Economia

Democracia ruim trava Brasil, diz professor de Harvard

Para James Robinson, autor de “Por que as Nações Fracassam”, só movimento fora da política pode desafiar instituições “extrativas” que impedem desenvolvimento

James Robinson, professor de Governo na Universidade de Harvard (Divulgação)

James Robinson, professor de Governo na Universidade de Harvard (Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 28 de janeiro de 2015 às 17h04.

São Paulo – O que é que faz uma nação prosperar enquanto outra fracassa?

A pergunta assombra políticos, teóricos e cidadãos comuns há séculos, e todo tipo de resposta já foi apresentada: da geografia à cultura, passando pela tese de que os pobres são pobres simplesmente porque não sabem como é que se faz.

James Robinson, professor de governo na Universidade de Harvard, arriscou uma resposta com seu colega Daron Acemoglu. Para eles, a chave está nas instituições políticas que uma sociedade cria e como elas acabam definindo os incentivos no cenário econômico.

A tese está no livro “Por que as Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, já publicado no Brasil. Britânico que mora nos Estados Unidos há quase 30 anos, Robinson conversou com EXAME.com por telefone no final do ano passado. Veja a entrevista:

EXAME.com - Seu livro se chama “Por que as Nações Fracassam”, mas essa me parece uma pergunta mais fácil do que: por que as nações tem êxito?

James Robinson - O sucesso é mais fácil de explicar do que o fracasso. Os economistas sabem o que torna um país rico: investir em educação e bens públicos, acumular capital, adotar tecnologias melhores, etc. O que intriga é porque isso não acontece mais.

Na nossa visão, o que cria o fracasso é quando a sociedade se organiza de uma forma que destrói os incentivos da maior parte das pessoas. O que cria o sucesso é quando ela se organiza para criar incentivos e oportunidades amplas. Nosso livro é sobre as dificuldades políticas em criar uma sociedade que faça isso.

EXAME.com - Uma das ideias é que um sistema político inclusivo permite um sistema econômico inclusivo. Como funciona esse mecanismo?

Robinson - De várias formas. Instituições econômicas inclusivas criam um campo de igualdade de condições, oportunidades amplas, ausência de monopólios e barreiras para entrada. Mas o que cria igualdade perante a lei ou a expectativa de que contratos serão honrados independentemente de conexões pessoais ou políticas? É a distribuição ampla de poder político e a existência de um poder central efetivo, crucial para garantir essa igualdade.

EXAME.com - Comparando o Brasil com outros países latino-americanos, o que foi positivo e negativo na nossa evolução histórica?

Robinson - A divergência nas Américas tem raízes profundas na formação das sociedades coloniais. O Brasil é, como os Estados Unidos, mais heterogêneo do que a maior parte dos latinos. Só que nos EUA o Norte venceu a Guerra Civil e o Sul não pôde determinar a evolução das instituições, enquanto no Brasil os lugares com instituições mais extrativas puderam exercer muito mais influência. Vocês tiveram escravidão por mais tempo, e um impacto maior dela sobre as instituições.

Iniciativas modernas para construir o Estado, como a de Getúlio nos anos 30, não puderam lidar com essa longa sombra do passado de coerção no trabalho e instituições extrativas; as mudanças na América Latina vieram em ritmo glacial e vocês ainda tem níveis enormes de desigualdade, privilégios enraizados e aspectos oligárquicos. Se você for ver quem são os mais ricos em qualquer pais latino-americano, são sempre monopolistas como Carlos Slim no México. O elemento de conexões e clientelismo é muito poderoso.

Somos muito otimistas em relação ao Brasil – talvez até demais, segundo meus amigos brasileiros – porque falamos sobre como quebrar essas instituições extrativas: com uma ampla coalizão que se forma fora das instituições politicas existentes e pode romper esse equilíbrio. Acho que o consenso agora entre os cientistas políticos é que o PT começou assim, mas quando chegou ao poder, foi corrompido e se tornou muito mais clientelista, mantendo apenas parte da sua forma original.

EXAME.com - Então o rompimento tem que vir de outro lugar.

Robinson - Tem que vir de fora. Há potencial para mudança se as pessoas se organizarem coletivamente e identificarem o que está errado, mas um dos problemas das democracias disfuncionais é que mesmo quando estas sociedades se tornam mais inclusivas, geram uma democracia de baixa qualidade, e fica difícil dar o próximo passo, como se você ficasse preso. É uma luta.

EXAME.com - Um país rico em recursos naturais não tende a ficar preso em instituições extrativas? Está na própria palavra. O próprio Brasil foi muito beneficiado pelo ciclo de alta das commodities, o que alimentou uma certa complacência em relação a reformas estruturais.

