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Aneel defende mudança em licenciamento ambiental

Presidente da agência diz que Ibama não deveria ter prerrogativa de travar a construção de hidrelétricas

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h05.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, defende alterações na forma de concessão do licenciamento ambiental no país como única forma de destravar as obras de usinas hidrelétricas. A legislação em vigor não permite que os órgãos públicos tenham agilidade para análise e aprovação - ou mesmo rejeição - de novos empreendimentos energéticos, tornando o processo lento demais. O resultado será a necessidade de construção de novas usinas térmicas no futuro, mais caras e poluentes que as hidrelétricas. Se novas hidrelétricas não forem aprovadas, as térmicas serão inevitáveis. Por isso, Kelman não acredita que haverá falta de energia nos próximos anos. Para contribuir com o debate, Kelman apresentou à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados propostas de mudanças na forma de licenciamento ambiental. Uma delas é tirar do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) a prerrogativa de vetar obras de infra-estrutura. Em entrevista a EXAME ele explica suas idéias.

EXAME - Os números do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, mostram o atraso no cronograma de uma série de obras no setor de energia elétrica. Qual é o risco de não haver energia a partir de 2010?

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Jerson Kelman - Vamos começar com o horizonte até 2010, que já era preocupante mesmo antes da discussão sobre as hidrelétricas do rio Madeira e os problemas de fornecimento de gás da Bolívia. Ele preocupava porque havia falta de gás. Os estudos indicavam que o risco de racionamento estava acima do nível aceitável. Sempre há um risco de racionamento e aceita-se ser de no máximo 5%. A boa notícia nesse horizonte é que assinamos um termo de compromisso com a Petrobras. Ela se compromete a entregar gás para as termelétricas que estavam ociosas por falta de gás. Com isso o cálculo de risco até 2010 está abaixo do patamar de 5%.

EXAME - E como fica depois?

Kelman - De 2011 para frente entra a discussão da expansão de longo prazo e temos que falar de novas usinas. O que temos visto no debate público é verdadeiro: não há possibilidade de o Brasil encontrar uma fórmula mágica de produção de energia elétrica, que não tenha algum tipo de problema. Se for hidrelétrica temos essa dificuldade de licenciamento ambiental. Mas não é só isso. Algumas tem esse licenciamento e depois ficam paradas por decisões da justiça. O ministério público com freqüência entra com ações civis e os juizes dão liminares paralisando as obras. Se não são as hidrelétricas, são as termelétricas, que queimam óleo, carvão ou são nucleares e são poluentes.

EXAME - Qual é a importância de resolver o licenciamento ambiental das usinas do rio Madeira até o final de junho?

Kelman - Se não for até junho há um problema de janela hidrológica, ou seja, o período de chuvas na Amazônia. Um atraso de alguns meses representa um deslocamento de quase um ano no cronograma, pois se perder a janela hidrológica não começa obra nenhuma na Amazônia. As obras do gasoduto Urucu-Manaus estão paralisadas por causa da época do ano. Isso significa que não é somente em 2012, quando entrariam cerca de 400 megawatts de energia - dos 3.600 megawatts previstos. Isso significa que você fez um deslocamento de todas as previsões de entrada de energia. Criou um buraco dali para frente.

EXAME - O que pode acontecer?

Kelman - É claro que existem outras possibilidades. Não entrando as usinas do Rio Madeira entrarão outras usinas. O Brasil tinha 90% de geração hidráulica e 10% de geração térmica e estamos caminhando para que a metade das novas usinas a serem instaladas tenha geração térmica e a outra metade geração hidráulica. Estamos aumentando o percentual de usinas que queimam óleo, contribuem para o efeito estufa e são mais caras. Essas podem gerar a partir de 2011, pois demoram até 3 anos para serem construídas. Não se trata de não ter energia, mas termos energia mais cara e mais poluente.

EXAME - Qual a garantia que haverá licenciamento ambiental para essas usinas térmicas, mais poluidoras?

Kelman - O maior contencioso está se dando em torno de grandes empreendimentos. Se ao invés de uma usina de mil megawatts, a opção for por construir outras 50 usinas de 20 megawatts térmicas, é mais fácil passar o licenciamento ambiental, ainda que de forma agregada elas tenham impacto ambiental muito mais relevante. Elas são normalmente licenciadas pelas agências estaduais e a análise é feita individualmente. Não há uma análise de conjunto. Há outro aspecto: em geral, o que fica sendo decidido no Ibama não são propriamente aspectos ambientais. O que mais prepondera nas audiências públicas são aspectos sociais, relacionado ao deslocamento de comunidades atingidas pela usina. Na realidade temos um processo decisório em que toda a discussão ambiental e social desemboca no licenciamento social. E esse impacto adquire grandes proporções. No caso das térmicas o impacto na população local é muito menor do que o das hidrelétricas.

EXAME - E a possibilidade de repotencializar as usinas existentes seria uma alternativa para aumentar a oferta de energia sem causar danos ambientais?

