Alemanha e as razões históricas de seu apego à estabilidade
A chanceler Angela Merkel, em quem muitos veem a encarnação da rejeição alemã a posições mais flexíveis diante de crises, está sendo pressionada pela direita
Da Redação
Publicado em 11 de julho de 2015 às 14h03.
Berlim - A firmeza alemã frente à crise grega , que alguns chegaram a qualificar de intransigência dogmática, está motivada tanto pela conjuntura política e econômica atual como por razões históricas que remontam à hiperinflação que o país sofreu em 1923.
Em primeiro lugar, neste momento a chanceler Angela Merkel, em quem muitos veem a encarnação da rejeição alemã a posições mais flexíveis diante de crises, não está pressionada dentro de seu país pela esquerda, mas pela direita.
Muitos inclusive consideram sua posição como excessivamente condescendente com a Grécia, e dentro de seu próprio partido, a União Democrata-Cristã (CDU) e sua ala bávara, a União Social-Cristã (CSU), viram desde o começo como um erro os dois primeiros pacotes de resgate, que ela então defendeu como algo "sem alternativa".
Por trás disso há um temor visceral a perder o que na Alemanha se chama de "cultura da estabilidade", representada então pelo Bundesbank (Banco Central alemão), criado como uma espécie de antídoto contra o fantasma da hiperinflação de 1923 (em plena República de Weimar), da qual ainda se contam histórias de pesadelo.
A queda em cascata do valor do dinheiro, mais de 50% de inflação mensal, está cravada no imaginário alemão como uma perversão que fez com que o povo austero e trabalhador visse desaparecer suas economias enquanto os que tinham vivido à base de créditos viam reduzir-se o valor de suas dívidas.
Sem dúvida, essa experiência foi um dos germes da descontentamento que dez anos mais tarde terminou levando os nazistas ao poder e alguns dizem hoje que, após a Segunda Guerra Mundial, o lema "inflação nunca mais" foi tão importante quanto o de "guerra nunca mais".
De fato, o controle severo do Bundesbank fez com que na Alemanha as taxas de inflação fossem, entre os anos 50 do século XX e a introdução do euro, claramente menores que nos outros países europeus, ao dar ao marco alemão uma solidez que costumava pôr sob pressão as outras moedas europeias.
Isso explica porque a chegada do euro e seus preparativos na última década do século XX tenham sido vistos com sentimentos conflitantes na Alemanha.
Por um lado, se tratava de uma peça importante do processo de integração europeia e como tal o vendeu o chanceler da época, Helmut Kohl, que lembrava sempre que a União Europeia era um milagre que tinha dado à Europa uma paz estável sem precedentes.
Por outro, a introdução do euro significava o fim do marco, um dos símbolos por excelência do milagre econômico alemão, e da posição do Bundesbank como banco central de referência na Europa.
O ceticismo dos alemães frente ao euro diminuiu um pouco devido ao fato de que no projeto da arquitetura da união monetária foram introduzidos elementos tomados da cultura alemã da estabilidade.
Por um lado, a independência do Banco Central Europeu (BCE) e a definição de seu mandato afastavam o fantasma de que se poderia utilizar a política monetária para sanear artificialmente os orçamentos nacionais.
Isso explica porque o programa de compra de bônus e a manutenção dos créditos de emergência à Grécia tenham recebido duras críticas na Alemanha.
Por outra parte, o Tratado de Maastricht fixava regras precisas entre as quais a mais recordada, ultimamente, costuma ser a proibição da mutualização da dívida, consagrada no artigo 125.
Para o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble - o principal representante da linha dura dentro do governo de Merkel - esse artigo também exclui a possibilidade de um perdão da dívida grega com a zona do euro.
A Alemanha é o maior credor da Grécia dentro dos países da moeda única europeia, mas a muitos dos críticos do resgate lhes preocupa - ainda mais que a possibilidade de perder 80 bilhões de euros - as consequências de uma possível saída dos gregos da zona do euro e o risco de rompimento das regras da união monetária.
