Economia

"Acordo com Bush não é essencial para o etanol brasileiro"

David Zylbersztajn, ex-presidente da ANP, afirma que Brasil está na vanguarda do setor e pode conquistar mercados importantes na Ásia e Europa

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h56.

Passados os tropeços com o Pró-Álcool  - programa lançado no final da década de 70, após a crise do petróleo, com o intuito de substituir o uso da gasolina por etanol em veículos automotores - o Brasil volta a apostar no álcool. Visto como uma das principais alternativas para resolver dois grandes problemas da humanidade - a substituição do petróleo e a redução de gases poluentes - o combustível derivado da cana-de-açúcar chamou a atenção de autoridades, como o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que esta semana encontra-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um possível acordo sobre a comercialização do produto.

Na opinião do ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), David Zylbersztajn, apesar de importante, um acordo com os Estados Unidos não é indispensável para o desenvolvimento do setor no Brasil.

Em entrevista ao Portal EXAME, Zylbersztajn fala sobre a visita de Bush, os desafios e perspectivas para o setor e a possibilidade de minimizar aos efeitos da crise de energia elétrica - prevista para daqui dois anos - com o uso de tecnologia a base de bagaço de cana. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

O presidente Lula tem criticado fortemente a taxa cobrada pelos Estados Unidos sobre o etanol brasileiro. O senhor acredita que será possível um acordo com o governo americano para reduzir essa taxa?

Os Estados Unidos vão calibrar o valor da tarifa de acordo com a necessidade interna de álcool. Não vejo por que eles mudariam sua política sem algum interesse específico. Se houver alguma alteração será porque eles já fizeram uma análise prévia e verificaram alguma vantagem nisso. Não existe caridade nem filantropia, e esse não é o tipo de decisão que se toma na base da boa vontade.

Um acordo com os Estados Unidos é essencial para o desenvolvimento do setor no Brasil?

Os Estados Unidos são um grande mercado comprador, mas o país não é fundamental para o sucesso do comércio do etanol brasileiro. Existem mercados na Ásia e na Europa que também são muito importantes. E já há bastante investimento estrangeiro no Brasil, inclusive de empresas americanas.

Além de ser um forte candidato a substituto do petróleo e contribuir para o combate ao aquecimento global, quais outros fatores tornam o etanol atraente?

Temos hoje uma conjuntura bastante interessante: o aumento do preço do petróleo, principalmente nos últimos três anos, que torna o álcool mais competitivo; a criação do carro flex, que gerou um amplo mercado consumidor interno, e o histórico de tragédias ecológicas. Tudo isso conta a favor do etanol.

O que falta, então, para o setor deslanchar?

Primeiro, o mercado precisa confiar no produtor brasileiro. As usinas podem produzir álcool ou açúcar, e nunca houve, por parte do produtor, o compromisso de produzir o etanol. Se o preço do açúcar estivesse mais atraente, ele fazia açúcar, se o álcool estivesse melhor, fazia álcool. Agora, o mercado está exigindo maior segurança de abastecimento e o setor está passando por uma fase de consolidação. Se o fornecedor deixar de entregar o produto, perderá o cliente para um concorrente aqui ou no exterior. Não dá para pensar que só o Brasil vai atuar nesse mercado. 

Quais países, além do Brasil, detêm essa tecnologia?

Hoje, estamos numa posição de vanguarda, mas não podemos nos acomodar. Estive nos Estados Unidos há pouco tempo e tive a notícia de que a British Petroleum nos Estados Unidos vai investir 500 milhões de dólares em pesquisas de biocombustíveis. A produção de álcool a partir de celulose, por exemplo, é uma tecnologia que está sendo desenvolvida e que, em poucos anos, pode atropelar a tecnologia a partir da cana-de-açúcar.

O que é possível fazer para não perder a liderança?

Não podemos nos iludir. O Brasil tem um potencial grande de aumento de produção - é possível ampliar em 50% rapidamente - e ainda temos meios de aumentar nossa produtividade gerando, por exemplo, energia elétrica em quantidades razoáveis com bagaço de cana. É uma maneira de tornar o produto brasileiro mais competitivo e, ainda, minimizar a crise de abastecimento de energia elétrica que teremos daqui dois anos.

De que forma a cana-de-açúcar pode contribuir para a geração de energia elétrica?

Podemos gerar energia elétrica queimando ou gaseificando o bagaço da cana. No final dos anos 90, eu já orientava teses de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) sobre geração de energia elétrica a partir da cana. Há tecnologia para isso, mas não há regulamentação. Se houvesse normas adequada para a revenda de eletricidade com co-geração, seria possível reduzir muito o problema da energia elétrica.

O que podemos esperar dos biocombustíveis nos próximos anos?

Vamos ver um "boom" na pesquisa de produção de combustível a partir de fontes renováveis. Por enquanto, sabemos que a cana é melhor que o milho e a beterraba para produção de álcool. Mas ainda não sabemos nada em relação à celulose. Para manter a vanguarda, o Brasil vai ter que investir muito, porque outros países podem apostar na produção de etanol fora de seu território. Uma das primeiras etapas dessa corrida será identificar locais no mundo onde se possa plantar cana. Ou, ainda, identificar outras tecnologias, com outras fontes de produção de energia, que não tenham sido estudadas. Se o Brasil será uma nova Arábia Saudita, veremos mais para frente.

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