Economia

Dados da economia geram polêmica no Financial Times e mobilizam oposição

Revisão dos dados de exportação foi destacada pelo jornal britânico, gerando acusações de fraude deliberada ainda que sem evidência

Exportação: diferença registrada em novembro faz com que a balança comercial brasileira fosse de um déficit para um superávit (Mario Tama / Equipe/Getty Images)

Exportação: diferença registrada em novembro faz com que a balança comercial brasileira fosse de um déficit para um superávit (Mario Tama / Equipe/Getty Images)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 4 de dezembro de 2019 às 17h58.

Última atualização em 4 de dezembro de 2019 às 20h40.

São Paulo — Uma matéria publicada nesta terça-feira (03) pelo Financial Times citando preocupação de analistas com a divulgação de dados econômicos brasileiros mobilizou críticos do governo Bolsonaro.

Na última quinta-feira (28), o Ministério da Economia corrigiu dados da Secretaria de Comércio Exterior que registravam os valores das exportações brasileiras em US$ 18,921 bilhões em setembro, US$ 18,231 bilhões em outubro e US$ 9,681 bilhões até 24 de novembro.

Com a revisão, as vendas externas ficaram em US$ 20,289 bilhões, US$ 19,576 e US$ 13,456 bilhões, respectivamente. A diferença registrada em novembro faz com que a balança comercial brasileira — diferença entre exportações e importações —, fosse de um déficit para um superávit.

"As recentes revisões e a possibilidade de mais por vir levantaram dúvidas pela primeira vez sobre os dados brasileiros, há muito vistos como um exemplo de pontualidade e transparência entre os países emergentes", diz o texto do jornal.

A acusação de manipulação de dados é comum no caso de países autoritários, e especialmente na China, enquanto países como Argentina e Venezuela já tiveram períodos em que dados possivelmente negativos deixaram de ser reportados por muito tempo.

Apesar de os analistas ouvidos pelo jornal britânico dizerem que não há suspeitas de que os dados do Brasil foram manipulados, a publicação foi citada em redes sociais por vários parlamentares de oposição, além do youtuber Felipe Neto, como prova de que o governo estaria falseando dados deliberadamente.

O caso aconteceu em um contexto de deterioração da conta corrente brasileira que afetou a cotação do dólar, fazendo com que a moeda batesse três recordes seguidos na semana, chegando a 4,25 reais na quarta-feira (27). Após as revisões, no entanto, a moeda brasileira recuperou perdas. 

Um dos analistas ouvidos pelo jornal, do Goldman Sachs disse que "pessoas certamente ganharam ou perderam dinheiro" como resultado da confusão sobre o verdadeiro estado das exportações. Mas o mesmo analista ressaltou que não havia suspeita de que os dados haviam sido manipulados.

Resposta

Na segunda-feira à noite, o Ministério da Economia disse que seu erro foi causado por uma falha em registrar um grande número de declarações de exportadores nos últimos três meses.

A atualização de dados depois de sua publicação é uma prática comum, já que a consolidação dos dados se dá ao longo do tempo. As mudanças preocuparam, no entanto, por terem sido feitas duas vezes em menos de uma semana e com diferenças significativas.

"Não acredito em qualquer malícia. O mais provável é a influência da fusão de ministérios e mudanças de chefias com cortes de pessoal", diz Paulo Rabello de Castro, presidente do IBGE entre 2016 e 2017, em mensagem a EXAME.

Criado no inicio do ano, o Ministério da Economia — apelidado de superministério de Guedes — reúne as antigas pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior (Mdic), além de algumas partes do Ministério do Trabalho.

PIB

Há uma questão adicional. A correção divulgada pelo governo foi feita dias antes da publicação do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre. Isso sugere que o cálculo do PIB do período pode ter usado dados incorretos referentes ao mês de setembro.

Segundo os dados publicados pelo IBGE na terça-feira, a economia brasileira acelerou seu crescimento para 0,6% de julho a setembro, o que surpreendeu o mercado positivamente.

A divulgação trouxe também que as exportações do Brasil tiveram contração significativa, com recuo de 2,8% na base trimestral e 5,5% na base anual. 

O IBGE divulgou uma nota técnica nesta quarta-feira (04) comunicando que será feita uma revisão nos resultados, mas destacando que elas não devem gerar grandes alterações no que foi apurado até então.

A revisão será divulgada em 4 de março do próximo ano, quando o instituto apresentará os dados das contas nacionais do quarto trimestre de 2019.

A revisão das estimativas anteriores do IBGE na medida que os dados se consolidam também é uma prática comum. O órgão revisou nessa semana, por exemplo, o crescimento de 2018 de 1,1% para 1,3%.