Robinson - No livro, tendemos a minimizar esse fator. Estes recursos podem ser importantes em algum momento crucial de formação das instituições, mas depois, não sei. Olhando pra Venezuela, me parece um país latino-americano normal, com todos os problemas dos outros: democracia de baixa qualidade, populismo, clientelismo, desigualdade alta, políticas erráticas, etc. Muito mais moldado pela história, como Colômbia e Equador, do que pelo petróleo descoberto nos anos 20. Há uma variação grande de desempenho econômico entre países ricos em recursos.

EXAME.com - Você fala muito de democracia: você acha que ela está em crise?

Robinson - O mundo é hoje mais democrático do que em qualquer outro momento. Até na América Latina: há problemas, mas comparando com as ditaduras militares, houve muita melhora, o que também é verdade na África, apesar de serem democracias de baixa qualidade. A democracia não é uma vara de condão para criar prosperidade, especialmente quando o estado é muito fraco. Ter uma eleição não resolve problemas institucionais, e a comunidade internacional tem sido culpada de imaginar que é assim que funciona.

EXAME.com - Falando em democracia, e a China? O fato dela não ser uma democracia será um obstáculo para a continuidade do seu processo de desenvolvimento?

Robinson - É uma pergunta complicada. O que dizemos no livro é que o crescimento econômico da China será insustentável se ela não desenvolver instituições politicas inclusivas. A China tem um Estado efetivo, mas não uma distribuição ampla de poder politico na sociedade, e a história ensina que poder politico concentrado tende a ser abusado em detrimento da economia.

As atitudes com a China me assombram: essa ideia de que uma ditadura liderada pelo Partido Comunista, porque produziu crescimento por 25 anos, não é a mesma que trouxe a revolução cultural! É fácil se iludir: a URSS teve décadas de crescimento e todo mundo estava convencido de que eles dominariam o futuro, algo do qual as pessoas riem hoje.

Os chineses não tem um modelo sustentável; há enormes conflitos latentes reprimidos e alguma hora isso vai explodir. Vai aparecer uma democracia harmônica? Talvez, como na Coreia do Sul. Mas também pode virar a Síria. Há uma ilusão de que a China é homogênea, quando na verdade ela tem varias diferenças culturais, linguísticas e de identidades.

EXAME.com - Indo para os Estados Unidos: você acredita que a desigualdade na política – com o fim do limite para financiamento de campanha, por exemplo - está relacionado com o aumento da desigualdade econômica?

Robinson - Sempre existe alguém que quer tomar vantagem das instituições as tornando extrativas, e na historia dos EUA houve tentativas que sempre falharam. Terão sucesso agora? Não sei.

Houve um crescimento grande da desigualdade da renda do trabalho e ao mesmo tempo, politicas públicas pró-ricos como corte de impostos sobre ganhos de capital e herança. São duas coisas simultâneas, mas difíceis de conectar. É provável que a desigualdade econômica esteja “vazando” em politicas amigáveis aos ricos e é preocupante se uma parte da população começa a exercer uma influência inadequada na politica.

Mas faço duas ressalvas: a captura da politica pelos ricos era muito pior no século XIX e foi revertida pelos populistas e progressistas, então há base para otimismo. E não vejo essa oligarquização no setor privado, onde ainda há muita competição, inovação e novos atores. Os Rockefellers da vida tinham muito mais poder de mercado do que qualquer um hoje. Sou otimista porque as instituições americanas foram muito resilientes por 200 anos.

EXAME.com - Outro tema que você trata é o da ajuda ao desenvolvimento, tópico de muita controvérsia. Existe uma forma certa de olhar pra isso? Como ajudar o desenvolvimento de fora e construir instituições inclusivas sem sustentar sistemas corruptos?

Robinson - A ajuda internacional é capaz de várias coisas boas – colocar um teto na escola, vacinar crianças, cavar um poço etc., mas sozinha, não tem muito impacto sobre o desenvolvimento das instituições, e para isso não há receita.

Há muitos exemplos de onde a pressão internacional ajudou; as sanções sobre a África do Sul, a pressão para o Quênia se democratizar, etc. Resolveu todos os problemas? Não, mas as coisas estão melhores do que eram. Como intervir para fazer isso de forma sistemática? É mais complicado, porque os detalhes das instituições são muito diferentes em cada país.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaChinaDemocraciaDesenvolvimento econômicoEntrevistasEstados Unidos (EUA)Países ricos

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor