Abramovay, Giannetti e Dowbor discutem economia verde
Shirts destacou a provocação contida no título do livro Muito Além da Economia Verde: se ainda não conquistamos uma economia verde, como pensar em ir além dela?
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2014 às 13h19.
São Paulo - O sociólogo Ricardo Abramovay e os economistas Eduardo Giannetti da Fonseca e Ladislau Dowbor são grandes nomes da economia brasileira e parte importante da corrente acadêmica que tem uma certeza: os limites planetários já foram ultrapassados e não há mais como viver em uma sociedade com tantas desigualdades sociais e econômicas.
As perguntas que fazem ao homem de hoje são: “Qual é o sentido da vida econômica? Produzir mais para quê?”. Estas são questões cruciais no livro Muito Além da Economia Verde, de Abramovay, o primeiro com o selo do Planeta Sustentável e o apoio da CPFL Energia e a da Fundação Avina, lançado em junho para pequenos públicos, também durante a Rio+20.
Para comentar essas ideias – e realizar o primeiro encontro aberto ao público com o autor (estão programados mais dois: no Rio de Janeiro e em Recife) –, reunimos os três especialistas, em 20/08, à noite, no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. A mediação ficou com Matthew Shirts, redator-chefe da revista National Geographic Brasil e coordenador do nosso movimento.
Ao dar início à conversa, Shirts destacou a provocação contida no título do livro: se ainda não conquistamos uma economia verde, como pensar em ir além dela?
Para Ladislaw Dowbor, professor titular da pós-graduação na PUC, doutor em Ciências Econômicas pela Escola de Estatística e Planejamento de Varsóvia e conselheiro do Planeta Sustentável, o título é feliz porque deixa bem clara a opção de não seguir o mesmo padrão atual de comportamento. “Reciclamos um pouquinho e diminuímos como podemos a emissão de gases dos automóveis, mas o que precisamos é de uma mudança estrutural”.
Dowbor citou trecho do livro de Abramovay que destaca que os mercados têm papel irrelevante em parte crescente da inovação, da produção do bem-estar e da prosperidade das sociedades contemporâneas. A ampliação do conhecimento e o fortalecimento das redes sociais seriam muito mais importantes.
“Se pensarmos no valor de um iPhone, por exemplo, grande parte do seu custo não vem da produção, mas do conhecimento, do desenvolvimento de tecnologia”, exemplificou. “E conhecimento não gera gás de efeito estufa. Além disso, conhecimento é um fator de produção que pode ser multiplicado, democratizado. Ele circula livremente pelo planeta devido às novas tecnologias”.
O economista acredita que o grande problema atual é a organização, a distribuição. Ou melhor, a falta delas. “Se nosso PIB planetário fosse dividido igualmente por todos os habitantes da Terra, cada um ganharia pouco mais de R$ 6 mil. Nosso problema não é a ausência de produto”. Segundo Dowbor, se a produção mundial de dois bilhões de toneladas de grãos também fosse distribuída de forma igualitária para a população mundial, cada pessoa teria direito a 800 gramas de grãos. E ainda assim, há bilhões de pessoas passando fome.
De maneira bem humorada, Eduardo Giannetti, pós-doutor em economia pela Universidade de Cambridge, cientista social e autor de vários livros, chama de encrenca a situação ambiental em que o planeta se encontra. Pessimista, a percepção dele é que o tempo está passando, os problemas agravando-se e não há no horizonte nenhum indício de que soluções estão sendo encontradas para mudar nossa trajetória.
“Projeções indicam um aquecimento de 3 a 6 graus celsius até o final do século. Sabemos que mais de dois graus celsius é uma tremenda encrenca, com consequências muito difíceis de serem avaliadas”, alertou. “E nós já estamos em 2012, o século já está em andamento”.
Giannetti aponta dois empecilhos para que uma mudança estrutural realmente ocorra. Primeiro, nunca antes a humanidade precisou fazer planejamento com 50 ou 100 anos de antecedência. Segundo, esse é um problema de ação coletiva internacional, com mais de 180 países envolvidos. “Coordenar e unificar políticas dessa complexidade, envolvendo interesses tão divergentes, é uma tarefa extremamente difícil”, disse. “Amadureceu a percepção da gravidade do problema, mas não avançou
como contrapartida o encaminhamento de soluções e de mudanças que vão realmente fazer diferença”. A crise econômica mundial, que começou em 2008, teria agravado ainda mais o problema, apontou Giannetti. Ela teria tirado a atenção dos governantes, que buscam somente soluções de curto prazo ligadas ao setor financeiro.