Kelman - Essa é, sem dúvida, uma medida bem vinda, mas é equivocada a idéia que ela resolverá o problema da expansão, ou seja, se implementada dispensaria novas usinas. Quando se faz a repotencialização pode-se ganhar alguma coisa em torno de 3% em termos energéticos. Boa parte do parque de geração é constituído por usinas novas. Só se troca o motor de um carro se ele estiver muito rodado. Não faz sentido trocar motor de carro novo. A repotencialização é indicada para usinas antigas, com mais de 30 anos de operação. Vamos imaginar que 40% da potência instalada no Brasil esteja nessa categoria. Fazendo um cálculo grosseiro posso dizer que teríamos entre mil e dois mil megawatts novos com a repotencialização. Não dá os 8 mil megawatts que andam calculando.

EXAME - Fala-se também em campanhas para economizar energia. Isso funcionaria?

Kelman - No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, há pouco espaço para grandes progressos com essa estratégia. Essencialmente porque já consumimos muito pouco. O consumo per capita brasileiro é seis vezes menor que o americano. Outra razão é que houve um racionamento em 2001 e as pessoas já mudaram seus hábitos. Não quer dizer que não deva ser feito, mas não se pode esperar grandes resultados de campanhas de eficiência energética. Nesse aspecto, a Aneel estimula as concessionárias a gastar na ajuda às comunidades carentes. Nas favelas e nas periferias não se segue o código de construção e por isso nelas há grande desperdício de energia. Se utiliza fio de bitola errada, por exemplo.

EXAME - E a energia alternativa não seria uma forma de solucionar o problema?

Kelman - Outro mito é o da energia eólica ou da solar. A solar é ridícula. As pessoas confundem uso de placas solares para esquentar a água, que é bom, com produção de energia elétrica via solar. Isso é muito caro. É uma solução fora de contexto. Eólica não é tão extravagante, mas custa muito caro. Fazendo um exercício meio exagerado, suponhamos que toda a energia produzida no país fosse eólica: a conta do consumidor brasileiro seria, a grosso modo, 60% mais cara.

EXAME - Causou surpresa o estágio em que estão boa parte das obras relacionadas ao setor elétrico que estão no PAC?

Kelman - Não. Temos um nó não resolvido da questão ambiental. Hoje qualquer empreendimento tem sempre um grupo que não gosta dele. Mesmo que ele tenha licença ambiental - que é um processo dificílimo - com grande probabilidade haverá questionamento na justiça. No caso do PAC ainda estamos na fase ambiental. O processo de aprovação de empreendimentos no Brasil tem estágios no executivo e no judiciário. O primeiro é muito demorado - pois as entidades de licenciamento ambiental têm que dar a licença e os licenciadores têm um grande temor de virem a ser processados pelas decisões que tomarem. Por isso eles tendem a ficar pedindo mais estudos, apenas com efeito protelatório. Se por um golpe pouco comum o processo chega ao final e se for um empreendimento de maior porte, muito provavelmente ele vai entrar na fase da discussão jurídica nos tribunais. O que demora, em geral, mais tempo ainda.

EXAME - E como resolver isso então?

Kelman - É preciso que a escolha dos empreendimento seja feita em quatro dimensões: a ambiental, a social, a econômica e a de segurança energética. A social e ambiental já existem e são conhecidas. A dimensão energética tratará da garantia de o país ter energia elétrica necessária para o bem estar da população e para a atividades produtivas, sem as quais não se cria emprego nem se combate a pobreza. A questão energética vai dizer qual é o acréscimo de energia que precisamos para dar segurança ao país, pois sem segurança energética nada acontece. E tem que ter a questão econômica, para dizer que o que vai significar ter ou não energia, como vai impactar o PIB, na atração de investimentos, na competitividade, no câmbio, etc. A decisão final de como se fazer é uma decisão essencialmente política e não técnica. Esse é o cerne da proposta. Não se pode travestir de decisão técnica algo que é político. Trata-se de escolher entre coisas desiguais: cada dimensão tem uma visão e um argumento. Não tem jeito de haver um consenso. Por isso sugiro que essa decisão seja dada por um conselho de alto nível: o Conselho de Defesa Nacional, composto pelo vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado e vários ministros. Estamos falando de um pacto nacional, do Legislativo com o Executivo, que se reúnem e decidem o que é melhor para o país, com base nos argumentos apresentados por cada instância.

EXAME - Por sua proposta, o Ibama deixaria de ter o poder de aprovar ou não as obras?

Kelman - Ao Ibama deveria caber a análise ambiental, só. Não cabe a ele analisar aspectos sociais, nem de engenharia. Os técnicos de lá foram selecionados para tratar de temas ambientais, são biólogos. Não são sociólogos, planejadores sociais. Também, não é razoável considerar que o exame de questões ambientais de empreendimentos que sejam de interesse público tenham o mesmo ritual e tratamento de empreendimentos de interesse privado. Acho espantoso que um órgão do executivo, que é o Ibama, se refira ao governo como se fosse uma entidade externa. Se uma usina do rio Madeira sai ou não sai, o que está em jogo não é o interesse da [construtora] Odebrecht. É interesse do país ter energia mais cara ou mais barata. Não estou dizendo que o Ibama tem que concordar com a obra. Ele vai dizer que aquele empreendimento tem 327 pecados ambientais ou não tem nenhum. Ele vai informar, mas não vai ter poder de veto.

