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Crise financeira das elétricas entra em fase crítica, dizem analistas

Queda na receita após o racionamento e crescimento nas dívidas, a maior parte em moeda estrangeira, puseram as contas em xeque

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h34.

Cerca de 1 milhão de consumidores em São Paulo, Espírito Santo, Paraíba, Paraná e Santa Catarina receberam com desânimo o primeiro anúncio do aumento na tarifa de energia neste ano. O reajuste de 29,35% é o maior desde 1997. A alta na conta de luz, no entanto, vai representar muito pouco para boa parte das empresas do setor elétrico. Analistas de agências de classificação de risco e do mercado de capitais afirmam que a crise anunciada do setor de energia entrou em um capítulo crítico. Em muitas empresas do setor existe hoje um descompasso grande entre receita e despesa e os reajustes previstos no ano nada representam para atenuar a precária saúde financeira delas , diz Otto Bertani Junior, economista do departamento econômico da corretora Intra.

Bertani acompanha a elaboração do panorama setorial das elétricas, organizado pela corretora para atender às crescentes dúvidas do mercado em relação ao seu futuro financeiro. O resultado de alguns balanços preocupa. A rentabilidade sobre o patrimônio (que indica em percentual o lucro conseguido em relação ao patrimônio líquido) é negativa em muitas delas. Nas Centrais Elétricas de Goiás chega a -343,30%. Quem investir hoje na Centrais Elétricas de Pernambuco terá de esperar oito anos para obter retorno sobre o investimento inicial. O lucro por ação da Light registra queda de 24%. A capacidade de geração de caixa das empresas foi atingida nos últimos dois anos e, para complicar, elas operam dentro de um mercado sem regras definidas , afirma Jayme Bartling, analista da agência de classificação de risco Fitch.

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Segundo levantamento da Economática, a dívida de 28 empresas do setor de energia elétrica somava cerca de 67 bilhões de reais até setembro do ano passado, quando tinham sido divulgados os balanços do terceiro trimestre de 2002. A partir deste mês, os números começarão a ser atualizados com o lançamento dos balanços do último trimestre. Não estamos esperando resultados animadores, muito menos que haja mudanças neste ano até que o governo defina as regras do mercado de energia , diz Milena Zaniboni, da agência de classificação de risco Standard & Poor s.

Queda na receita após o racionamento e crescimento nas dívidas, a maior parte em moeda estrangeira, puseram as contas em xeque. O socorro oferecido pelo governo no ano passado pouco adiantou. O valor acertado em reais foi repassado no final do ano, quando a explosão do dólar tinha elevado as dívidas às alturas. Entre junho e setembro, os débitos em moeda estrangeira da Paulista Força Luz, por exemplo, subiram 36,93%. O total a pagar cresceu de 1,8 bilhão de reais para 2,6 bilhões de reais. O clima de instabilidade e a falta de regras no mercado provocaram a suspensão de investimentos", diz Bartling. "Agora matrizes no exterior cortam até a ajuda a empresas em dificuldade financeira no Brasil. A falta de regras é apontada como uma das razões para a AES, controladora da Eletropaulo, suspender os investimentos no Brasil e deixar a distribuidora paulista sem ajuda financeira. Na sexta-feira, a Eletropaulo deixou de pagar ao BNDES uma parcela de 85 milhões de dólares, referente a um empréstimo de 542 milhões. A dívida da distribuidora chega a 6 bilhões de reais.

À primeira vista, uma empresa do porte da Eletropaulo não teria razões para tamanha fragilidade. A distribuidora atende a cerca de 4,6 milhões de lares e 14 milhões de pessoas em 24 municípios do estado de São Paulo, incluindo a capital. É um dos melhores mercados no Brasil. Mas as contas da distribuidora são o exemplo da sinuca financeira em que entrou o setor nos últimos dois anos. Como a grande maioria das empresas, a Eletropaulo contraiu dívidas em moeda estrangeira e, com a adoção do câmbio flutuante em 1999, ficou à mercê do risco cambial. Cerca de 70% do débito está atrelado aos altos e baixos do dólar, euro e outras moedas.

Para complicar, a receita encolheu não apenas durante os meses de racionamento. Permaneceu baixa ao longo do ano passado porque os consumidores adotaram novos hábitos e agora gastam menos energia. A Eletropaulo perdeu 13,39% do patrimônio entre junho e setembro com a associação entre o aumento de exposição cambial e a queda na receita. No período, o patrimônio líquido passou de 2,8 bilhões para 2,4 bilhões de reais. A Eletropaulo está renegociando com todos os fornecedores e vai renegociar também com o BNDES , diz Bartling, da Fitch. Segundo informou a assessoria de imprensa do banco, o BNDES não se manifesta sobre a situação do setor de energia antes de concluir a reestruturação interna que acompanha troca da presidência, e a assessoria da Eletropaulo não respondeu à solicitação de entrevista.

Em situação mais complicada está a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), controlada pelo governo do estado de São Paulo. A empresa está à beira da insolvência e precisa de um aporte de capital urgente , diz Bertani. Segundo levantamento da Intra, a dívida de 11,4 bilhões de reais ultrapassa em 35% o valor patrimonial da empresa, avaliado em 8,3 bilhões de reais - relação considerada de alto risco. Na sexta-feira, a Standard & Poors sinalizou que as complicações da Cesp podem piorar. Pôs a empresa sob observação, com tendência a reduzir a avaliação de seus papéis. A empresa tem dificuldade para vender excedentes de energia (o que pode comprometer ainda mais as receitas) e dívidas vencendo no curto prazo. A única segurança do mercado é que não interessa ao governo deixar a Cesp quebrar , diz Bartling. A Cesp informou que sua diretoria não se pronuncia sobre a situação financeira da empresa.

O peso de grandes endividamentos recai sobre todo o setor. Nos últimos 12 meses, a S&P rebaixou a nota de todas as empresas da área de energia que avalia o que, na prática, significa dizer que mesmo as empresas em melhor situação financeira podem ter problemas para cumprir as obrigações por operar em um mercado problemático. A interdependência entre geradoras, transmissoras e distribuidoras não é apenas técnica. Os contratos entre elas estabelecem laços financeiros. Exemplo: A geradora AES Tietê tem as contas equilibradas. Mas a partir deste ano começa a substituir os contratos de venda de energia e aumentar a dependência da Eletropaulo. A Ficht estima que a receita da Tietê deva subir 15% com o resultado de maiores tarifas recebidas da Eletropaulo. No médio prazo, porém, o perfil de crédito da Tietê estará atrelado à qualidade do crédito de longo prazo da Eletropaulo. O risco de contaminação existe e poucas empresas podem se julgar acima dele. Uma das exceções talvez seja a Companhia Paranaense de Energia (Copel), citada pelos analistas como exemplo de administração financeira. A rentabilidade sobre o patrimônio da Copel está em 7,21%, e o lucro por ação é de 1,20%. Mas há uma quase unanimidade de que é preciso rever o modelo energético brasileiro.

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