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Hasta la vista, Davis

Schwarzenegger quer garantir o futuro da Califórnia

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h42.

O astro de Hollywood Arnold Schwarzenegger anunciou recentemente sua intenção de concorrer ao governo da Califórnia. Assim como ele, 134 candidatos estão no páreo pelo cargo, incluindo outros atores, magnatas excêntricos, uma estrela pornô e até um lutador de sumô (para se candidatar, basta recolher 65 assinaturas e pagar 3 500 dólares). A eleição, marcada para outubro, não será um pleito qualquer. Trata-se, na verdade, de um recall, expediente previsto na lei do estado da Califórnia e de outros 17 estados americanos que possibilita a convocação de uma nova eleição para substituir ou reconfirmar no cargo o governante. Da mesma forma como os compradores de carro podem ser chamados às concessionárias para trocar uma peça defeituosa de seus veículos, os californianos estão sendo convocados às urnas para decidir, em caráter extraordinário, o futuro do atual governador, Gray Davis, de 60 anos, do Partido Democrata.

Além de rara -- essa é a primeira vez em 80 anos que um governador dos Estados Unidos é submetido a um recall --, a iniciativa chama a atenção por outro traço incomum. Os californianos querem botar para fora o governador que reelegeram há apenas dez meses. Antes, permanecera cinco anos à frente dos destinos do estado mais poderoso dos Estados Unidos. Não, o governador não está envolvido em nenhum escândalo pessoal nem em desvio de dinheiro público. O que há de errado, então, com Davis? Tido como um tipo apático e sem preparo para o jogo político, ele é responsabilizado por uma das maiores crises financeiras já vividas pela Califórnia em todos os tempos.

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Terra do cinema e da alta tecnologia, o estado é o sonho dourado de boa parte dos americanos. Não bastasse o clima quente, as belas praias ao longo de um extenso litoral e as ótimas opções de lazer, a Califórnia, desde a corrida do ouro, sempre nadara em dinheiro. Tão grande é sua riqueza que, se fosse uma nação independente, seria a quinta ou a sexta economia do mundo. Mas, se fosse mesmo um país, segundo previsão irreverente da revista inglesa The Economist, a Califórnia estaria agora pedindo socorro ao FMI. Com as finanças em frangalhos, o estado precisa aumentar impostos e cortar gastos -- a velha dobradinha tão conhecida dos brasileiros sempre que o governo se vê em apuros para gerir a economia.

"Essa foi a decisão mais difícil que tomei desde que me submeti a uma depilação com cera na virilha, na década de 70", disse Schwarzenegger ao anunciar sua candidatura no programa Tonight Show, da rede de televisão NBC. O tom pode ter sido de brincadeira, mas a cautela que sugere na frase tem razão de ser. Se for eleito, o ator nascido na Áustria e casado com a âncora de TV Maria Shriver, sobrinha do ex-presidente americano John Kennedy, terá de superar um desafio maior do que qualquer um dos adversários que já enfrentou na telona: um rombo no orçamento de 38 bilhões de dólares.

A crise na Califórnia é um efeito tardio da quebradeira que abalou o mundo ponto-com no final da década passada. No tempo das vacas gordas, com o avanço da internet e o Vale do Silício operando a todo o vapor, o governo estadual viu sua receita fiscal engordar cerca de 10 bilhões de dólares por ano. Em vez tratar com sobriedade o súbito aumento de receitas, o governador Davis preferiu aumentar os gastos e reduzir os impostos. Injetou uma dinheirama para reestruturar o sistema de ensino do estado -- do jardim-de-infância ao ensino médio --, que ocupava um vergonhoso 48o lugar no ranking nacional. Quando a bolha da euforia estourou, os cofres começaram a esvaziar. Para piorar a situação, o estado passou a enfrentar uma de suas piores crises de energia. Em 2001, sob a ameaça de um grande apagão, a Califórnia assinou contratos de energia a preços exorbitantes, que logo em seguida despencaram.

Há quem aponte o dedo para além do gabinete do governador na identificação dos culpados pela crise. "Parte da responsabilidade é do governo federal, que demorou a dar estímulos econômicos e se recusou a ajudar", diz o economista Stephen Levy, diretor do Centro para Estudo Permanente da Economia da Califórnia. A suspeita é que a ajuda não teria vindo em razão da feia derrota sofrida por George Bush no estado nas eleições presidenciais. Como o exterminador do futuro pretende devolver o vigor às finanças? A receita de Schwarzenegger, um republicano moderado, com chance de vitória, é muito mais uma manifestação de intenções do que outra coisa. Ele quer atrair mais investimentos para reaquecer a economia e assim voltar a abarrotar os cofres do estado. "Precisamos atacar imediatamente o déficit operacional", diz. "Isso significa que vamos cortar despesas? Sim. Isso significa que vamos mexer na educação? Não. Isso significa que estou disposto a aumentar impostos? Não."

Caso seja eleito, Schwarzenegger vai necessitar de doses extras de paciência. O problema da Califórnia -- dizem os analistas -- é que o estado está se tornando ingovernável. Para aprovar o orçamento, o governo necessita do apoio da chamada "supermaioria" -- ou seja, dois terços dos legisladores. Num momento em que republicanos e democratas estão mais preocupados em apontar culpados, conseguir que dois terços concordem numa votação é uma meta quase impossível. Há ainda as perdas políticas. Analistas consideram questionáveis os benefícios do recall. Acredita-se que uma reconvocação de eleição meses depois de o nome do governador ter sido referendado nas urnas representa uma ameaça à democracia. "Destituir alguém sem nenhuma evidência de má gestão ou corrupção abre um precedente perigoso", diz o historiador Barry Weiss. "Meu receio é que os políticos passem a ter medo de ousar e de adotar medidas impopulares."

Resolvido seus problemas, que chances tem o Estado Dourado de viver uma nova fase de bonança econômica? Há quem diga que a Índia sediará o próximo boom tecnológico. Mas outros acreditam, sim, na recuperação da região, graças, sobretudo, ao desenvolvimento de sistemas de computadores mais baratos e poderosos, como o Google. Há quem sonhe ainda mais alto e enxergue a salvação na nova onda que está por vir, uma espécie de fusão entre bio, info e nanotecnologia. Mas, enquanto o futuro não chega, o remédio mais eficaz para a Califórnia deverá doer no bolso de seus cidadãos.

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