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Gian Kojikovski
Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 11h09.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h02.
Gian Kojikovski
O réveillon de Copacabana vai ser mais comedido este ano. Ao invés dos 16 minutos de fogos, como vinha ocorrendo nas últimas comemorações, dessa vez o céu da zona sul do Rio deve ficar iluminado por apenas 12. O motivo da diminuição de tempo é o mesmo que faz com que os funcionários públicos do estado do Rio de Janeiro tenham seus salários atrasados há meses: a crise. A escassez de recursos também vai diminuir as festas em Santos, Florianópolis, Recife e várias outras cidades. Pelo país, os problemas financeiros que atingiram os estados há alguns meses, tendo como principais vítimas, além do Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, começam a chegar aos municípios.
Mais de um terço dos municípios fluminenses atrasaram o pagamento do décimo terceiro dos servidores e, em muitos deles, os salários estão atrasados desde setembro. Em São Paulo, a cidade de Americana declarou estado de calamidade financeira no final de outubro. No começo de dezembro, o mesmo aconteceu em Divinópolis, em Minas Gerais. No mesmo estado, Betim, Itabira e Uberaba declararam calamidade nas finanças, assim como Canindé do São Francisco, no Sergipe. Pelo menos três dezenas de cidades pelo país estão na mesma situação.
O cenário é especialmente complicado Brasil afora porque soma-se à crise a boa e velha corrupção. Em Ribeirão Preto, a prefeita Darcy Vera foi presa no início do mês em uma operação da Polícia Federal, o vice-prefeito renunciou e o presidente da Câmara de Vereadores não pode assumir por também ser investigado por corrupção. Em Foz do Iguaçu, a corrupção na Câmara dos vereadores desviou 4,5 milhões de reais e levou 12 dos 15 vereadores para a prisão. Em Osasco (SP), 11 vereadores foram presos e o prefeito eleito, Rogério Lins (PTN) está foragido – o esquema de funcionários fantasmas desviou 21 milhões. Em Embu das Artes (SP), o vereador e prefeito eleito Claudinei Alves (PRB) também é foragido, acusado de envolvimento com o tráfico de drogas.
Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios no início do ano revela que 98,7% dos prefeitos disseram sentir os efeitos da crise. Quase 60% dos prefeitos admitiram, em maio, ter atrasado o pagamento a fornecedores – o número deve chegar a 70% no final do ano. Já os servidores de mais de 500 prefeituras do país tiveram o pagamento de seus salários protelados.
Para tentar resolver o problema, e pressionado pelos prefeitos, o governo federal adiantou para 30 de dezembro o repasse aos municípios de recursos arrecadados com a lei de repatriação. A previsão inicial era de que o dinheiro chegasse aos caixas das prefeituras somente em janeiro. Assim, estados e municípios contarão com a ajuda de mais de 10 bilhões de reais para quitar dívidas ainda este ano.
De onde vem o problema?
Logicamente, a crise econômica foi a responsável por deflagrar esse problema, mas ele tem raízes mais profundas. Para além da má administração e da queda da arrecadação da União, o Brasil tem municípios demais, muitos deles sem capacidade econômica de dar conta das demandas da população sozinhos. Dos 5.570 municípios do país, 4.202 têm menos de 25.000 habitantes, uma espécie de número mágico da eficiência mínima das cidades. De acordo com estudos sobre o assunto feitos mundo afora, com menos que isso, não faz sentido econômico em haver uma série de serviços em escala municipal.
Um município muito pequeno arcará com custos como a construção e manutenção de escolas, postos de saúde, hospitais, prefeitura, Câmara de Vereadores, entre outras estruturas, e, para isso, é importante que haja demanda suficiente para não haver subutilização. Além disso, ainda entram na conta o pagamento de salários de prefeito, vereadores e servidores.
Microcidades também não têm capacidade arrecadatória para se manter. Nas que possuem até 20.000 habitantes, as despesas, em média, somam cerca de 43 vezes (isso mesmo) o valor da arrecadação tributária. O complemento vem de repasses. Em 30% de todos os municípios do país não se arrecada o suficiente sequer para cobrir os custos da Câmara de Vereadores, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional.
Para a conta fechar, os custos ficam nas costas principalmente das transferências da União, vindas por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Elas são, em média, 90,3% da receita corrente das pequenas prefeituras. O FPM é uma das principais causas do crescimento desordenado no número de municípios do pais. A Constituição de 1988 aumentou o montante de recursos financeiros repassados da União para os estados e, principalmente, para os municípios “reforçando” o FPM, que passou a ser a principal fonte de recursos de vários deles. A previsão para 2017 é que o fundo seja de quase 70 bilhões de reais – 10 bilhões a mais que em 2012.
