Economia

É muito mais do que esporte

A Global History of the Olympics Editora: W. W. Norton & Company Autor: David Goldblatt ————————- Mauricio Barros  Faltavam poucos dias para o início dos Jogos do Rio de Janeiro e uma das maiores potências olímpicas da história, a Rússia, não sabia quantos atletas a representariam na competição. Desde maio último, quando o The New York […]

ABERTURA DOS JOGOS: ao longo da história, as Olimpíadas foram palco das mais variadas batalhas políticas  / Marko Djurica/ Reuters

ABERTURA DOS JOGOS: ao longo da história, as Olimpíadas foram palco das mais variadas batalhas políticas / Marko Djurica/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2016 às 07h50.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.

A Global History of the Olympics
Editora: W. W. Norton & Company
Autor: David Goldblatt

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Mauricio Barros 

Faltavam poucos dias para o início dos Jogos do Rio de Janeiro e uma das maiores potências olímpicas da história, a Rússia, não sabia quantos atletas a representariam na competição. Desde maio último, quando o The New York Times publicou denúncias de um alto executivo do esporte russo, todos os atletas do país foram postos sob suspeita de competir dopados.

Grigory Rodchenkov, ex-diretor do laboratório antidoping dos Jogos Olímpicos de Inverno realizados na cidade russa de Sochi, em 2014, revelou ao jornal norte-americano um esquema de estímulo ao doping e acobertamento de resultados positivos que seria comandado pelo governo de Vladimir Putin. As denúncias levaram a Agência Mundial Antidoping (AMA) a solicitar uma investigação ao advogado canadense Richard Mclaren. O relatório final foi devastador. Entre as trapaças, estaria a troca de amostras de urina dos atletas dopados por conteúdo “limpo” coletado dos mesmos esportistas antes de começarem a ingerir as substâncias proibidas. “Desse método se aproveitou a imensa maioria dos esportes olímpicos de inverno e verão da Rússia”, escreveu McLaren.

A AMA recomendou a exclusão da Rússia da Olimpíada do Rio. O Comitê Olímpico Internacional (COI) aliviou. Sob o argumento de que não poderia prejudicar os atletas honestos, recomendou a punição apenas dos que estivessem envolvidos. Uma das atingidas foi a estrela do salto com vara Yelena Isinbayeva, duas vezes medalha de ouro, em Atenas-2004 e Pequim-2008. O resultado foi a diminuição de 368 para 271 atletas russos disputando a Olimpíada do Rio de Janeiro.

A desconfiança não é nova. Durante a Guerra Fria, os países do bloco comunista eram acusados das mais diferentes artimanhas para verem seus atletas vencendo as competições internacionais, por trás e pela frente da Cortina de Ferro. O doping, entretanto, está longe de ser exclusividade das nações que viviam na órbita soviética. Ao longo da história dos Jogos, norte-americanos, brasileiros, canadenses, ingleses e tantas outras nacionalidades povoaram a lista de esportistas que buscam a vitória pelo atalho químico — e sabe-se lá quantos outros conseguiram escapar, mantendo para si sua transgressão. O agravante, no caso russo, é que o relatório de McLaren aponta o dedo claramente para o que seria uma política governamental, e não para ações individuais de atletas e técnicos. As autoridades da Rússia têm esperneado contra o que consideram ser uma grande injustiça.

A Olimpíada do Rio de Janeiro é a 31ª edição dos Jogos na chamada Era Moderna. Seu idealizador, o francês Pierre de Coubertin, aristocrata que tinha título de Barão, por mais visionário que fosse, jamais poderia imaginar em 1896, ano da primeira Olimpíada, em Atenas, que o evento que ele tanto se esforçara em reviver se tornaria, ao menos em certo aspecto, o oposto do que idealizava: um encontro entre as nações do planeta para celebrar a paz através do esporte. Embora o “espírito olímpico” seja claramente perceptível entre atletas e torcedores, a Olimpíada tornou-se vitrine para demonstrações de força das grandes potências. Em nenhum período isso ficou tão claro como na Guerra Fria: sem poder apertar o botão vermelho, Estados Unidos e União Soviética travaram sua batalha particular no quadro de medalhas. Em duas ocasiões, golpe e contragolpe, o esporte virou front às avessas, com os boicotes dos capitalistas à Olimpíadas de Moscou-1980 e dos socialistas aos Jogos de Los Angeles-1984.

No livro A Global History of the Olympics (W. W. Norton & Company), ainda sem tradução em português, o jornalista e sociólogo inglês David Goldblatt esmiúça a história dos Jogos. Em sua abordagem, porém, o que menos importa é o que aconteceu nas quadras, campos, tablados e piscinas. Edição por edição dos Jogos, Goldblatt, cujo livro anterior foi sobre o Brasil (Football Nation: The Story of Brazil Through Soccer), lança seu olhar crítico sobre o processo que transformou, ao longo do tempo, os Jogos Olímpicos em um evento-chave no tabuleiro geopolítico internacional.

Quando o autor narra a gênese da missão de Coubertin em reviver os jogos da Era Clássica, não há como deixar de notar o paradoxo existente entre seu propósito original, de um evento apolítico, e as alianças que fez para viabilizar a primeira edição. O barão usou o seu trânsito com autoridades, monarquias, oligarquias e endinheirados da Europa para levar o projeto adiante.