O Ministério da Economia informou que a retificação dos dados da balança também levará o Banco Central (BC) a revisar os números das contas externas, indicador que inclui saldo comercial, saldo de serviços, remessas líquidas de renda ao exterior, entrada e saída de aplicações financeiras e investimentos estrangeiros diretos.

Em nota, o BC afirmou que as estatísticas das contas externas serão revisadas na próxima publicação, que será divulgada em 20 de dezembro.

Falha na transmissão

Segundo o Ministério da Economia, o problema na balança comercial foi causado no momento de transmissão dos dados à Secex.

A falha ocorreu porque o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) descumpriu as recomendações de um fornecedor de equipamentos na hora de programar a coleta dos dados dos relatórios de exportações enviados pelas empresas.

Em janeiro, entrou em vigor o novo sistema de estatísticas comerciais, desenvolvido pelo Serpro, que substituiu o antigo Siscomex. Por enquanto, somente as exportações estão sendo apuradas pelo novo sistema. As importações continuam a ser contabilizadas pelo modelo antigo.

Diretor de Desenvolvimento do Serpro, Ricardo Jucá disse ter havido um erro humano na programação da coleta de dados, que começou a pegar amostras dos relatórios de exportação em vez de pegar os dados totais. "Esse serviço faz uma consulta ao banco de dados e essa consulta não estava retornando a totalidade das exportações no período apurado", disse.

Ele explicou que o problema afetou as exportações de vários setores da economia, sem se concentrar num produto ou empresa específica.

Ao perceberem que os números das exportações vinham mais baixos que a série histórica, explicou Jucá, os técnicos da Secex pediram ao Serpro uma auditoria nas estatísticas de vendas externas do ano, que constatou que os erros começaram a aparecer em setembro. "Foi uma infelicidade. O volume de dados cresceu, e não fizemos os testes necessários", disse Jucá.

O subsecretário de Inteligência e Estatística de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Herlon Brandão, disse que o governo ainda está avaliando se o incidente configurou quebra de contrato e se o Serpro seria punido com uma multa. "Isso está sendo avaliado. Se as prestações foram cumpridas. Quais as consequências, ainda não posso afirmar", justificou.

Nota do Sindicato Nacional dos trabalhadores do IBGE

No dia de ontem, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia anunciou uma revisão nos dados relativos as exportações para os meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2019. A revisão ocorre em função de um erro de programação no sistema mantido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

Nesse contexto, repercutiu na imprensa brasileira a matéria do jornal britânico Financial Times, com titulo "Falha em dados econômicos brasileiros preocupa analistas".

Ao contrário do que alguns sites brasileiros noticiaram, o Financial Times não apontou manipulação de dados, e sim um contexto de precarização técnica.

Nas palavras dos analistas ouvidos pelo jornal "não existe suspeita de que os dados foram manipulados" e "o mais provável é que a explicação real seja que o Ministério da Economia (...) tenha caído vítima das medidas de corte de custo que ele mesmo decretou. 'As contratações estão congeladas e muita gente está se aposentando, e por isso eles estão sobrecarregados' ”

Cabe esclarecer que órgãos do Governo Federal como Banco Central, Secretaria de Comércio Exterior e IBGE possuem uma longa tradição na divulgação de dados estatísticos. A excelência desse trabalho é reconhecida nacional e internacionalmente. A construção da robustez dessas informações produzidas pelo Estado brasileiro só foi possível pela competência e dedicação de servidores comprometidos com a função pública.

Embora não seja o produtor dos dados impactados pela falha de programação, o IBGE foi afetado pelo erro, na condição de usuário da informação, uma vez que os dados da Secex são utilizados para apuração do PIB pelo IBGE.

A acusação de manipulação de dados, incompetência ou mesmo negligência em uma revisão de dados constitui pura leviandade e um imenso desrespeito aos servidores desses órgãos, principalmente em tempos em que toda a produção de conhecimento sofre ataques cotidianos.

As divulgações trimestrais do PIB pelo IBGE são sempre provisórias, passando regularmente por revisões posteriores - procedimento absolutamente normal e saudável. Nesse sentido, a correção dos dados da Secex deve ser avaliada e os ajustes necessárias feitos nos dados do PIB.

Embora não recaia sobre o IBGE nenhuma suspeita ou dúvida sobre a capacidade técnica, o ocorrido nos causa preocupação.

A falha nos dados da Secex pode ser resultado do processo da precariedade orçamentaria e do desmonte do quadro de pessoal dos órgãos técnicos, processo que também vitima o IBGE e representa um risco real ao sistema estatístico nacional.

Além disso, é preciso lembrar que o governo pretende privatizar o Serpro e a destruição do órgão serve a esse propósito. Como aponta o próprio Financial Times, o Brasil é referência internacional em qualidade dos dados. Esse é um patrimônio que deve ser defendido.

ASSIBGE - Sindicato Nacional (4/12/2019)

(Com informações da Agência Brasil e Agência O Globo)

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