Ampliação de crédito às pequenas empresas depende de formalização
"Se a empresa aparece com um balanço irreal ela não vai conseguir crédito", diz Guido Mantega, presidente do BNDES
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h36.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não pode se adaptar à informalidade da economia. Segundo Guido Mantega, presidente do banco, os requisitos para a liberação de linhas de crédito da instituição acabam estimulando a pequena empresa a se formalizar.
"Se a empresa aparece com um balanço irreal ela não vai conseguir crédito", diz Mantega. O ministro diz que muitas empresas se regularizaram, orientadas pelo banco, depois de apresentar "um balanço meio capenga".
Leia abaixo a entrevista do presidente do BNDES a EXAME.
Revista EXAME - Qual é o principal problema do BNDES hoje?
Guido Mantega - Um deles é motivar mais agentes financeiros a liberar mais crédito para pequenas e médias empresas. Outra é dar mais agilidade na liberação de crédito. Com o pessoal restrito que nós temos o quadro de funcionários é o mesmo de muitos anos atrás é difícil agilizar. Está em tramitação no banco uma reestruturação tecnológica, estamos mudando os procedimentos de informática, os equipamentos. É uma modernização dos processos. Quando isso estiver concluído poderemos até operar com menos mão-de-obra.
O BNDES tem o maior departamento de análise e avaliação de projetos do país. São cerca de 1 000 técnicos especializados em projeto. Nenhuma outra instituição possui isso no país. Pode ser uma hidrelétrica que precisa de financiamento. Tudo vai ser analisado.
Estamos implantando uma série de procedimentos para que isso tudo seja mais rápido dentro do banco. Eliminar etapas, concentrar etapas repetidas em um só departamento. A última coisa, anunciada há pouco tempo, é a criação de um Programa de Agilização da Liberação do Crédito, com um limite de crédito quase pré-aprovado, para as empresas que já têm um relacionamento de mais de 5 anos com o banco, que sempre pagaram em dia suas obrigações. Essas empresas poderão ter um crédito pré-aprovado de até 900 milhões de reais por empresa, com um projeto simplificado que será apresentado ao banco. Com pouca burocracia terá a liberação do crédito.
Há também o cartão BNDES, um produto relativamente novo que tem grande alcance com o pequeno e o médio empresário. O empresário se cadastra pela internet para acessar o crédito. A burocracia é a menor possível. Ele se cadastra e pode receber o crédito via internet. Precisa passar por um agente. Hoje são Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O empresário tem um crédito pré-aprovado de até 50 000 reais. O cartão pode ser usado em uma rede que tem 1 200 empresas cadastradas.
EXAME - Por que os empréstimos via cartão BNDES precisam de agente financeiro, se o cadastramento é feito pela internet?
Mantega - Porque nós não temos capilaridade. Ele tem que fazer os pagamentos, tem que ser feito um controle de pagamentos. Não temos estrutura para isso. A carteira de empréstimos do BNDES hoje é de 122 bilhões de reais que estão girando. Parte disso vem pelo sistema bancário. Quando há problema em algum banco, caso do Banco Santos, toda a carteira vem para o BNDES, para nosso sistema de cobrança. E isso vira um inferno, porque são duas mil, três mil pessoas que entram em nossa cobrança.
EXAME - Não vale a pena instituir um departamento para isso?
Mantega - Não, é melhor operar com o sistema bancário existente. É como terceirizar. Em vez de inchar o BNDES, é melhor terceirizar e deixar o BNDES fazer o que é sua especialidade, análise de projetos, viabilizar grandes projetos. O miúdo é melhor deixar com os bancos. Em 2005 vamos liberar o maior volume de recursos de todos os tempos. E isso exige análise de mais projetos, mais velocidade. Todos os técnicos que temos estão ocupados full time. Se colocar mais milhares de operações não vai dar.
No caso de pequenas e médias o número de operações que têm de ser analisadas é um grande problema. Nós temos de contar com os agentes financeiros. No passado eles tinham alguma relutância, mas hoje estão interessados em trabalhar com as linhas do BNDES. Vem crescendo o volume de recursos liberados pelos agentes financeiros e, consequentemente, vem crescendo o volume liberado para pequenas e médias empresas.