Ao comentar o próprio livro, o professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Relações Internacionais na USP, Ricardo Abramovay disse que, de forma inesperada, a publicação acabou se tornando uma fonte de divulgação de ideias. “Nós que trabalhamos na universidade não estamos acostumados a ver nossas ideias se transformarem em objeto de planos de negócios”.
O autor de Muito Além da Economia Verde comentou sobre a extrapolação do uso dos recursos naturais destacando a produção de cimento no mundo para demonstrar como o sistema atual está equivocado. Existe um descasamento entre a oferta de bens e serviços e as bases materiais e energéticas em que a oferta se apoia.
A questão crucial é se a produção está sendo capaz de suprir a demanda usando cada vez menos matéria e energia. “Se a pergunta levar em conta cada tonelada de cimento produzida, a resposta é um retumbante sim”, explicou Abramovay. “Mas apesar da resposta positiva, globalmente estamos usando cada vez mais, e perigosamente mais, recursos energéticos e bióticos”.
O economista revelou que, apesar de a produção de cimento no Brasil emitir 30% menos de gases poluentes do que fazia há 40 anos, se somadas todas as emissões decorrentes da produção nesse mesmo período houve um aumento de 200%. Trabalho divulgado por uma consultoria internacional revelou também o valor real que a produção econômica deveria pagar pelo uso dos recursos naturais. “Se o mundo empresarial pagasse pelas emissões dos gases de efeito estufa, do uso da água e a produção de lixo, cada dólar de lucro teria uma redução de 41 centavos”, afirmou Abramovay.
Outro ponto destacado pelos especialistas diz respeito à finalidade da produção. Não basta saber como iremos produzir bens e serviços no futuro, mas qual o objetivo dessa produção. Todos foram unânimes em apresentar o carro, principalmente na cidade de São Paulo, como um paradigma dessa situação. A capital paulista ganha um mil carros por dia e pesquisa recente revelou que 78% do espaço viário da cidade é ocupado pelos veículos, que transportam apenas 28% da população.
“O automóvel, que era um símbolo da autonomia individual do cidadão, transformou-se em um cárcere privado, uma cela de estresse”, ironizou Giannetti. Já Dowbor lembrou como o incentivo ao uso do veículo foi criado por um sistema ligado essencialmente às elites e as empresas automobilísticas. “Foi um sistema que funcionava bem quando poucos tinham acesso ao veículo. Nunca houve um investimento no transporte de massa”, criticou.
Para o economista, essa desigualdade criada pela falta de opções de transporte para as massas, gera uma violência brutal na vida do trabalhador, que muitas vezes precisa acordar antes das 5 horas da manhã para poder chegar ao trabalho às 8 horas.
E como resolver esse problema de uso excessivo do carro? Giannetti aponta o pedágio urbano como solução. Abramovay deu exemplos da China, onde em algumas cidades como Xangai e Pequim, já há limite para a matrícula de novos carros no espaço urbano.
Entretanto, ainda na contramão desse tema, está a indústria automobilística, que continua sendo, no mundo todo, um dos vetores de crescimento da economia. “Precisamos de menos carro, menos fast-food, menos emissão de CO2”, ressalta Abramovay. “O sistema nos ensinou a fazer mais, agora precisamos de menos”.
Para agravar ainda mais a encrenca, como denominou Giannetti, 2 a 3 bilhões de pessoas no planeta irão emergir para a classe média, querendo consumir nos mesmos padrões atuais. “Essa conta não fecha de jeito nenhum. Ou pensamos o tema da economia que o Ricardo (Abramovay) está nos trazendo – Economia para quê e qual o sentido da atividade econômica? ou se tem uma crença e otimismo em inovação tecnológica e consciência que eu não consigo ter”.
Muito Além da Economia Verde revela a visão otimista de Abramovay. Para o autor, cada vez mais a gestão privada tem se tornado tema de discussão pública. Existe um maior diálogo com o setor empresarial e houve um enriquecimento recíproco entre este último e os movimentos sociais.
Além disso, a sociedade da formação em rede oferece dispositivos com potencial de ampliar a participação social. “Para mim existe a possibilidade de se ter uma vida melhor consumindo menos recursos. Isso não é uma fantasia ou pregação semi-religiosa para pessoas convertidas”, salientou Abramovay. “Existe esperança”.