“A criação de municípios foi impulsionada pela possibilidade de eles obterem recursos através das transferências intragovernamentais alargadas pela Constituição de 1988 e devido às pretensões políticas de elites locais, que viam na emancipação uma oportunidade de expandir sua influência política e assegurar cargos no setor público”, diz Flávia Lo Buono Leite, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, que defendeu uma dissertação sobre a falta viabilidade econômica em pequenos municípios.
A própria Constituição deu aos estados o poder de ditar as regras sobre a criação de novos municípios. Como o FPM era repartido entre cidades de todo o país, era benéfico para um estado ter mais prefeituras como forma de brigar por maior participação no fundo. Assim, logo após a promulgação da Carta, houve uma corrida pela criação de municípios. Entre 1988 e 2000, surgiram 1.438 novos no país – mais de 90% deles com menos de 20.000 habitantes.
Esse movimento já havia acontecido de maneira muito similar depois da promulgação da Constituição de 1946, quando o país, em duas décadas, saltou de 1.500 para quase 4.000 prefeituras. A ditadura militar freou esse crescimento, que voltou a acontecer com a reabertura democrática. “O processo de emancipações não ponderou a criação de municípios pela viabilidade econômica e fiscal e sim pelos incentivos tributários e políticos, por meio da captação de receitas através das transferências e do aumento da influência política”, diz Flávia.
Desde o final da década de 1990, quando foi modificada a distribuição do FPM para cotas fixas de cada estado, o ritmo praticamente cessou, mas ano a ano o Congresso discute e aprova leis com novas regras, quase sempre vetadas pela presidência da República. Só a ex-presidente Dilma Rousseff vetou duas vezes um projeto que facilitaria a criação de pelo menos 200 municípios no país – o argumento era de que a população mínima fixada para novas cidades era muito baixa. O mesmo projeto foi reapresentado e aprovado no Senado em 2015 e agora espera para ser apreciado pela Câmara.
A solução é unir
Do ponto de vista da eficiência econômica, o tamanho ideal para um município, de acordo com uma pesquisa da Universidade de New England, na Austrália, seria entre 100.000 e 316.000 habitantes. Populações menores que essa acabam tendo um custo per capita muito grande para a manutenção da estrutura. “Quase 80% dos serviços e atividades municipais não possuem economias de escala para uma população inferior a 20.000 habitantes”, de acordo com estudos do especialista em políticas públicas municipais Byron Katsuyama, do centro de pesquisas Municipal Research and Services Center, em Washington. Os custos para a prestação de serviços por pessoa voltam a crescer em municípios maiores e todas as complicações provenientes do crescimento.
Cada vez mais especialistas apontam a fusão de municípios como a solução para o problema estrutural gerado ao longo das décadas, que criou muitas cidades que não conseguem se sustentar. “A fusão é uma alternativa viável, pois é possível verificar ganhos de escala com o aumento da população, gerando a diminuição do custo dos serviços”, diz a especialista em políticas públicas Flávia Lo Buono.
Além disso, cidades maiores oferecem ganhos de escala para associações econômicas e industriais, comércio e na utilização de infraestruturas já instaladas como hospitais, creches e escolas. Claro que existem os problemas geográficos. O distrito de Castelo dos Sonhos, com 15.000 habitantes, fica a 950km do centro de Altamira, no Pará. Mas casos como esse formam exceções.
Foi isso que aconteceu em vários países da Europa nas últimas décadas. A mudanças do perfil econômico dos países e o consequente encolhimento das receitas fez com que, no começo da segunda metade do século passado, países já desenvolvidos, como Inglaterra, Suécia e Holanda, optassem pela consolidação. Os países do Leste, que permaneceram fragmentados, como Croácia e República Checa, tiveram que enfrentar o problema na década de 1990. A Suécia, por exemplo, diminuiu de 2.281 municípios na década de 1950 para 286 na de 1990 – hoje tem 290. A Alemanha foi de mais de 24.000 para cerca de 8.000 no mesmo período; o Reino Unido, de mais de 2.000 para pouco menos de 500.
No Brasil, a lei estabelece critérios para fusão de municípios, mas isso não sai do papel. “Não se pode impedir que, em função de mudanças econômicas e demográficas, novas cidades surjam e outras sejam fundidas. Se tudo ficar como está, também poderá haver desperdício de dinheiro se continuar a existir municípios em áreas que perderam importância econômica e que poderiam deixar de ter governo próprio, sendo incorporados a outros municípios”, disse em um texto de 2013 sobre o assunto o especialista em finanças públicas e assessor especial do Ministério da Fazenda Marcos Mendes.
Mas fusões são raras. Em São Paulo, aconteceu quando Santo Amaro foi reincorporado como distrito da capital depois de cem anos emancipada. Os paulistanos ficaram responsáveis por quitar a dívida do novo bairro, mas ganharam para si o recém-construído aeroporto de Congonhas. Na lógica federativa, os municípios existem para que a população esteja mais próxima do processo decisório. Mas essa eficiência só se traduz em realidade se a prefeitura puder caminhar com as próprias pernas.