Em 2000 foram liberados 4,5 bilhões de reais para micros, pequenas e médias. Em 2004 foram 12,5 bilhões de reais, ou seja, triplicou. Este ano esperamos colocar 15 bilhões.
Para isso nós pretendemos colocar o cartão BNDES para categorias corporativas, como engenheiros que têm pequenas empresas, escritórios de advocacia, clínica dentária. Para o profissional liberal essa é uma saída para viabilizar os investimentos, tudo com um custo baixo. Ele vai pagar de 14% a 15% ao ano.
EXAME - Isso poderia cair se o spread dos bancos fosse menor.
Mantega - É verdade, mas os spreads dos bancos nessas operações já são os menores que eles cobram. Varia entre 4% e 5% ao ano em média, enquanto o spread médio da economia fica em torno de 20% ao ano.
EXAME - Mas só o spread já representa a taxa de juros em vários países do mundo.
Mantega - Mas aqui é pouco. Se uma empresa vai descontar uma duplicata em um banco no Brasil ela vai pagar de 3% a 4% ao mês. Veja a diferença de custo.
EXAME - Os pequenos e médios empresários concordam que a taxa é boa, mas reclamam do acesso, dificultado muitas vezes pelo agente financeiro. Os grandes têm acesso fácil, mas reclamam das taxas. Como é possível equacionar isso?
Mantega - No lado dos pequenos o acesso é difícil mesmo. Muitas vezes o gerente tem que colocar outro produto onde ele pode ganhar mais, ter uma comissão melhor. Ele tem metas a cumprir e pode deixar de lado a linha do BNDES para oferecer uma linha própria. De qualquer forma nós estamos tendo sucesso em despertar o interesse de bancos privados a trabalhar com nossas linhas. Tanto que está aumentando consideravelmente o volume de recursos para os bancos repassarem. Eles podem ganhar em suas linhas próprias e também nessa.
EXAME - Como melhorar o acesso dos pequenos e médios ao crédito?
Mantega - Nós estamos desenvolvendo um mecanismo para incentivar os bancos a liberar mais linhas do BNDES a pequenos e médio empresários. Nós vamos estabelecer metas e se eles cumprirem as metas eles vão ter como prêmio participação em operações de grande porte, onde se ganha mais. Está em fase final de elaboração. Vai estimular os bancos a emprestarem mais.
EXAME - Não falta uma parceria maior entre os bancos oficiais e o BNDES para melhorar o acesso de pequenos e médio empresários aos financiamentos e também para reduzir os juros? O agente que mais empresta recursos do BNDES é o Bradesco.
Mantega - O Bradesco tem uma capilaridade muito grande, são mais de 3 000 agências, sem contar os mais de 5 000 pontos de Banco Postal. Eu cutuco o presidente do Banco do Brasil, digo que o Bradesco passou. Em relação a usá-lo para forçar uma queda dos juros é preciso lembrar que o Banco do Brasil tem uma parcela de iniciativa privada dentro dele. Mas os bancos públicos estão se esforçando.
EXAME - Hoje mais da metade da economia do país vive na informalidade e esse é um dos maiores entraves para as pequenas empresas terem acesso ao crédito. Como o BNDES pode se adaptar a essa realidade?
Mantega - Não pode. A presença do BNDES e de suas linhas de crédito acaba estimulando a pequena empresa a se formalizar. Se ela aparece com um balanço irreal ela não vai conseguir crédito. Vai ser um trade off. Em vez de ganhar pagando menos impostos ela vai ganhar pagando menos juros. E isso já aconteceu com muita empresa que apareceu com um balanço meio capenga no BNDES e se regularizou depois de receber orientação. E não são empresas pequenas, são empresas médias que se tornaram grandes.
EXAME - Como é a relação entre o senhor e o ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan?
Mantega - O banco põe em prática as políticas definidas pelo governo, não pelo Furlan. É uma relação de companheirismo.