São Paulo - O sociólogo Ricardo Abramovay e os economistas Eduardo Giannetti da Fonseca e Ladislau Dowbor são grandes nomes da economia brasileira e parte importante da corrente acadêmica que tem uma certeza: os limites planetários já foram ultrapassados e não há mais como viver em uma sociedade com tantas desigualdades sociais e econômicas.
As perguntas que fazem ao homem de hoje são: “Qual é o sentido da vida econômica? Produzir mais para quê?”. Estas são questões cruciais no livro Muito Além da Economia Verde, de Abramovay, o primeiro com o selo do Planeta Sustentável e o apoio da CPFL Energia e a da Fundação Avina, lançado em junho para pequenos públicos, também durante a Rio+20.
Para comentar essas ideias – e realizar o primeiro encontro aberto ao público com o autor (estão programados mais dois: no Rio de Janeiro e em Recife) –, reunimos os três especialistas, em 20/08, à noite, no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. A mediação ficou com Matthew Shirts, redator-chefe da revista National Geographic Brasil e coordenador do nosso movimento.
Ao dar início à conversa, Shirts destacou a provocação contida no título do livro: se ainda não conquistamos uma economia verde, como pensar em ir além dela?
Para Ladislaw Dowbor, professor titular da pós-graduação na PUC, doutor em Ciências Econômicas pela Escola de Estatística e Planejamento de Varsóvia e conselheiro do Planeta Sustentável, o título é feliz porque deixa bem clara a opção de não seguir o mesmo padrão atual de comportamento. “Reciclamos um pouquinho e diminuímos como podemos a emissão de gases dos automóveis, mas o que precisamos é de uma mudança estrutural”.
Dowbor citou trecho do livro de Abramovay que destaca que os mercados têm papel irrelevante em parte crescente da inovação, da produção do bem-estar e da prosperidade das sociedades contemporâneas. A ampliação do conhecimento e o fortalecimento das redes sociais seriam muito mais importantes.
“Se pensarmos no valor de um iPhone, por exemplo, grande parte do seu custo não vem da produção, mas do conhecimento, do desenvolvimento de tecnologia”, exemplificou. “E conhecimento não gera gás de efeito estufa. Além disso, conhecimento é um fator de produção que pode ser multiplicado, democratizado. Ele circula livremente pelo planeta devido às novas tecnologias”.
O economista acredita que o grande problema atual é a organização, a distribuição. Ou melhor, a falta delas. “Se nosso PIB planetário fosse dividido igualmente por todos os habitantes da Terra, cada um ganharia pouco mais de R$ 6 mil. Nosso problema não é a ausência de produto”. Segundo Dowbor, se a produção mundial de dois bilhões de toneladas de grãos também fosse distribuída de forma igualitária para a população mundial, cada pessoa teria direito a 800 gramas de grãos. E ainda assim, há bilhões de pessoas passando fome.
De maneira bem humorada, Eduardo Giannetti, pós-doutor em economia pela Universidade de Cambridge, cientista social e autor de vários livros, chama de encrenca a situação ambiental em que o planeta se encontra. Pessimista, a percepção dele é que o tempo está passando, os problemas agravando-se e não há no horizonte nenhum indício de que soluções estão sendo encontradas para mudar nossa trajetória.
“Projeções indicam um aquecimento de 3 a 6 graus celsius até o final do século. Sabemos que mais de dois graus celsius é uma tremenda encrenca, com consequências muito difíceis de serem avaliadas”, alertou. “E nós já estamos em 2012, o século já está em andamento”.
Giannetti aponta dois empecilhos para que uma mudança estrutural realmente ocorra. Primeiro, nunca antes a humanidade precisou fazer planejamento com 50 ou 100 anos de antecedência. Segundo, esse é um problema de ação coletiva internacional, com mais de 180 países envolvidos. “Coordenar e unificar políticas dessa complexidade, envolvendo interesses tão divergentes, é uma tarefa extremamente difícil”, disse. “Amadureceu a percepção da gravidade do problema, mas não avançou
como contrapartida o encaminhamento de soluções e de mudanças que vão realmente fazer diferença”. A crise econômica mundial, que começou em 2008, teria agravado ainda mais o problema, apontou Giannetti. Ela teria tirado a atenção dos governantes, que buscam somente soluções de curto prazo ligadas ao setor financeiro.