As primeiras edições pegaram carona nas Feiras Mundiais, as Expos, que reuniam milhares de pessoas do mundo todo para ver as maravilhas da tecnologia, artes e cultura produzidas no “mundo civilizado”. Era a Belle Époque, período de prosperidade, desenvolvimento e florescimento da economia e da cultura na Europa Ocidental e Estados Unidos, com relativa paz mundial, que compreendeu o fim do século XIX e início do século XX. Embora os ideais do Olimpismo fossem reconhecidos pelas autoridades, as competições, mesmo como apêndice de um evento maior e mais amplo, já se viam fadadas a absorver um pouco do caráter de exibição de “força e superioridade”, clara preocupação principalmente dos países e cidades que sediavam a feira.

Foi só em Estocolmo-1912, a quinta edição, que Coubertin, à frente do COI, conseguiu dissociar os Jogos do que ele considerava ser “a desordem ideológica e a vulgaridade comercial” das Feiras Mundiais, mantendo, entretanto, a atmosfera de modernidade. Os Jogos na Suécia foram a primeira Olimpíada a receber competidores de todos os continentes. O sol brilhou como em nenhuma outra edição e o evento foi um sucesso, reunindo cerca de 2.400 atletas.

A sombra da guerra

Na primeira Olimpíada pós-Primeira Guerra Mundial, Antuérpia-1920, a conexão esporte e política não poderia ser mais concreta. Coubertin reassumia o comando do COI após se apresentar, durante o conflito, às Forças Armadas da França. Durante as competições, o nadador americano Aileen Riggin fez um passeio pelos arredores e trouxe como suvenires capacetes alemães e uma bota de soldado que, para seu espanto, trazia um pé decepado dentro. Nos discursos, a tônica era o esporte e o Olimpismo como ferramenta de apaziguamento de toda a Europa. Mas era inevitável que as disputas carregassem tristeza e ódio, pelos milhares que morreram, muitos deles atletas, e pela tonelada de ressentimentos entre as nações envolvidas.

O Movimento Olímpico passaria a lidar com as complexas questões de um novo mundo: a Revolução Russa, os movimentos organizados de trabalhadores, as mulheres pedindo espaço, os negros clamando por igualdade. Mas a sombra da guerra voltaria a nublar o esporte nos Jogos de 1936, quando as nações derrotadas na Primeira Guerra, como a Alemanha, puderam voltar a competir. O palco: Berlim.

Recém-empossado chanceler, Adolf Hitler deu seu apoio pessoal à realização dos Jogos, apesar de boa parte da população ser contra. Seria uma oportunidade de uma combalida Alemanha mostrar seu vigor cultural ao mundo, acreditava o líder nazista. A essa altura, a máquina estatal alemã de estímulo ao esporte já havia excluído os judeus de qualquer participação em clubes e competições. O esporte era um instrumento assumidamente importante da política e comunicação do governo nazista.

A imprensa governista passou a reproduzir aos montes as histórias de esportistas heróis e patriotas, expoentes de uma “raça superior”, a ariana. A opinião púbica rapidamente virou casaca e passou a apoiar a iniciativa.
O investimento atingiu Berlim de um modo nunca antes observado. As estruturas esportivas foram planejadas em dimensões bem maiores que as acordadas com o COI. Praças e estações de metrô surgiram, o estádio Olímpico foi erguido podendo receber 110.000 espectadores. Outros equipamentos foram construídos, como um complexo aquático, uma arena para hóquei, hípica e quadras de tênis.

O COI, já com Coubertin como presidente honorário desde 1925, começou a ver com preocupação o enorme envolvimento do estado alemão. A entidade teve que pressionar o governo nazista para que permitisse a participação de judeus tanto na plateia quanto nas disputas.

Nos campos de competição, o mundo jamais vai esquecer o banho que os atletas negros americanos deram no estádio Olímpico, liderados por Jesse Owens, que ganhou quatro medalhas de ouro: 100 e 200 metros rasos, revezamento 4 x 100 metros e salto em distância. É falsa, entretanto, a informação de que Hitler se recusou a cumprimentar Owens. O líder nazista já havia tomado a decisão de não descer da sua tribuna, a pedido da organização, pois o tumulto causado pelas pessoas que queriam cumprimentá-lo atrasava o andamento da programação. O próprio Owens declarou que Hitler acenou para ele, cumprimentando-o pelas vitórias.

Depois de Berlim, os Jogos jamais seriam os mesmos. Veio a Segunda Guerra Mundial e uma nova suspensão. Ao conflito no front físico seguiu-se a Guerra Fria no front velado. Não sem antes o pódio olímpico ser palco, na Cidade do México-1968, do protesto dos atletas negros Tommie Smith e John Carlos, dos EUA, respectivamente vencedor e terceiro colocado dos 200 metros rasos. Após receberem as medalhas, ambos levantaram os braços com os punhos fechados, na saudação tradicional dos Panteras Negras, grupo militante da causa antirracista. Não sem antes, também, o ódio étnico, em 1972, em Munique, Alemanha, ter matado 11 atletas da delegação de Israel, assassinados em um atentado do grupo terrorista palestino Setembro Negro.

Nos anos 80, o auge da instrumentalização do esporte com arma de conflito foram os dois boicotes em massa em Moscou e Los Angeles. Com o esfacelamento do mundo comunista, a Olimpíada entrou na era do marketing e do big business. Os feitos esportivos serviram de trampolins para contratos milionários e exploração maciça da imagem dos atletas, anos luz do amadorismo de outrora. Pequim-2008 trouxe de volta o “caráter exibicionista” do evento, com os chineses fazendo de tudo para ostentar seu poder, tanto nas edificações quanto no quadro de medalhas.
Em A Global History of the Olympics, Goldblatt traz um admirável arsenal de informações para compreendermos a natureza do evento que o Brasil agora hospeda. É muito mais do que esporte.

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