Economia

Como a guerra afetará os Estados Unidos

Depois de perder a batalha diplomática no Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos partem agora para a guerra contra o Iraque. Nesse front, a vitória do presidente americano George Bush é certa: para abater Saddam Hussein, os Estados Unidos têm as melhores e mais bem equipadas tropas do planeta. São 225 000 soldados, […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h27.

Depois de perder a batalha diplomática no Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos partem agora para a guerra contra o Iraque. Nesse front, a vitória do presidente americano George Bush é certa: para abater Saddam Hussein, os Estados Unidos têm as melhores e mais bem equipadas tropas do planeta. São 225 000 soldados, 5 porta-aviões, 150 navios, 990 aviões, 900 tanques e milhares de mísseis e bombas de alta precisão no Golfo Pérsico. Para não falar na ajuda do Reino Unido, que enviou 45 000 soldados, 1 porta-aviões, 30 navios e 510 tanques de guerra. Já o Iraque, que no passado foi uma potência militar regional, hoje conta com um exército "popular de 285 000 homens desnutridos, além da Guarda Republicana de 125 000 soldados e da Guarda Republicana Especial, com 25 000 homens fiéis a Saddam. São 58 mísseis Scud, 4 000 mísseis antitanque e 2 500 tanques antiquados, além das armas de destruição em massa que ainda podem estar escondidas.

Mesmo que Saddam tente usá-las, os americanos tendem a prevalecer nas areias do deserto. É em outro front o econômico que Bush corre maior perigo. Desde que ele assumiu a Casa Branca, em janeiro de 2001, a economia americana não pára de declinar: de um lado, o desemprego e os déficits do governo; de outro, o dólar tem dados sinais de inequívoca debilidade. Os mercados e a opinião pública americana andam descrentes quanto aos rumos da economia do país. No começo, a Casa Branca tentou atribuir os problemas a causas fora de seu controle, como o estouro da bolha das empresas de tecnologia, os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e à ganância de executivos inescrupulosos, cujos desmandos corporativos abalaram Wall Street. Mas hoje o povo americano já dá sinais de que perdeu a paciência. De acordo com uma pesquisa de opinião publicada no começo do mês pelo jornal The New York Times, 52% dos americanos desaprovam a política econômica do governo Bush. Há um ano, esse número era de 37%. Há dois anos, 28%. Além disso, 35% dos americanos acreditam que a economia é o problema mais sério do país, à frente da guerra contra o terror (32%) e da crise do Iraque (23%).

Os críticos da política econômica do governo, como o economista e articulista do NYT Paul Krugman, acusam Bush de agravar o desequilíbrio econômico com uma política fiscal irresponsável, em que o governo gasta mais do que arrecada. E a guerra pode agravar o déficit ainda mais. Na semana passada resolvi adotar juros fixos para a minha hipoteca, escreveu Krugman recentemente. Isso significa mensalidades mais altas, mas ando apavorado com o que vai acontecer com as taxas de juros assim que os mercados financeiros acordarem para as implicações da escalada dos déficits do orçamento. Krugman tem bons motivos para mudar a hipoteca. Hoje, as taxas de juros americanas são de 1,25%, as mais baixas dos últimos 40 anos. Como qualquer estudante de economia sabe, a longo prazo taxas de juros tão baixas são incompatíveis com a constelação de indicadores negativos econômicos atuais.

Dólar fraco

Há dois anos, quando Bush assumiu o governo, herdou de Bill Clinton um superávit estimado em 5,6 trilhões de dólares para esta década. Há uma semana, o banco Goldman Sachs revelou que o déficit público americano deve alcançar 425 bilhões de dólares no ano que vem. Para a próxima década, a estimativa é que chegue a 1,8 trilhão. Hoje, para financiar o déficit na balança comercial a diferença entre as importações e exportações do país , todo dia o governo americano tem que tomar emprestados 1,5 bilhão de dólares no mercado financeiro. Essa dependência de caixa tem enfraquecido o dólar diante de outras moedas fortes, como o euro e o iene. Recentemente, os principais bancos centrais asiáticos trocaram por euros uma boa parcela de suas reservas estimadas em 750 bilhões de dólares.

Com a guerra, o futuro da maior economia do planeta e o destino político de Bush, que deve concorrer à reeleição em 2004, estarão indissociavelmente ligados à velocidade com que as forças armadas americanas conseguirão liquidar Saddam Hussein. Desde o começo do ano, o fantasma da guerra tem afetado profundamente a economia americana, que sofre também de outras mazelas mais antigas. O setor produtivo do país padece, por exemplo, de uma renitente capacidade ociosa, herança do investimento excessivo feito pelas empresas durante o boom econômico dos anos 90. Como se isso não bastasse, tanto as corporações como as pessoas físicas americanas estão altamente endividadas. O medo da guerra só tem aumentado o pessimismo dos mercados e indivíduos quanto aos rumos da economia. Para reconquistar a confiança dos mercados, Bush precisa que essa guerra seja curta, terminando antes do segundo semestre, diz o economista José Maria Barrionuevo, analista do banco de investimentos Barclays Capital. Em função da incerteza trazida pelo risco da guerra, as empresas têm cortado custos e adiado investimentos, desacelerando ainda mais a economia.

A incerteza tem também provocado a retração do consumo americano, pondo lenha na fogueira de um ciclo vicioso que pode levar à recessão. Graças à incerteza sobre o futuro da guerra, o crescimento econômico dos EUA, que foi de 2,4% em 2002, deve ficar abaixo de 1% em 2003, de acordo com estimativas do Congresso americano. Apenas no último mês de fevereiro, um exército de 308 000 trabalhadores americanos perdeu o emprego. A taxa de desemprego dos EUA é de 5,8%, a mais alta da última década. Para colocar a economia de novo nos trilhos, o governo Bush idealizou um pacote de cortes de impostos da ordem de 726 bilhões de dólares na próxima década. Mas as chances do pacote passar são remotas, uma vez que ele agravaria ainda mais o déficit do país. O próprio Alan Greenspan, presidente do banco central americano, o Fed, se manifestou descrente quanto à eficácia do plano de Bush.