Ao comentar o próprio livro, o professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Relações Internacionais na USP, Ricardo Abramovay disse que, de forma inesperada, a publicação acabou se tornando uma fonte de divulgação de ideias. “Nós que trabalhamos na universidade não estamos acostumados a ver nossas ideias se transformarem em objeto de planos de negócios”.
O autor de Muito Além da Economia Verde comentou sobre a extrapolação do uso dos recursos naturais destacando a produção de cimento no mundo para demonstrar como o sistema atual está equivocado. Existe um descasamento entre a oferta de bens e serviços e as bases materiais e energéticas em que a oferta se apoia.
A questão crucial é se a produção está sendo capaz de suprir a demanda usando cada vez menos matéria e energia. “Se a pergunta levar em conta cada tonelada de cimento produzida, a resposta é um retumbante sim”, explicou Abramovay. “Mas apesar da resposta positiva, globalmente estamos usando cada vez mais, e perigosamente mais, recursos energéticos e bióticos”.
O economista revelou que, apesar de a produção de cimento no Brasil emitir 30% menos de gases poluentes do que fazia há 40 anos, se somadas todas as emissões decorrentes da produção nesse mesmo período houve um aumento de 200%. Trabalho divulgado por uma consultoria internacional revelou também o valor real que a produção econômica deveria pagar pelo uso dos recursos naturais. “Se o mundo empresarial pagasse pelas emissões dos gases de efeito estufa, do uso da água e a produção de lixo, cada dólar de lucro teria uma redução de 41 centavos”, afirmou Abramovay.
Outro ponto destacado pelos especialistas diz respeito à finalidade da produção. Não basta saber como iremos produzir bens e serviços no futuro, mas qual o objetivo dessa produção. Todos foram unânimes em apresentar o carro, principalmente na cidade de São Paulo, como um paradigma dessa situação. A capital paulista ganha um mil carros por dia e pesquisa recente revelou que 78% do espaço viário da cidade é ocupado pelos veículos, que transportam apenas 28% da população.
“O automóvel, que era um símbolo da autonomia individual do cidadão, transformou-se em um cárcere privado, uma cela de estresse”, ironizou Giannetti. Já Dowbor lembrou como o incentivo ao uso do veículo foi criado por um sistema ligado essencialmente às elites e as empresas automobilísticas. “Foi um sistema que funcionava bem quando poucos tinham acesso ao veículo. Nunca houve um investimento no transporte de massa”, criticou.
Para o economista, essa desigualdade criada pela falta de opções de transporte para as massas, gera uma violência brutal na vida do trabalhador, que muitas vezes precisa acordar antes das 5 horas da manhã para poder chegar ao trabalho às 8 horas.
E como resolver esse problema de uso excessivo do carro? Giannetti aponta o pedágio urbano como solução. Abramovay deu exemplos da China, onde em algumas cidades como Xangai e Pequim, já há limite para a matrícula de novos carros no espaço urbano.
Entretanto, ainda na contramão desse tema, está a indústria automobilística, que continua sendo, no mundo todo, um dos vetores de crescimento da economia. “Precisamos de menos carro, menos fast-food, menos emissão de CO2”, ressalta Abramovay. “O sistema nos ensinou a fazer mais, agora precisamos de menos”.
Para agravar ainda mais a encrenca, como denominou Giannetti, 2 a 3 bilhões de pessoas no planeta irão emergir para a classe média, querendo consumir nos mesmos padrões atuais. “Essa conta não fecha de jeito nenhum. Ou pensamos o tema da economia que o Ricardo (Abramovay) está nos trazendo – Economia para quê e qual o sentido da atividade econômica? ou se tem uma crença e otimismo em inovação tecnológica e consciência que eu não consigo ter”.
Muito Além da Economia Verde revela a visão otimista de Abramovay. Para o autor, cada vez mais a gestão privada tem se tornado tema de discussão pública. Existe um maior diálogo com o setor empresarial e houve um enriquecimento recíproco entre este último e os movimentos sociais.
Além disso, a sociedade da formação em rede oferece dispositivos com potencial de ampliar a participação social. “Para mim existe a possibilidade de se ter uma vida melhor consumindo menos recursos. Isso não é uma fantasia ou pregação semi-religiosa para pessoas convertidas”, salientou Abramovay. “Existe esperança”.