Especialistas dão sugestões para desafogar Congonhas
Caos aéreo poderia ser resolvido por medidas que distribuiriam o fluxo da demanda, como a redução das taxas de embarque em aeroportos de menor uso
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h32.
A resposta para o dilema de o que fazer com o aeroporto de Congonhas, encravado na cidade de São Paulo e cenário do acidente da TAM que pode ter deixado mais de 200 vítimas fatais, está em uma mudança de gestão do sistema de transporte aéreo no país, segundo especialistas. Para eles, uma nova regulamentação do setor poderia ser mais eficaz e barata do que a transferência do aeroporto para outra região.
O acidente com o avião da TAM em São Paulo, nesta terça-feira (17/7), fez com que Congonhas voltasse a ser encarado com desconfiança pelos paulistanos e como um problema pelas autoridades da aviação civil. Há pelo menos 11 anos, desde que os moradores do bairro do Jabaquara assistiram a um Fokker-100 da TAM cair sobre a região depois da decolagem, a presença de Congonhas no meio da cidade é questionada. Ontem, o Ministério Público voltou a pedir à Justiça Federal o fechamento do aeroporto até o fim da investigação do acidente desta semana, "de forma a garantir a segurança de todos os usuários do transporte aéreo e dos moradores do entorno". Aeroporto mais movimentado do país, por onde transitam 7.600 aeronaves e 1,5 milhão de passageiros por mês, Congonhas sofre pelo fato de ser a via de mais fácil acesso para quem quer chegar ou sair da cidade que é a capital financeira do país. A vantagem atrai consumidores e companhias aéreas. As empresas, interessadas em lotar suas aeronaves para garantir rentabilidade, transformaram Congonhas também em um abarrotado centro de conexões. "As empresas seguem a lógica empresarial e concentram vôos em Congonhas, que é o eixo do mercado", diz Fernando Perrone, presidente da Infraero entre 2000 e 2002. Uma concentração que tem minado as forças de muito passageiro. Atrasos e cancelamentos de vôos, intranqüilidade quanto à segurança, mudanças repentinas de rotas são mostra de que já passou da hora de o governo inverter o processo que tem imperado no mercado. "Essas são evidências de que o sistema não está bem. Precisamos é desconcentrar".
A distribuição da demanda, na visão do especialista, seria uma alternativa mais eficiente do que as possibilidades de transferência da estrutura de Congonhas para outra área e de construção de mais um aeroporto na cidade. A localização de Congonhas, para Perrone, não seria uma questão de risco, já que uma integração como essa entre aeroportos e cidades é comum em todo o mundo. Já a criação de um novo aeroporto sem que haja mudanças na gestão dos aeroportos seria inócua. "Teríamos que fazer um aeroporto novo a cada cinco anos", diz. A solução, portanto, estaria em medidas como a obrigação de que as companhias aéreas atuem em áreas de pouca concentração de passageiros, o que as faria operar em rotas menos rentáveis e desafogaria Congonhas. Promover a concorrência em regiões importantes e atrelar às concessões a condição da cobertura de mercados pouco atraentes e menos abastecidos geraria a desconcentração de vôos - e só benefícios aos consumidores.
No caso de São Paulo, a demanda teria de ser deslocada para os aeroportos de Cumbica, em Guarulhos, e Viracopos, em Campinas. Cumbica hoje também recebe quase 1,5 milhão de passageiros por mês, como Congonhas, enquanto em Viracopos a movimentação é bem inferior, de 75 mil mensais. Apesar de Viracopos ainda ter muito espaço a ser usado, segundo Perrone, a ampliação desses dois aeroportos é imprescindível para que o governo viabilize a distribuição do volume de brasileiros que hoje embarcam ou desembarcam em Congonhas. Para a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Lúcia Helena Salgado, uma idéia que deveria ser estudada pelo governo é a de fomentar o uso desses dois aeroportos, e também o de outros terminais de menor procura, por meio de taxas aeroportuárias mais baratas. "As tarifas têm de refletir a demanda. À medida que não reflitam, as companhias aéreas vão preferir voar nos aeroportos centrais, isso é óbvio", afirma Lúcia. Um custo de embarque mais barato poderia incentivar passageiros a procurar vôos que partam de Viracopos, por exemplo, ao invés de Congonhas. Essa seria uma forma de debelar a crise aérea sem apostar todas as fichas em obras de novas pistas, como a que se prevê para Cumbica. Até porque o histórico registrado nas operações de Congonhas entre 2003 e 2006 mostra que o número de aeronaves em trânsito cresceu apenas 4,6%, enquanto o volume de passageiros disparou 49,7%. A disparidade é resultado da maior eficiência das aeronaves, que hoje transportam mais pessoas e passam mais tempo no ar. Outras opções, na opinião de Lúcia, seriam a transferência de todos os vôos particulares para o Campo de Marte e a privatização da gestão de aeroportos. "O Código Aéreo de Aeronáutica permite a concessão da administração a empresas", afirma. Segundo ela, a transferência do encargo para a iniciativa privada permitiria mais investimentos: "A Infraero vai destinar 6,5 bilhões de reais aos aeroportos entre 2007 e 2010. Mas há pesquisas que mostram que serão necessários de 10 a 15 bilhões de reais".
Para Perrone, é preciso que o governo imponha de vez uma regulamentação que não seja totalmente favorável às empresas aéreas. "Há medidas que vão contra a lógica econômica das companhias, mas são necessárias", diz Perrone. Se efetivamente implementadas, elas teriam, no entanto, de ser complementadas por uma política de acessibilidade. Em países europeus, os aeroportos são integrados a outras formas de transporte, seja metrô, trem ou estações de ônibus. O Brasil teria de exercer uma política parecida para incentivar quem mora em São Paulo a se deslocar até Campinas, por exemplo, para viajar de avião. Já há propostas nesse sentido: a de uma linha ferroviária entre São Paulo e Cumbica e a de outra linha, também ferroviária, que ligue São Paulo a Guarulhos. "A questão é a congestão de Congonhas. Mas, como em qualquer lugar do mundo, existem opções", diz Lúcia Helena.