Pode-se argumentar que a guerra poderia estimular a economia, a exemplo do que aconteceu durante a Segunda Guerrra Mundial, que atuou como um verdadeiro dínamo e expandiu a atividade produtiva do país. Mas esta guerra do Iraque é territorialmente limitada e certamente não terá nenhum impacto positivo importante. A economia americana de 2003 é muito maior e mais complexa que a de 1943. Hoje dois terços do PIB dos EUA são gerados por gastos do consumidor. No caso de armas e equipamentos bélicos, o comprador é sempre o governo.

Preço alto

Sempre que questionado sobre a duração ou custo da guerra do Iraque, Bush desconversa. Ele evita o assunto porque o conflito deve castigar ainda mais as contas públicas. Especialistas militares independentes estimam que o país venha a gastar uns 100 bilhões de dólares para bancar uma guerra curta, com um número pequeno de baixas. Tal cifra não inclui, entretanto, os gastos com a ocupação e reconstrução do Iraque, o que pode durar uma década. Essa segunda conta, também a ser paga pelo contribuinte americano, é estimada por alguns em mais de 1 trilhão de dólares ao longo de alguns anos.

Como se vê, não foi apenas em busca de legitimidade diplomática, mas também do respaldo financeiro de outras nações, que Bush e seu secretário de estado, Colin Powell pressionaram tanto a ONU, sem sucesso, para obter uma autorização para atacar Saddam. Se a ONU se envolvesse diretamente, outras potências, como Japão, França e Alemanha, seriam convocadas para arcar com parte dessa conta. É também em função de fatores econômicos que Bush quer promover a guerra mais rápida e fulminante da era moderna. Quanto menos tempo americanos e britânicos precisarem passar no Golfo, mais barato e menos sangrento será o conflito. Esta guerra está começando com um ataque aéreo fenomenal, feito para quebrar a espinha dorsal do que restou das forças armadas iraquianas, diz Willian Nash, pesquisador do Centro sobre Relações Internacionais e general aposentado do exército americano. Nash foi um dos comandantes da primeira guerra do Golfo. Em 1991, 10% das nossas bombas eram de precisão. Agora, nas primeiras horas do ataque, elas serão 90% do armamento utilizado, diz ele.

Se tudo correr como Bush sonha, antes do final desta semana, os americanos já serão capazes de sitiar partes de Bagdá, proteger campos de petróleo de possíveis ataques de Saddam e de terroristas e prestar ajuda humanitária a milhões de refugiados iraquianos. Nesse cenário otimista, a fatura da guerra estaria encerrada entre seis e oito semanas. Mas muito antes disso, a economia americana já começaria a exibir sinais consistentes de recuperação. Uma queda rápida, expressiva e sustentável do preço do petróleo poderia dar um choque de confiança imediato na economia, diz Barrionuevo, da Barclays. No panorama global, a recuperação da maior economia do planeta repercutiria favoravelmente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Nesse cenário róseo, o consumidor americano voltaria às compras, as empresas passariam a recontratar e a reinvestir e, finalmente, o governo arrecadaria mais impostos e teria mais caixa para reduzir o déficit nas contas públicas. O dólar também ganharia terreno diante do euro e do iene. Assim que a moeda recuperasse o antigo brilho, os mercados financeiros internacionais também se demonstrariam mais dispostos a correr riscos relacionados a investimentos produtivos. Trocando em miúdos, o comércio entre as nações poderia voltar ao patamar dos anos 90.

Recessão mundial

Se, ao contrário, essa guerra for longa, sangrenta e custosa, mesmo que consiga a cabeça de Saddam, Bush enfrentará uma crescente oposição dentro de casa. Ele se arriscará, inclusive, a perder a eleição do ano que vem para um oponente do Partido Democrata. Foi isso o que aconteceu com George Bush pai, derrotado por Bill Clinton em 1992. Uma guerra longa, com possíveis ataques terroristas contra alvos americanos dentro e fora dos Estados Unidos, poderia disseminar um pessimismo profundo e duradouro na economia.

Caso a maior potência militar e econômica venha a sucumbir a uma recessão, ela arrastará para o ralo a economia mundial, inclusive a Europa, que atravessa um ciclo de desaceleração econômica, e o Brasil. Nesse cenário cinzento, diz Paul Krugman, para conter o déficit público, o banco central americano seria forçado a subir drasticamente a taxa de juros americana, tornando o dólar ainda mais caro para todo mundo.

Em qualquer cenário, a política externa de Bush deixará algumas cicatrizes profundas entre os países ricos. Essa crise representa um sério revés para a segurança coletiva, diz Steven Brams, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York. Este é um termo que data do fim da Segunda Guerra Mundial para descrever a coordenação e a cooperação entre as nações. Brams não acredita que, num mundo repleto de crises, em que as armas nucleares da Coréia do Norte já ameaçam seus vizinhos, os Estados Unidos possam se dar ao luxo de continuar agindo unilateralmente como têm feito. Parte da derrota americana no Conselho de Segurança da ONU se deve a erros anteriores do governo Bush, como a quebra do acordo ecológico de Kyoto e a intransigência americana em questões comerciais , diz Brams. Mas, antes que a próxima crise estoure, Bush estará bastante ocupado com a caçada a Saddam e a economia americana.

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