EXAME - E quem teria esse poder?

Kelman - É o conselho de alto nível. O Ibama submete a ele seu parecer, dizendo, por exemplo, que uma orquídea endêmica na região de uma usina é muito importante - e deve ter razões para entender assim. Mas o Ministério de Minas e Energia, que analisaria a dimensão energética dirá que se não sair a usina, por causa da orquídea, será necessário substituí-la por outra usina, que faz com que a tarifa de energia elétrica suba 5%. Quem fizer a análise econômica poderá dizer que, se o preço da energia subir demais, as fábricas tais e tais vão reduzir os investimentos em alguns milhões de reais. Essa diminuição significa que milhões de brasileiros não vão conseguir conquistar emprego e continuarão vivendo na miséria. E se não saírem da pobreza vão continuar vivendo nas favelas em condições ambientais absolutamente degradantes. Mas o conselho pode entender que a orquídea é realmente fundamental e deve ser preservada. Assim, teremos uma decisão política.

EXAME - Entidades ligadas ao meio ambiente e procuradores do Ministério Público o acusam de estar querendo acabar com o licenciamento ambiental no país.

Kelman - Não, absolutamente. A proposta é quando o interesse público for predominante, o estudo de impacto ambiental não pode ser feito por qualquer empresa, que eventualmente o faça mal. É preciso que seja bem feito, porque o que está em jogo é o interesse público. Por isso quem tem que fazer esse estudo é o Ibama, que tem toda a expertise e toda a capacidade de fazê-lo da melhor maneira.

EXAME - Como está o andamento desse projeto no governo?

Kelman - Não é um projeto. É uma idéia e uma proposta minha, de caráter pessoal. Só quem pode fazer projeto de lei é parlamentar ou o executivo. Apresentei-a à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, que a acatou. Como trata de procedimentos de órgãos do Poder Executivo, o presidente da Comissão de Minas e Energia, encaminhou ao ministro Silas [Rondeau] uma recomendação apoiando a idéia no sentido de que seja uma iniciativa do governo. Mas ainda não falei com o ministro. Ele recebeu o material na quarta-feira, dia 9 de maio.

EXAME - Há outras alternativas para destravar a questão ambiental?

Kelman - Existem iniciativas no campos administrativo e no campo legislativo. No campo administrativo pode-se concentrar a responsabilidade decisória no dirigente máximo da entidade. Isso livra os técnicos que fazem pareceres do risco de serem processados. Nesse caso é preciso apenas uma ação administrativa, não precisa mudar a lei. Se for inevitável que o Ibama tenha que tratar de assuntos sociais, econômicos e de engenharia - porque o órgão está discutindo se vai assorear o leito do rio, que é um problema de engenharia hidráulica - é preciso contratar não apenas novos profissionais na área do Ibama, mas também o perfil profissional mais adequado. Seria preciso aumentar enormemente o Ibama e torná-lo o grande órgão decisor do país.

EXAME - Está claro, então, que da forma em que está o sistema não tem solução para as licenças ambientais.

Kelman - Não há solução.

EXAME - E quais medidas podem ser feitas na área legislativa?

Kelman - Ali tem propostas boas. A principal diz respeito a resolver um conflito de competências, que está no PAC. O artigo 23 da Constituição trata das competências simultâneas entre União, estados e municípios. Diz que uma lei complementar terá de tratar da repartição de responsabilidades na proteção ambiental. O que tem acontecido na prática é que quando um órgão estadual decide alguma coisa, que desagrade a alguém, ele diz que quem teria de decidir é o órgão federal. E vice versa. Estabelecer diferenças diminui essa chicana, de jogo de ações legais. Ela diminui a brecha pela qual quem se opuser ao projeto tem a capacidade de bloquéa-lo na justiça. Quem faz isso são alguns procuradores do Ministério Público e também ONGs. Mas a medida não resolve todos os problemas do setor.

EXAME - Como resolver o problema das ações judiciais, particularmente de integrantes do Ministério Público, que também atrasam as obras?

Kelman - Esse permanecerá como um risco potencial. Minimizado, mas permanece com risco. Talvez precisasse ficar mais claro na legislação em que escala o interesse de um meio ambiente deve ser preservado. Se for uma escala local, haverá sempre aspectos negativos e a obra pode não ser permitida. Se olharmos mais o conjunto, se aquela usina não for feita, talvez a energia fique tão cara que não atraia investimento, empregos, etc. Esse meio ambiente também é hostil. Depende de como se vê. O que precisaríamos é de uma lei que descrevesse em que escala isso deve ser examinado.

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