Este último cenário questionaria todo o sistema que de alguma maneira ainda segue o modelo da cultura da estabilidade que acompanhou o que se convencionou chamar de capitalismo renano. EFE
Berlim - A firmeza alemã frente à crise grega , que alguns chegaram a qualificar de intransigência dogmática, está motivada tanto pela conjuntura política e econômica atual como por razões históricas que remontam à hiperinflação que o país sofreu em 1923.
Em primeiro lugar, neste momento a chanceler Angela Merkel, em quem muitos veem a encarnação da rejeição alemã a posições mais flexíveis diante de crises, não está pressionada dentro de seu país pela esquerda, mas pela direita.
Muitos inclusive consideram sua posição como excessivamente condescendente com a Grécia, e dentro de seu próprio partido, a União Democrata-Cristã (CDU) e sua ala bávara, a União Social-Cristã (CSU), viram desde o começo como um erro os dois primeiros pacotes de resgate, que ela então defendeu como algo "sem alternativa".
Por trás disso há um temor visceral a perder o que na Alemanha se chama de "cultura da estabilidade", representada então pelo Bundesbank (Banco Central alemão), criado como uma espécie de antídoto contra o fantasma da hiperinflação de 1923 (em plena República de Weimar), da qual ainda se contam histórias de pesadelo.
A queda em cascata do valor do dinheiro, mais de 50% de inflação mensal, está cravada no imaginário alemão como uma perversão que fez com que o povo austero e trabalhador visse desaparecer suas economias enquanto os que tinham vivido à base de créditos viam reduzir-se o valor de suas dívidas.
Sem dúvida, essa experiência foi um dos germes da descontentamento que dez anos mais tarde terminou levando os nazistas ao poder e alguns dizem hoje que, após a Segunda Guerra Mundial, o lema "inflação nunca mais" foi tão importante quanto o de "guerra nunca mais".
De fato, o controle severo do Bundesbank fez com que na Alemanha as taxas de inflação fossem, entre os anos 50 do século XX e a introdução do euro, claramente menores que nos outros países europeus, ao dar ao marco alemão uma solidez que costumava pôr sob pressão as outras moedas europeias.
Isso explica porque a chegada do euro e seus preparativos na última década do século XX tenham sido vistos com sentimentos conflitantes na Alemanha.
Por um lado, se tratava de uma peça importante do processo de integração europeia e como tal o vendeu o chanceler da época, Helmut Kohl, que lembrava sempre que a União Europeia era um milagre que tinha dado à Europa uma paz estável sem precedentes.
Por outro, a introdução do euro significava o fim do marco, um dos símbolos por excelência do milagre econômico alemão, e da posição do Bundesbank como banco central de referência na Europa.
O ceticismo dos alemães frente ao euro diminuiu um pouco devido ao fato de que no projeto da arquitetura da união monetária foram introduzidos elementos tomados da cultura alemã da estabilidade.
Por um lado, a independência do Banco Central Europeu (BCE) e a definição de seu mandato afastavam o fantasma de que se poderia utilizar a política monetária para sanear artificialmente os orçamentos nacionais.
Isso explica porque o programa de compra de bônus e a manutenção dos créditos de emergência à Grécia tenham recebido duras críticas na Alemanha.
Por outra parte, o Tratado de Maastricht fixava regras precisas entre as quais a mais recordada, ultimamente, costuma ser a proibição da mutualização da dívida, consagrada no artigo 125.
Para o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble - o principal representante da linha dura dentro do governo de Merkel - esse artigo também exclui a possibilidade de um perdão da dívida grega com a zona do euro.
A Alemanha é o maior credor da Grécia dentro dos países da moeda única europeia, mas a muitos dos críticos do resgate lhes preocupa - ainda mais que a possibilidade de perder 80 bilhões de euros - as consequências de uma possível saída dos gregos da zona do euro e o risco de rompimento das regras da união monetária.
Este último cenário questionaria todo o sistema que de alguma maneira ainda segue o modelo da cultura da estabilidade que acompanhou o que se convencionou chamar de capitalismo renano. EFE