólar, é uma mostra de que a consistência foi percebida pelo mercado. Mas agora é hora de passar para a realização. É importante, em primeiro lugar, aprovar a reforma previdenciária, que permite dar consistência de longo prazo ao ajuste fiscal. Em segundo, aprovar a tributária, para aumentar a racionalidade do sistema e diminuir a informalidade. Em terceiro, realizar as mudanças para ampliar a concessão de crédito, como a Lei de Falências. Além disso, há hoje uma grande incerteza em termos de regulação em setores como telecomunicações, energia elétrica e petróleo. O aumento do comércio internacional é outra área vital, e não há nenhuma pista de como vai ser atingido. O plano traçado é bom, mas agora é preciso partir para a ação.

E se isso não ocorrer?

A queda do risco país e do dólar ajuda o governo. Mas vejo uma ameaça. Se as reformas não saírem como se imagina, é muito provável que a situação volte a piorar. Por um motivo concreto: se elas não passarem, o caminho do círculo virtuoso fica completamente fechado. Aí teremos problemas sérios.

E as outras áreas do governo?

O programa social precisa ganhar consistência. A desconfiança em torno do Fome Zero faz todo o sentido, pois não parece ser o que o país precisa. Há também um ruído enorme no BNDES. O governo precisa decidir o que quer. o BNDES pode ser um hospital de empresas ou pode seguir uma linha mais racional, com impactos mais positivos para a economia brasileira.

Está faltando um rumo claro para o governo?

Sim. O governo começou sem um conjunto claro de idéias do que fazer. Falta ao presidente Lula, assim como faltaria a qualquer outro dos candidatos que concorreram com ele, uma proposta fechada de governo. Lula poderia ter se aproveitado de boas idéias e projetos em andamento sobre programas sociais, por exemplo. Infelizmente, optou pelo Fome Zero, ignorando uma série de experiências muito ricas.

Este não é um governo heterogêneo demais?

Sim. Há gente com visões de mundo muito distintas. Se o governo não conseguir lidar com isso, vai ter problemas sérios. A questão das agências reguladoras é vital. Qualquer presidente em qualquer lugar do mundo fica frustrado com as agências, exatamente por representarem um instrumento do Estado e não do governo. Bush adoraria que o presidente do Fed (o banco central americano) fosse ao Congresso elogiar o corte de impostos, mas Alan Greenspan se nega a fazê-lo. É exatamente por isso que tais agências são boas. Quem critica as agências não está querendo mais ação do Estado, mas do governo.

A valorização do real preocupa?

Estamos num sistema de câmbio flutuante e é normal que haja certo exagero, para cima ou para baixo. É muito difícil que o dólar caia a tal ponto que produza problemas na balança. Mas acho que o momento é bom para o Brasil tomar algumas medidas. Uma delas é deixar claro às empresas que quem quiser se endividar em dólar vai correr o risco cambial. Isso deve se estender ao setor financeiro. No passado, o governo errou ao vender proteção para dívidas em dólar. Uma das coisas que os economistas ensinam é que não é uma boa idéia escolher uma dívida que aumente em situações de crise. Como o dólar sempre sobe quando a economia vai mal, o Brasil deveria evitar tomar dívidas nessa moeda.

Qual a influência da guerra do Iraque sobre a economia americana?

A guerra do Iraque afeta os Estados Unidos, não tanto pelo conflito em si, mas pela falta de habilidade do presidente George Bush em sua condução. Vale lembrar: a última vez que o Canadá não esteve do lado americano numa guerra foi no início do século 19. Isso mostra o grau do isolamento americano. O fato é que a guerra, do jeito que aconteceu, ameaça a integração do mundo. A destruição da Otan, por exemplo, faz com que haja muito ceticismo em relação à Organização Mundial do Comércio (OMC). O pessoal que protestou contra a globalização em Seattle deveria erguer uma estátua para o presidente Bush. E há também o custo fiscal e político da ocupação do Iraque. Os americanos vão precisar de muita sorte para que a ocupação dê certo.

Quer dizer que os Estados Unidos caminham para uma recessão?

Ainda é cedo para afirmar. Imagine que, após a vitória militar, os americanos decidam ir embora do Iraque, exatamente como fez o presidente Reagan no Líbano. O resultado seria um desastre para os iraquianos -- mas o custo da guerra para os Estados Unidos diminuiria.

Como fica o mundo emergente?

As notícias não são boas. Todos os países tendem a melhorar quando as grandes economias vão bem. E o contrário ocorre quando elas desaceleram. Apesar das melhoras recentes, creio que o Brasil terá problemas. Um exemplo: acho essencial, para que o país volte a crescer, o aumento do comércio exterior. E isso ficou mais difícil. Basta olhar para as negociações agrícolas da OMC. Segundo o calendário original, as bases para as discussões comerciais agrícolas deveriam ter sido definidas até 31 de março. A data passou e não houve consenso. Acho que a Alca também ficou mais complicada. Não será fácil negociar com o governo americano.

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