Economia

ARTIGO: Reforma tributária é arranjo arrecadatório

A romântica origem do Estado como um contrato social firmado entre os homens, bons por natureza, não é visto hoje senão como uma utopia de Rousseau. Três séculos de história foram suficientes para convencermo-nos de que Hobbes, advogando a causa da origem do Estado na união dos mais fortes, subjulgaram a comunidade e, criando o […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h11.

A romântica origem do Estado como um contrato social firmado entre os homens, bons por natureza, não é visto hoje senão como uma utopia de Rousseau. Três séculos de história foram suficientes para convencermo-nos de que Hobbes, advogando a causa da origem do Estado na união dos mais fortes, subjulgaram a comunidade e, criando o Estado, dele passaram a servir-se. E, infelizmente, o monstro figurado Leviatã criado pelo filósofo inglês é, mais que nunca, dia a dia, sentido animicamente por todo brasileiro.

Nossa história, desde os primeiros ciclos de exploração como colônia, passando pelo Império e, depois, pela República, está repleta de exemplos que aqui, nesta terra chamada Brasil, temos no Estado sempre um monstro pronto a devorar-nos.

A reforma tributária, em tramitação pelo Congresso, não desmente esta conclusão. O primeiro ponto que claro fica ao profissional do direito é a flagrante inconstitucionalidade do texto quando legaliza a guerra fiscal até a data limite de 30 de setembro. Tal absurdo ofende uma cláusula pétrea (imutável) da Constituição, tal seja, porquanto sendo o Estado brasileiro constituído de entes, sob o sistema federativo, não se pode permitir que estes entes entrem em disputa que coloque em choque o sistema federativo.

A guerra fiscal é uma perigosa afronta ao sistema federativo e, assim, nunca poderia ser admitida, mesmo que no passado. Por esta razão, não faz sentido dizer que é ilegal doravante e o que foi feito antes não é ilegal. Ou é lícito ou não é. Este "remendo", consertado à custa de pressões políticas e casuísticas com vistas à próxima eleição, atenta de maneira grave contra nossas instituições, sempre já tão frágeis.

Mas, o leitor que não é estudioso do direito, pode dizer: ora, dane-se este academicismo, afinal a reforma melhora nossa condição como país capaz de produzir e gerar empregos ou não? Infelizamente, a resposta ainda é não.

A taxa de lixo foi constitucionalizada, podendo agora ser cobrada por todos os municípios. Contudo, tal será estipulada sobre o valor do imóvel e não sobre o lixo produzido, disfarçando um imposto sobre a propriedade e desvirtuando o nome que lhe é atribuído, porquanto se não tem vinculação com o lixo não é taxa e sim imposto.

A taxa de iluminação pública passa a ser calculada sobre o gasto do consumidor e não sobre o gasto do poder público, igualmente subvertendo a condição de taxa, porquanto não representará mais o serviço prestado. Os impostos sobre comércio exterior são agora também extensíveis sobre serviços, onerando justamente um dos setores que a sociedade brasileira pode ser mais produtiva, vez que independe (até certo ponto) de maciços investimentos.

O IPVA incidirá, além dos automóveis, sobre embarcações e aeronaves. O ITR e o ITBI passa a ter uma cobrança progressiva e não fixa, podendo ser aumentado. Passa a existir mais uma contribuição social sobre o faturamento de todas as empresas, substituindo parte da contribuição previdenciária sobre a folha de salários.

Os Estados poderão criar um adicional de 2% sobre a alíquota do ICMS dos produtos supérfluos e um adicional de 5% sobre quatro produtos à escolha, a ser cobrado por sete anos.

A par destes potenciais aumentos, cria obrigações acessórias, como a necessidade do contribuinte de reportar eletronicamente todas suas operações a um sistema nacional integrado. Tal disparate traz a certeza que os legisladores desconhecem a realidade deste continental país, não conhecendo sequer os dados de quantas empresas acessam a internet.

E grave problemática que surgirá quanto à autorização de fiscalização da cobrança do ICMS no Estado de origem pelo Estado destinatário? Quem harmonizará o acirramento dos ânimos entre os Estados? Passaremos a assistir o caso único de sonegação e omissão do ente estatal?

Estas análises da reforma tributária, ponto a ponto, demonstram um mesmo caminho sempre seguido pelo nosso Leviatã, buscando aumentar, sem criatividade e sem contra partida, a carga tributária de uma sociedade exaurida e depaurperada.

Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, a carga tributária é hoje de 36,41% do PIB, arrecadando-se R$ 481 bilhões. No entretanto, assustadoramente, há um desvio de R$ 150 bilhões. Estes R$ 150 bilhões são literalmente desviados, sem se computar as centenas de milhares de ações que discutem matéria tributária e abarrotam desde nossas cortes maiores até os cartórios de primeira instância.

Vemo-nos, pois, com impostos de 1o mundo e uma contra-partida de 3o mundo, sendo o Poder Público o primeiro a exercitar a desigualdade social da qual padece nossa sociedade. E tudo isso com a Alca (Área de Livro Comércio das Américas) já às portas, submetidos à globalização, assistindo países como Índia e China crescerem a taxas superiores a 8% enquanto comemoramos quando não decrescemos.

Por tudo isso não há como chamar este projeto em trâmite de reforma tributária senão mais um arranjo arrecadatório destinado a aumentar a capacidade de arrecadação do Poder Público.

Izner Hanna Garcia é professor, pós-graduado em direito da economia pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), e autor de "Revisão de Contratos no Novo Código Civil", entre outros livros. E-mail: martinsegarcia@uol.com.br

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