Chegou a hora de o Brasil ter um Banco Central independente?
Na prática, a instituição alcançou sua autonomia operacional e a credibilidade do mercado. Falta só oficializar. Será que agora vai?
Ligia Tuon
Publicado em 24 de novembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 24 de novembro de 2019 às 09h00.
São Paulo — Agora vai? Vinte anos depois do estabelecimento do regime de metas de inflação, o debate sobre autonomia formal do Banco Central parece ter uma chance concreta de avançar.
O Projeto de Lei Complementar 19/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB/AM), já passou pelo plenário do Senado e aguarda recebimento de emendas. Ele define mandato fixo para presidente e diretores da instituição de quatro anos, com possibilidade de uma recondução pelo mesmo período.
A independência do BC também é defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente Jair Bolsonaro, apesar de não ter sido priorizada por enquanto diante de pautas mais emergenciais, como a reforma da Previdência.
O tema já foi utilizado como arma política em campanhas anteriores. Ficou notório o comercial do PT na campanha presidencial de 2014 mostrando comida sumindo da mesa dos brasileiros e aparecendo diante de banqueiros, um ataque a então candidata Marina Silva - que defendia a autonomia do BC. Em 2018, a defesa sumiu do programa de Marina.
Há evidências de que a autonomia do BC ajuda a reduzir inflação. Um estudo dos economistas Bernard J Laurens, Martin Sommer, Marco Arnone e Jean-François Segalotto, publicado em 2007, conclui que as chances de manter uma inflação baixa aumentam em torno de 50% com um banco central autônomo.
“Permitir ao banco central independência para alterar seus instrumentos como julgar necessário no curto ao médio prazo reduz a possibilidade de que pressões políticas e partidárias irão desviar o BC dos seus objetivos de política monetária no mandato", disse Eric S. Rosengren, presidente do Fed de Boston, em discurso em julho.
Debate
O fundamental para garantir autonomia é mesmo que haja um mandato fixo, seja ele coincidente ou não com o do Presidente da República, diz Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC brasileiro.
"A independência está intrinsecamente ligada à existência do mandato. Quando vamos cada vez mais para o lado institucional, fica mais difícil de fazer intervenções", diz.
Na prática, no entanto, não há garantias, pois a autonomia formal é apenas um dos elementos em um desenho institucional complexo. Bancos centrais independentes também sofrem pressões, e há bancos centrais autônomos na lei que não o são de fato.
"O mundo tem assistido às pressões que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump tem investido sobre o chefe do Fed (Federal reserve, banco central americano), Jerome Powell", diz Schwartsman."Para não ir tão longe, o Martín Redrado era presidente do BC argentino, supostamente independente, e num dia não pôde nem entrar no banco", lembra.
No Brasil, o exemplo recente mais lembrado de interferência direta é o de Alexandre Tombini, presidente do BC entre 2011 e 2016, durante o governo Dilma Rousseff. Ele é criticado por ter cedido às pressões para cortar os juros num momento em quea inflação acumulada em 12 meses superava os 7%, ou seja, acima do teto da meta.
"E não por acaso teve um desempenho lamentável do ponto de vista de controle de inflação. Entregou o país com inflação de 2 dígitos", diz Schwartsman.
Tombini foi sucedido por Ilan Goldfjan, que assumiu a chefia do BC com inflação anualizada de 9,28% e com a Selic em 14,25% ao ano, o patamar mais elevado em quase uma década. Goldfjan entregou o cargo em fevereiro deste ano, com uma inflação anualizada abaixo dos 4% e Selic a6,5% ao ano, taxa mais baixa da história - e que só caiu desde então.
Foi também na gestão Ilan que a questão da institucionalização da independência do BC voltou a ganhar mais força, diz Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE.
"O nível de inflação também depende das expectativas do mercado. Quando o BC começou a retomar a confiança, com a gestão Ilan, as expectativas voltaram a ficar ancoradas com as metas da instituição e a inflação foi convertida para baixo" diz Marcel
Os bancos centrais tiveram papel notório no combate à recessão que atingiu o mundo após a crise de 2008. Não dá para esperar, no entanto, que eles resolvam todos os problemas da economia - sendo independentes ou não.